Opinião

Normas do MP-RJ e do TJ-RJ que permitem celebrar ANPP em audiência de custódia

Autor

  • Guilherme Macabu Semeghini

    é promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e pós-graduado em Ciências Penais pelo Instituto de Educação Roberto Bernardes Barroso do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (IERBB/MPRJ).

13 de dezembro de 2022, 18h11

A Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e, posteriormente, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro publicaram resoluções que permitem a celebração e homologação do acordo de não persecução penal (ANPP) em audiência de custódia.

A Resolução GPGJ nº 2493, publicada em 11 de outubro de 2022, e a Resolução TJ-OE nº 30/2022, publicada em 8 de novembro, que alterou o artigo 4º-A da Resolução TJ-OE 17/2021, introduzido pelo artigo 1º da Resolução TJ/OE nº 05/22, possibilitaram ao representante do Ministério Público oferecer acordo de não persecução penal (ANPP) ao preso em flagrante a ser submetido à audiência de custódia. Se o acusado estiver acompanhado de advogado ou defensor público, poderá celebrar o acordo, que será submetido à homologação pelo juiz com atuação junto às Centrais de Audiências de Custódia.

Ressalte-se, prima facie, que as novas resoluções supra mencionadas estão devidamente amparadas pela Resolução 357/2020 do CNJ que dispõe acerca da participação do Ministério Público na Audiência de Custódia e, expressamente, possibilita a propositura do ANPP, conforme redação prevista no §3º, do artigo 1º da Resolução 357/20 do CNJ:

"A participação do Ministério Público deverá ser assegurada, com intimação prévia e obrigatória, podendo propor, inclusive, o acordo de não persecução penal nas hipóteses previstas no artigo 28-A do Código de Processo Penal".

Alguns juristas criticaram as novas resoluções, sob o argumento de que as normas violariam a Resolução nº 213/2015, do Conselho Nacional de Justiça, que não permitiria a tratativa do mérito da acusação na sessão.

No que concerne à prolação de atos decisórios pelo juiz, durante a audiência de custódia, recentemente, a Lei 13.964 de 24 de dezembro de 2019, alterou as redações dos artigos 310 e seus parágrafos e 312 e seus parágrafos, ambos do Código de Processo Penal, possibilitando ao juízo da custódia realizar diversos atos decisórios no curso da audiência de custódia e não se ater, portanto, apenas à verificação da higidez e da legalidade da prisão.

Assim, caso não seja verificada qualquer ilegalidade na prisão do conduzido, o juiz da custódia deverá constatar se o fato criminoso foi praticado sob a égide de alguma excludente da ilicitude, ocasião em que poderá conceder a liberdade provisória ao investigado (artigo 312, 1 §1º, do CPP). Para tomar tal decisão, evidentemente, o juiz da custódia deverá apreciar todas as provas colhidas em sede policial e juntadas aos autos da prisão em flagrante.

Caso o juiz entenda que não há qualquer excludente da ilicitude a ser considerada, deverá decidir acerca da necessidade de manutenção, ou não, da prisão cautelar, com a convolação da prisão em flagrante em prisão preventiva, quando presentes os requisitos constantes no artigo 312 do Código de Processo Civil, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. Tal análise, a ser realizada pelo juízo da custódia, implica na necessária verificação da prova da existência do crime (materialidade do delito) e indícios suficientes de autoria.

Portanto, é possível afirmar que na atual sistemática jurídica processual penal, o juiz da custódia não se limita à verificação da higidez e legalidade da prisão cautelar efetivada — finalidade precípua da audiência de custódia — , mas também realiza a análise dos fatos e das provas colhidas em sede policial, de modo a formar seu livre convencimento acerca da necessidade de manutenção da prisão cautelar, ou de concessão da liberdade provisória ao conduzido com, ou sem, a imposição de medidas cautelares diversas da prisão.

Ora, se pode o juiz da custódia realizar a análise dos requisitos para a manutenção da prisão cautelar  dentre os quais, prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (artigo 312 do CPP) , por óbvio, não há qualquer óbice para realizar o controle judicial acerca da voluntariedade do investigado em aceitar o acordo, bem como da legalidade dos termos do acordo, proposto pelo Ministério Público, conforme previsão dos §§4º, 5º e 7º, do artigo 28-A do CPP.

Ademais, a fim de espancar qualquer dúvida acerca da legalidade das recém expedidas Resoluções em comento, importante ressaltar que o ANPP não será negociado e homologado pelo mesmo membro do Ministério Público e mesmo Juiz que funcionaram na sessão da audiência de custódia. Assim, se o juiz que participou da audiência de custódia propriamente dita, relaxar a prisão, ou conceder liberdade provisória ao conduzido, uma vez verificada a possibilidade do oferecimento e homologação do ANPP, deverá conduzir o suspeito e sua defesa técnica para outra sala de Audiência, localizada no mesmo espaço, com outro membro do Parquet e Juiz, responsáveis pela propositura, negociação e homologação do acordo.

ainda de se destacar que a Resolução GPGJ nº 2493, publicada em 11 de outubro de 2022 e a Resolução TJ-OE nº 30/2022, publicada em 8 de novembro são salutares, sob o ponto de vista da economicidade e efetividade da persecução penal. Antes da edição das normas, sucediam-se à audiência de custódia, outras duas audiências — uma extrajudicial, para propositura e aceitação, ou não, do ANPP, apenas com a presença do Promotor da Vara Criminal, do acusado e do representante da sua defesa técnica; e outra, judicial, com a presença dos mesmos atores, além do juiz da vara criminal, para homologação do ANPP; agora, após a edição das novas resoluções, a questão poderá ser resolvida no mesmo dia e local da realização da audiência de custódia, aproveitando-se a presença de todos os atores envolvidos naquele processo na sessão, com inegável economia de tempo e dinheiro público, representando importante passo para desburocratização da Justiça, com consequente diminuição das já assoberbadas pautas de audiências das varas criminais.

Autores

  • é promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e pós-graduado em Ciências Penais pelo Instituto de Educação Roberto Bernardes Barroso do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (IERBB/MPRJ).

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