Opinião

PL Cripto e os avanços para o setor de ativos virtuais no Brasil

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21 de dezembro de 2022, 15h09

Após mais de sete anos desde a sua proposição na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 4.401 de 2021, antigo PL nº 2.303 de 2015), está prestes a se tornar lei no Brasil. Recentemente aprovado no plenário da Câmara dos Deputados, depois de ter sofrido uma série de alterações ao longo dos últimos anos, muitas das quais introduzidas pelo Senado, casa revisora, foi enviado para sanção presidencial.

O PL é um passo importante para a construção de uma infraestrutura jurídica necessária para a consolidação e o desenvolvimento do mercado de criptoativos no país, e abre, inclusive, as portas para uma grande transformação do sistema financeiro nacional.

Na sua redação atual, o legislador optou por adotar uma abordagem principiológica e mais conceitual, que delega a uma autoridade infralegal os poderes necessários para regular o dia a dia das operações objeto de seu escopo. Neste contexto, o PL adota abordagem similar àquela adotada pelo marco regulatório dos meios de pagamentos em 2013 (Lei 12.865/13), a qual é considerada um grande sucesso.

A primeira grande novidade trazida pelo PL diz respeito às definições de "ativos virtuais" e de "prestadoras de serviço de ativos virtuais".  Tais definições criam novas categorias jurídicas no direito brasileiro complementares ao sistema financeiro tradicional.

De acordo com o PL 4.401/2021, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou de investimentos, excluídos, entre outras coisas, a moeda nacional e estrangeira, a moeda eletrônica, os ativos virtuais que tenham características de valores mobiliários.

Por outro lado, o texto define como prestadoras de serviço de ativos virtuais as pessoas jurídicas que executam, em nome de terceiros, serviços relacionados à troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou estrangeira, troca entre ativos virtuais, transferência, custódia ou administração de ativos virtuais, entre outros. O conceito de prestadoras de serviço de ativos virtuais abrangerá as conhecidas exchanges e outras empresas que atuam no setor de intermediação, negociação e custódia de ativos virtuais.

Pela própria abertura semântica que guardam, e dada a novidade dos conceitos e da própria inventividade do mercado, as hipóteses de ativos virtuais e de prestadoras de serviço de ativos virtuais trazidas pelo PL serão meramente exemplificativas. Isso por si só abrirá margem para discussões a respeito da caracterização de muitas criações da web3 e de muitos modelos de negócios.

Um outro projeto de lei, cuja tramitação se iniciou no Senado Federal, já tinha antevisto esse problema, e sugeriu como método de mitigação a criação de um fórum interministerial com a finalidade de estudar e propor ao(s) regulador(es) competente(s) diretrizes mais claras a respeito da conceituação de muitos ativos virtuais, levando-se em conta, entre outras coisas, a sua função, o propósito para o qual foram criados, o potencial de risco para a economia etc.

Mesmo com as diretrizes do fórum interministerial, já seria possível se cogitar em um conflito entre órgãos reguladores, cada qual reivindicando autoridade sobre a matéria. Com o abandono do fórum e/ou qualquer diretriz mais clara a respeito do assunto, não é de se surpreender que esse conflito se instale também no Brasil, muito embora o PL 4.401/2021 tenha deixado margem à cooperação entre os órgãos reguladores.

Enquanto nada disso acontece, o PL 4.401 deixa a cargo do Executivo a designação do regulador competente.  Dentre as agências que podem atuar como órgão regulador para este mercado, destaca-se o Banco Central. Eventual indicação do BC como regulador sinaliza uma regulação para o setor de ativos virtuais conforme os mesmos critérios que organizam o Sistema Financeiro Nacional. Cabe destacar a vasta experiência e sucesso do BC na atuação em temas que envolvem novas tecnologias, incluindo a regulação de pagamentos na esteira da Lei 12.865/13 e, mais recentemente, das fintechs de crédito.

Sendo este o caso, a imposição de requisitos de patrimônio líquido mínimo, a necessidade de autorização para funcionamento e realização de operações societárias, classificação das instituições e aplicação de regras conforme o porte e o potencial de risco da empresa estão dentre os temas que podem ser objeto de regulação pelo BC no desenho de futura regulação.

A atribuição de competência ao Banco Central não retirará eventual competência da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) no que tange à emissão, distribuição e custódia de ativos virtuais com características de valores mobiliários. Muito pelo contrário, a comissão poderá igualmente fomentar, por meio de regulação infralegal, a criação de uma infraestrutura jurídica adequada para acomodar as novas tecnologias no mercado de capitais. O Parecer de Orientação nº 40 da CVM já sinaliza a posição do regulador do mercado de capitais neste sentido.

Também em linha com as práticas adotadas em relação ao sistema financeiro tradicional, o PL 4.401/2021 sujeita as prestadoras de serviço de ativos virtuais à Lei 13.506/2017, que dispõe sobre o processo administrativo sancionador na esfera de atuação do BC e da CVM. Além disso, o PL equipara as prestadoras de serviço de ativos virtuais às instituições financeiras para fins penais e sujeita essas empresas, consequentemente, às penalidades da Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.

Além dessas questões mais conceituais e procedimentais, o PL também avança na criação de normas de conduta propriamente ditas, criando, inclusive, um crime específico relacionado à atuação com ativos virtuais. O PL insere no Código Penal Brasileiro o artigo 171-A, que cria o tipo de penal de fraude com a utilização de ativos virtuais. Cite-se também a inserção expressa na lei de lavagem de dinheiro das prestadoras de serviço de ativos virtuais como entidades obrigadas, e o aumento de pena de 1/3 a 2/3 em caso de cometimento do crime por meio da utilização de ativo virtual. A resposta "penal" do PL demonstra a intenção do legislador em prevenir e repudiar práticas ilícitas, deixando claro que estas não se confundem com as operações regulares com ativos virtuais.

 O PL 4.401/2021 representa um avanço para o setor de ativos virtuais no Brasil e, depois de convertido em lei, dará ensejo à criação de uma infraestrutura jurídica que tem grande potencial para fomentar o crescimento do setor no país. A positivação de regras claras que organizam e disciplinam a interação dos seus participantes é pressuposto da Constituição e consolidação de qualquer mercado, e projeto de lei vem para desempenhar este papel no mercado de ativos virtuais.

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