Opinião

Meio ambiente e o "ministério do impossível"

Autor

  • Paulo de Bessa Antunes

    é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

16 de dezembro de 2022, 13h23

O título deste artigo pode parecer estranho, mas "Ministério do Impossível" foi como Robert Poujade [1] denominou o recém-nascido Ministério do Meio Ambiente na França, do qual foi o primeiro ocupante do cargo, ao deixá-lo. O ministério foi criado com o orçamento de 200 milhões de francos franceses e um staff de 300 funcionários, na década de 1970. Nos Estados Unidos as questões ambientais são tratadas pelo Departamento do Interior[2], que possui diversas atribuições, inclusive em relação aos povos indígenas [originários], sendo a atual secretária Deb Haaland, a primeira nativa norte-americana (Pueblo of Laguna) a ocupar um cargo de Secretária no Gabinete. Há, também a Environmental Protection Agency (Usepa), criada em 1972, cuja função básica e expedir regulações ambientais relativas à qualidade do ar, do solo e das águas; coordenar os esforços nacionais para reduzir os riscos ambientais com base na melhor informação científica e administrar e aplicar as leis federais relativas à proteção ambiental e da saúde humana, segundo as determinações do Congresso [3].

No Brasil a saga administrativa do Meio Ambiente teve início com a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), criada em 1973 (Decreto nº 73.030/1973), tendo se transformado em Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 1992. Em 1993, o ministério mudou de nome para Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal; em 1995 foi transformado em Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, adotando, posteriormente, o nome de Ministério do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente. Em 1999 assumiu o antigo nome de Ministério do Meio Ambiente, mantendo-o até hoje [4].

Muito se fala que a política ambiental é uma política transversal e que deve estar presente em toda a Administração Pública, como uma 'preocupação de Estado", ou melhor, como um engajamento da sociedade. O MMA será um ministério do impossível se não houver uma ampla conscientização sobre as questões ambientais e de sua importância para o país como um todo. Um bom exemplo de engajamento nacional nas políticas ambientais é a Alemanha, onde os diferentes partidos estão, em grande parte, com programas ambientais próximos e, devido à forte presença do Partido Verde, tendem a incorporar as bandeiras de proteção ao ambiente [5].

A experiencia acumulada do MMA indica que uma estrutura administrativa horizontalizada, com a existência de muitos ministérios, tende a enfraquecer as políticas ambientais e o próprio ministério "setorial". A Política Nacional do Meio Ambiente, tem uma solução para tal problema que, infelizmente, nunca foi posta em prática. De fato, o artigo 6º, I da Lei nº 6.938/1981 estabelece que o Conselho de Governo (CG) é o órgão superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) "com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais". É necessário que o CG saía do mundo do papel e se transforme em uma realidade.

A política ambiental deve ser diretamente subordinada ao Presidente da República, de maneira que possa percolar os diferentes órgãos administrativos e ser coerente, evitando-se inciativas isoladas que, muitas vezes, são até mesmo contraditórias. O MMA é fundamentalmente um órgão de planejamento que deve, em colaboração com outros ministérios, formular as diferentes políticas públicas nacionais, tais como de energia, urbana, saneamento, florestal e, principalmente, a política econômica.

O tema mais relevante do momento é o das mudanças climáticas globais, que merece atenção particular. Infelizmente, por motivos puramente eleitorais, a "diminuição do preço dos combustíveis" é um caso típico de "política" na contramão da proteção ambiental, pois é um claro incentivo ao uso dos combustíveis fósseis, sem qualquer medida mitigatória ou compensatória conhecida. 

O papel do Ibama precisa ser repensado, pois as suas estruturas são insuficientes e é completamente ilusório achar que a simples ampliação dos seus quadros será capaz de resolver problemas estruturais. A sua transformação em agência, com direção indicada pela Presidência da República e aprovada pelo Senado, em princípio, pode garantir a independência do órgão, devendo serem previstas medidas para impedir as famosas "portas giratórias". Assim, algumas regras poderiam ser estabelecidas, por exemplo, comprovada experiência na área por 10 anos. Reorganização da carreira dos servidores, aproximando-a daquela dos auditores fiscais ou assemelhados. E a previsão de rigorosas quarentenas para ex-servidores e dirigentes. O número de cargos em comissão acessíveis para pessoal extraquadro deve ser reduzido drasticamente, de preferência eliminado. Fortalecimento das estruturas na Amazônia, inclusive com possível instalação do órgão na região, como ocorre no caso da Agência Nacional do Petróleo (ANP), no Rio de Janeiro. Em relação ao passivo de autos de infração, multas e outras sanções, o modelo adotado pela Usepa é muito interessante [6].

Com efeito, a existência de uma comissão nacional de julgamento de Recursos Administrativos ambientais, com algumas comissões regionais, formada por membros concursados diretamente para a função é da maior importância, pois o sistema recursal atualmente adotado pelo Ibama é disfuncional, lento e pouco seguro. A precariedade de tal sistema gera números irreais de multas "não pagas", pois grande parte delas está prescrita.  Atualizar o mecanismo de julgamento e cobrança é essencial.  Com vistas à redução de custos, o sistema recursal poderia atender a todos os órgãos vinculados ao MMA.

Em relação à regularização fundiária das Unidades de Conservação (UC), é necessário que se olhe para o exemplo frutífero das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), no qual a proteção é feita por particulares, sob regras públicas. A utilização de mecanismos como usufruto, concessão de uso e outros, poderia facilitar a regularização de muitas UCs, inclusive Parques Nacionais. Ainda em relação às UCs, um dos primeiros pontos que deve ser examinado é a urgente necessidade de ampliação da força de trabalho Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). Nesta questão, as iniciativas são pouco criativas e se limitam aos concursos públicos para o recrutamento de profissionais, o que tem se mostrado insuficiente, ou aos voluntários ambientais, cuja legalidade é problemática.  

Oo modelo utilizado pelo National Park Service dos Estados Unidos [7] pode servir de auxílio para encontrar novos caminhos. O ICMBIO poderia implantar um programa de bolsas de estudo e voluntariado  com a devida remuneração , de forma que estudantes e jovens profissionais  até dois anos  pudessem ser contratados temporariamente para o exercício de funções de controle e fiscalização nos Parques Nacionais que seriam conjugadas com estudos. As universidades poderiam ser grandes fornecedoras desse pessoal, em especial estudantes de biologia, ciências ambientais e afins, mas não só. Um programa bem estruturado de captação de recursos internos e externos pode contribuir para o financiamento. Paralelamente, uma reestruturação das carreias do sistema ambiental federal deveria elevar os seus profissionais a um patamar de rendimento compatível com o risco e relevância da função, com vistas a reter o pessoal. Modelo semelhante poderia ser adotado na Funai e no Ibama.  É preciso pensar fora da caixa.

Há muitas questões a serem tratadas e que merecem atenção, pois é importante que o MMA, na nova administração, possa assumir o protagonismo necessário para que não seja o "Ministério do Impossível", mas o Ministério do Possível.


[1] Disponível em < https://fr.wikipedia.org/wiki/Robert_Poujade > acesso em 08/12/2022

[2] Disponível em < https://www.doi.gov/ > acesso em 08/12/2022

[3] Disponível em < https://www.epa.gov/aboutepa/our-mission-and-what-we-do > acesso aos 08/12/2022

[5] UEKÖTTER, Frank. The greenest nation? Cambridge, Massachusetts: MIT Press. 2014

[6] Disponível em < 9101NS35.PDF (epa.gov) > acesso em 08/12/2022

Autores

  • é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia, professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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