Segunda Leitura

Processos complexos, acordos e efetividade da Justiça

Autores

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

  • Antonio César Bochenek

    é juiz federal de Ponta Grossa (PR) ex-presidente da Ajufe e da Associação Paranaense de Juízes Federais diretor do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus) mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

11 de dezembro de 2022, 8h00

Os processos complexos, em regra, demoram muito tempo para chegar ao final, no Poder Judiciário. Isto, além da espera muitas vezes angustiante, acaba por gerar custos elevados, seja para dar suporte à tramitação nas diversas instâncias, seja depois na fase de cumprimento de sentença.

Spacca
O atraso na decisão final e as consequências que disto advêm, são os principais responsáveis pela pecha da morosidade e onerosidade, duas das principais críticas ao Poder Judiciário. Tanto isso é verdade, que o legislador inseriu na Constituição (artigo 5º, inciso LXXVIII) o princípio da razoável duração do processo e a garantia da celeridade na tramitação, sendo um dos poucos países do mundo com previsão desta estirpe e a nível constitucional. Por outro lado, estudos sociológicos e de outras áreas sempre apontam essas duas características como responsáveis pelas dificuldades de acesso aos direitos e à justiça, tanto para o seu ingresso como para o cumprimento efetivo da decisão final. Além disso, a falta de soluções dos problemas num tempo razoável acarretam outras carências, como a falta de segurança e previsibilidade, valores relevantes nas sociedades contemporâneas.

Ainda, a Lei de Introdução às normas de direito brasileiro (Lei 13.655/18) prevê várias ferramentas para a solução de demandas da administração pública e de interesse público, como a continuidade, transição e consequencialismo das decisões judiciais, este último ainda não efetivado por completo por encontrar resistências de origens diversas.

Nos últimos anos, foram criadas várias soluções para a morosidade e onerosidade do processo judicial, como a instalação de juizados especiais e o avanço no campo judicial e extrajudicial da mediação, conciliação e arbitragem. Contudo, na esfera judicial as demandas mais difíceis, as que envolvem vários atores, objetos interdisciplinares e complexos, acabam por percorrer longo caminho nos escaninhos e localizadores dos processos judiciais.

Recentemente, principalmente após o CPC de 2015, avolumam-se estudos e artigos doutrinários com o escopo de aplicação dos princípios cooperativos por todos os atores processuais, bem como o incentivo às soluções negociadas e consensuais dos conflitos, expressamente consignados no Código de Processo Civil (principalmente refletido nos artigos 3º, 6º, 165 a 175, 190,e 191).

Aumentaram os estudos a respeito dos litígios e processos estruturais, nos casos que envolvem interesses públicos relevantes, de modo a tornar as ferramentas processuais mais adaptáveis, flexíveis, para além da possibilidade dos atores e operadores do sistema de Justiça possam contribuir com a gestão processual dos casos, com o objetivo de encontrar as melhores e mais céleres soluções e também menos onerosas, de preferência de forma consensual e negociada, com o protagonismo das partes, envolvidos e interessados. Portanto, menos decisões judiciais e mais protagonismo dos atores processuais, mais soluções e resultados, segurança e previsibilidade.

A aplicação dos conceitos e estudos dessas novas formas de atuação de processos de interesse público, na prática, também tem sido verificada, com enorme poder de replicação e resultados práticos proveitosos, bem como o retorno imediato à sociedade. Não faz sentido insistir-se nas antigas práticas de processos complexos percorrerem as diversas instâncias do Poder Judiciário, obrigando a espera por anos para ter-se a solução, além do que muitas delas podem revelar-se inexequíveis.

Recentemente, o sistema de conciliação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em iniciativa inédita no Brasil, coordenou as atividades de mediação entre as partes envolvidas em mais de 39 processos judiciais em tramitação, relacionados ao contrato de concessão de rodovias, iniciado no ano de 1997 com término em 2021, entre o estado do Paraná, Departamento de Estradas de Rodagens (DER) e a Rodonorte (atual RDN). [1] Para que se tenha uma ideia do vulto do conflito, "o valor global e total do acordo é de R$ 1,2 (um bilhão, cento e setenta e sete milhões, novecentos e cinquenta e dois mil e setecentos e quarenta reais), na data-base 01/08/2022" [2].

Para além das demandas judicializadas ao longo de 24 anos e diga-se, ainda não encerradas, outras poderiam ser ajuizadas ao final do contrato por ambas as partes. A complexidade e a dificuldade de análise da equação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, no decorrer de todos anos, bem como as influências recíprocas e diretas de cada um dos processos judiciais em andamento, para além do extenuado trabalho dos operadores do direito, revelam a dimensão da prova técnica e pericial a ser produzida. Também estão presentes outros elementos, como o celebrado o acordo de leniência entre as partes, diga-se um dos primeiros do país, para as situações de desconformidade dos atos dos agentes públicos e privados em relação ao contrato. Além de tudo o que foi dito, ainda é possível citar muitos outros fatores, como os aditivos contratuais, atos normativos expedidos de forma unilateral pelos agentes públicos, alterações de tecnologia que ocorreram no curso do quarto de século de vigência do contrato.

Todos esses temas foram submetidos pelas partes à discussão em juízo, ora como autoras, ora como rés. O emaranhado sem fim, complexo e oneroso, envolve centenas de profissionais do direito e de outras áreas técnicas para dar suporte às tese e fatos defendidos, tudo direcionado no momento inicial ao juiz de primeira instância e depois aos desembargadores e ministros.

Quantos anos seriam necessários para encerrar esses casos? As experiências semelhantes de tempo de tramitação de processos judiciais complexos não são animadoras. São anos e anos, idas e vindas, no processo de conhecimento e depois de cumprimento ou execução. Até lá, muitas vezes os responsáveis nem mais existem ou não detém valores para fazer frente às indenizações ou reparações. Ainda, nos processos complexos há grandes dificuldades na produção de prova com resultado. Nos casos citados de processos judiciais com debate dos contratos de concessão de rodovias do Paraná, não houve peritos ou grupo deles interessados na produção da prova.

Uma oportuna experiência adotada pela Vara Federal de Ponta Grossa foi a expedição de editais para que peritos de todo o Brasil participassem de audiência virtual para explicar qual trabalho era necessário fazer e poder dimensionar os trabalhos e quesitos da prova. Mais de 31 profissionais compareceram à primeira audiência e depois de meses, apenas três permaneciam interessados, com relatos e apontamentos de inviabilidade ou impraticabilidade de produzir parte da prova. Ao final, um grupo de profissionais apresentou a proposta perto da casa de dois dígitos de milhões de reais para o trabalho.

Muitos outros pontos podem ser citados quanto às dificuldades dos processos complexos como a sobrecarga de demandas e trabalhos para os magistrados e servidores, bem como a cobrança dos órgãos fiscalizatórios do Judiciário em relação a produtividade, que, inclusive, é requisito para aferição de critério para promoção dos juízes por merecimento. Por outro lado, as demandas complexas são trabalhosas tanto em tempo como em articulações e gestões necessárias para o sucesso das negociações.

No caso aqui adotado como exemplo, é notório que os processos ajuizados há 20, 15 ou dez anos atrás, ainda iriam permanecer por igual ou maior tempo para serem concluídos. E depois viria a fase de cumprimento das decisões, que segundo dados estatísticos do CNJ levam tempo maior do que o expendido no processo de conhecimento.

No caso sob estudo, a mediação supervisionada judicialmente, estabelecida pelos critérios estruturais e técnicos, bem como de forma cooperativa entre as partes, demorou um ano, entre o início e o final dos trabalhos. Nesse período, foram realizadas mais de dez audiências com a presença dos juízes e o objetivo de acompanhamento dos trabalhos técnicos realizados por agentes dos representantes das partes, na construção de soluções negociadas e consensuais com o objetivo de encerrar globalmente os litígios, principalmente com soluções efetivas e concretas imediatas e de curto prazo.

Registre-se que as soluções mediadas implicam em concessões mútuas e recíprocas para por fim às pendências e controvérsias. Todos cedem, mas também todos ganham. O resultado foi proveitoso na medida que o acordo homologado encerrou os 39 processos ajuizados entre as partes celebrantes do contrato, além de outras demandas que seriam ainda ajuizadas. Para acrescentar as vantagens, os parâmetros utilizados no caso paradigma poderão servir para outros processos relacionados com ações ajuizadas por associações, institutos, sindicatos e autores populares. Também os demais contratos similares, se houver interesse das partes envolvidas, poderão utilizar o precedente para negociar soluções consensuais. Ainda, como resultado final do acordo, serão empregados recursos para duplicação ou melhoramento das rodovias, com retorno imediato e efetivo aos usuários dos serviços públicos.

As lições de aprendizado institucional são muitas e relevantes na evolução dos sistemas de justiça e dos poderes públicos. As técnicas negociadas e consensuais, mediadas por meio de ferramentas utilizadas nos processos de interesse público e estruturais, bem como atentas ao consequencialismo (ações e omissões) das decisões judiciais, norteiam novas formas de atuação judicial.

Em suma, contra o velho problema da morosidade da Justiça surge a nova solução da mediação judicial para por fim à controvérsia. Por óbvio, a mediação poderá ser feita, também por particulares. No entanto, em casos de maior complexidade e nos quais esteja envolvido o poder público, a chancela judicial não só facilita o acordo como dá-lhe a garantia estatal. É tempo, portanto, dos tribunais brasileiros investirem neste tipo de ação, criando comitês especializados e propiciando cursos de capacitação aos seus magistrados e servidores.

 


[1] Gazeta do Povo.Concessionária de pedágio fecha acordo com governo do Paraná reconhecendo dívida de R$ 1 bi, em 7 dez. 2022. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/pedagio-acordo-de-1-bilhao/?#success=true. Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Acesso em 9 dez. 2022.

[2] Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Justiça Federal do Paraná homologou acordo entre estado do Paraná/DER e Rodonorte. Disponível em https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=26554. Acesso em 9 dez. 2022.

Autores

  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador Federal aposentado, ex-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

  • é presidente da Ajufe. É juiz federal de Ponta Grossa (PR), ex-presidente da Associação Paranaense de Juízes Federais e diretor do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus). Mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

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