E a responsabilidade do STF?
16 de dezembro de 2022, 17h31
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, publicou recentemente seminal artigo explicando que não há incompatibilidade entre responsabilidade social e responsabilidade fiscal e, especialmente, cobrando do Poder Público periódica revisão de gastos públicos, de modo a ajustar as despesas que não cumprem adequadamente seus objetivos, abrindo espaço para novas políticas, visando cumprir o lema principal da democracia, resumido em dignidade humana [1].
O ministro Luiz Roberto Barroso resumiu bem as críticas procedentes que o Supremo tem recebido em razão da desmedida competência processual: excesso de processos, monocratização (elevado número de decisões individuais dos ministros), oscilação da jurisprudência (variação conforme o caso concreto), pedidos de vistas de caráter obstrutivo, inobservância (por certos ministros) de orientação firmada pelo plenário e poder de agenda pelo qual o relator ou a presidência do tribunal podem atrasar indefinidamente qualquer julgamento [2].
O excesso de processos é incontestável. As estatísticas registram que o STF (11 ministros) recebeu 77.449 processos em 2021, um aumento de 3,08% em relação ao ano de 2020. Do total de recebidos, 23.268 são ações originárias (30,04%) e 54.181 processos recursais (66,96%). No total, proferiu 98.198 decisões, das quais 82.781 monocráticas (84,3%) e 15.417 colegiadas (15,7%) [3]. A Corte americana julga por volta de 100 processos por ano, a alemã (16 juízes) 6.200, a italiana 300 e a francesa 200. Será que o mundo está errado e só o Brasil está certo?
O Supremo tem dado uma contribuição elogiável para a democracia brasileira, na proteção de direitos fundamentais, proteção da moralidade política e administrativa, desempenhando um papel decisivo na mudança da cultura da impunidade. Entretanto, essas performances pontuais não apagam o mal que o STF tem causado para a sociedade brasileira com o atraso histórico de julgamentos de questões nacionais fundamentais, perdidas nos escaninhos do inadequado modelo de competência processual.
Conrado Hubner Mendes sentenciou: "O atraso do Judiciário mata, o atraso do STF mata muito mais". Citou como exemplos de demoras desabonadoras alguns processos importantes: ações por medidas de segurança alimentar (ADPF 831 e ADPR 885), ações que pedem controle de armamentos (ADI 6.675), descriminalização do porte de arma (RE 635.659, tramitando há dez anos) [4], porte de drogas (desde 2011), interrupção da gravidez (2017), juiz de garantias (2019), auxílios extras à magistratura do RJ (2012) e royalties do petróleo (2013) [5].
No disputado campo tributário, calha lembrar, como exemplo, a destrutiva demora em validar a sistemática da não comutatividade do PIS e Cofins, criada por leis em 2002 e 2003, mas só confirmada pelo STF em novembro de 2022, provocando uma avalanche de milhares de processos subjetivos sobre a controvérsia. A ConJur publicou em 29 de maio passado a triste história do processo que está há 33 anos aguardando julgamento do STF e a constrangedora lista dos cinco mais antigos. O mais novo tem 19 anos de tormentosa espera.
Atrasos processuais do Supremo, produzindo insegurança jurídica e ineficiência geral em nosso burocrático sistema judicial de quatro instâncias, colaboram muito para nosso atraso econômico e social, representado por péssimo IDH 82 no ranking mundial e baixíssimo PIB per capta de US$ 7.600 em 2021 (US$ 34 mil na União Europeia). Gilmar defende que a responsabilidade social e responsabilidade fiscal devem andar de mãos dadas para avanço da dignidade humana. O quadro acima permite concluir que a responsabilidade processual do Supremo, combatendo excessos de processos, descaminhos e demoras, também é indispensável para esse crescimento.
O Supremo tem obrigação política e ética de livrar-se dessa doentia concentração de processos para poder dirigir sua energia na solução rápida e eficiente das questões nacionais fundamentais, acima de interesses privados subjetivos e particulares, deixando de ser entrave do desenvolvimento nacional e passando a ser eficiente indutor da democracia plena, com muito mais dignidade humana. O Supremo não pode deixar sua história ficar marcada com a manutenção de espaços de atrasos processuais que permitem reprováveis jogos de poder.
Para não ficar no vazio da crítica, segue pontos essenciais para enfrentamento do problema: a) transferência de competência constitucional recursal do Supremo aos tribunais superiores, visando à conclusão de todos os processos subjetivos na terceira instância, no máximo; b) manutenção do controle de constitucionalidade somente pela via concentrada (leis e jurisprudências dos tribunais superiores); c) redução (para poucas centenas) dos processos que o Supremo deve julgar anualmente; e d) regulação detalhada, com prazos certos e fiscalizáveis, dos casos excepcionais de decisão monocrática e pedido de vista.
Esta mudança estrutural necessita de protagonismo do STF e forte apoio da academia jurídica nacional. Poderá inicialmente reduzir campo de trabalho, zonas de confortos, mas é caminho incontornável para crescimento qualitativo e prosperidade do Brasil. O histórico estado de ineficiência do Judiciário, sufocado de processos, pede um forte movimento dos juristas e operadores do direito, no sentido de reforma da cúpula do Judiciário, transferindo poderes e redefinindo o Supremo exclusivamente como corte constitucional eficiente, para o bem do povo brasileiro.
[1] https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/12/responsabilidade-social-e-responsabilidade-fiscal.shtml
[3] https://www.conjur.com.br/2022-fev-07/supremo-fechou-2021-menor-acervo-processual-22-anos#:~:text=As%20estat%C3%ADsticas%20mostram%20que%20a,recursais%20(66%2C96%25).
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