Opinião

O que podemos aprender com o recall da Tesla nos Estados Unidos

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12 de dezembro de 2022, 6h32

Em 2022, a Tesla realizou recalls por meio da atualização de software. Por não se tratar de reparo físico, passou a questionar a nomenclatura "safety recall" da National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), órgão americano responsável pelos recalls nos Estados Unidos.   

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Para exemplificar os questionamentos sobre o procedimento de recall, é relevante abordar um dos recentes casos. A Tesla iniciou recall de 1,1 milhão de veículos nos Estados Unidos, em razão de possível fechamento acelerado da janela dos veículos, que poderia causar danos aos dedos dos consumidores.

O recall foi determinado pelo órgão regulador americano e se refere a alguns dos seguintes modelos elétricos: Modelo 3, de 2017 a 2022; Modelo Y, de 2020 a 2021; Modelo S e Modelo X, de 2021 a 2022.

Como os veículos são elétricos, o reparo nas janelas ocorrerá por meio da atualização de software, o que levou a Tesla a afirmar que a caracterização do caso como recall estaria "ultrapassada e imprecisa". O caso levanta questionamentos cada vez mais atuais e merece a atenção dos órgãos reguladores.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a definição de produtos relacionados a recalls deve abranger software, como as novas tecnologias, internet das coisas (IoT) e inteligência artificial (AI) [1]. Para que haja efetividade no recall de tais produtos, a OCDE recomenda o uso de novas tecnologias, como por meio do reparo de produtos de forma remota, por meio da atualização de software [2].

Portanto, caso a diretriz da OCDE seja aplicada ao caso da Tesla, a atualização de software deve ser considerada uma forma de recall, o que significa que independentemente do meio para adequação do produto, o consumidor deve ser informado sobre o procedimento (assim como as autoridades competentes).

O caso em apreço é relevante para contribuir com reflexões sobre o contexto brasileiro, especialmente no que se refere aos instrumentos jurídicos relacionados ao recall. Ainda que a comercialização de veículos elétricos não seja popular e comum no Brasil, é razoável a expectativa de constante aumento na aquisição de tais veículos. Além disso, outros produtos poderiam ser reparados por meio de atualizações de softwares no Brasil e gerar questionamentos similares sobre a necessidade de realizar o recall.

Desse modo, os recentes recalls da Tesla nos Estados Unidos podem inspirar importantes e necessários debates sobre o recall no Brasil, especialmente voltados: 1) ao que se considera como recall, se o conceito se liga ao procedimento ou a risco ao consumidor; e 2) a relevância de desenvolver instrumentos jurídicos relacionados a recalls ligados a tecnologia, sem descurar do procedimento administrativo previsto em lei. 

Nesse cenário, os instrumentos jurídicos de recall têm sido aperfeiçoados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Com a Portaria nº 618/2019, a Senacon tornou o procedimento de recall mais atualizado e flexível, especialmente ao permitir a utilização de novos meios de mídia, já alinhado aos padrões da OCDE.

À luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), se produto puder causar dano à saúde ou à segurança do consumidor, não poderá ser inserido no mercado de consumo. No entanto, se for colocado no mercado em tais condições, é necessário que haja recall. Portanto, no contexto brasileiro, o critério para a determinação do que se considera como recall não está no procedimento adotado para correção do problema, sendo indiferente se o reparo ocorrerá via software ou presencialmente. O que realmente importa é seguir o procedimento legal de informação às autoridades e aos consumidores.

Nota-se, pela ausência de discussão sobre o tema, que a atenção dos órgãos reguladores brasileiros ainda não se voltou suficientemente para temas de tecnologia e recall. Com a internet das coisas e a crescente modernização de produtos, é relevante que novos instrumentos jurídicos sejam desenvolvidos para direcionar campanhas de recall relacionadas a meios eletrônicos de reparos.

Para isso, as diretrizes da OCDE são relevantes fontes para que o Brasil esteja alinhado com as melhores práticas internacionais. Assim, quando novas situações sobre tecnologia surgirem, os guias e as recomendações da OCDE podem ser relevantes nortes para a atuação dos órgãos de defesa dos consumidores.


[1] OECD. Policy guidance on maximising product recall effectiveness. Disponível em <https://one.oecd.org/document/DSTI/CP/CPS(2019)4/FINAL/en/pdf>. Acesso em 4 dez 2022. P. 5

[2] Ibid. P. 7.

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