Opinião

Desafios da implementação da LGPD na construção civil

Autor

  • Martha Leal

    é advogada especialista em proteção de dados pós-graduada em Direito Digital pela Fundação Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul mestre em Direito e Negócios Internacionais pela Universidad Internacional Iberoamericana Europea del Atlântico e pela Universidad Unini México pós-graduanda em Direito Digital pela Universidade de Brasília—IDP data protection officer ECPB pela Maastricht University certificada como data protection officer pela Exin e pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e presidente da Comissão de Comunicação Institucional do Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD).

9 de dezembro de 2022, 7h07

Não é novidade que as obrigações impostas pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) representam inúmeros desafios às organizações públicas e privadas. Desafios esses de ordem técnica e econômica, uma vez que se requer elevado investimento financeiro para o desenvolvimento de condições que possibilitem a adequação legal.

Inquestionável, também, que o cumprimento das obrigações exigidas por lei por parte dos agentes de tratamento não tem um caráter opcional. As sanções trazidas no comando legal, que vão desde multas financeiras até a suspensão da atividade na qual os dados pessoais forem objeto de ilicitude de tratamento, demandam uma postura responsiva e cumpridora dos encargos legais.

Sendo a LGPD uma norma ampla e contextual, nada mais natural que os diferentes setores da atividade civil demandem cuidados específicos, levando-se em conta as particularidades do modelo de negócios de cada grupo setorial. Para isso, é indispensável que os profissionais que estejam envolvidos com a implementação de processos de aderência à lei possuam conhecimento especializado das normas que regulam o setor no qual a organização está inserida.

Assim também ocorre no setor da construção civil e incorporação imobiliária, uma vez que a construção de um empreendimento envolve processos distintos, com diferentes protagonistas que se relacionam entre si.

A incorporação imobiliária, conforme a Lei de Incorporação e Condomínio (Lei nº 4.591/64), em seu artigo 28, §2º, é definida como um conjunto de atividades exercidas com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial de edificações ou conjuntos de edificações compostas de unidades autônomas.

Portanto, a incorporadora é responsável pela articulação do empreendimento e está ao seu encargo a análise de oportunidades do mercado, a avaliação da viabilidade do negócio, a aquisição do terreno, o projeto do empreendimento, obtenção das licenças pertinentes, o registro da incorporação e a execução da obra. Esta última poderá se dar através da contratação de uma construtora ou pela própria incorporadora, a depender de seu contrato social.

É possível visualizarmos que o ciclo de vida de um projeto de incorporação imobiliária tem início com a compra do terreno, perpassando pela fase de desenvolvimento do projeto, registro da incorporação, lançamento do empreendimento, início e término da fase de construção, carta de habitação, averbação da construção no registro imobiliário, montagem de processos de financiamento com compradores e instituições financeiras, repasse das unidades aos compradores, finalizando com a entrega das chaves aos compradores.

Vislumbra-se que em cada uma dessas fases do negócio circulam dados pessoais, tanto dos vendedores do terreno, onde se dará a incorporação, como dos sócios das pessoas jurídicas envolvidas, fornecedores, empregados, colaboradores e, especialmente, dos promitentes compradores das unidades do empreendimento.

Na posição de agente de tratamento dos dados pessoais dos titulares mencionados, a incorporadora e a construtora possuem responsabilidades atribuídas pela LGPD. Devem levar em conta o fluxo e o tipo de informações coletadas, para quem é compartilhado, a finalidade para cada tratamento, as bases legais e as medidas técnicas adotadas para garantia da segurança da informação.

Algumas fases merecem um olhar mais atento pelos riscos que representam por envolverem um maior fluxo de dados pessoais. Nesse sentido, é imperioso dedicarmos especial atenção para o momento do lançamento do empreendimento, em que usualmente imobiliárias e corretores associados são credenciados para atuar como intermediários na relação entre a incorporadora e os potenciais compradores.

Estando a licitude do processamento de dados condicionada a uma finalidade específica, com a alocação da correspondente hipótese legal que deve ser informada ao titular em momento prévio à coleta dos seus dados, as empresas parceiras que atuam como intermediárias precisam estar em processo de compliance à lei, sob pena de representarem elevados riscos às incorporadoras e construtoras.

Outro ponto de destaque está na importância da adequação de todos os contratos estabelecidos com os parceiros comerciais prevendo as finalidades do tratamento, as medidas de segurança necessárias e as responsabilidades de cada parte.

Na mesma linha, os instrumentos contratuais de promessa de compra e venda e de compra e venda devem conter cláusulas específicas que sejam capazes de informar ao promitente comprador e comprador de que forma os seus dados serão utilizados, para quais finalidades, com quem serão compartilhados, tempo de armazenamento e informações acerca dos seus direitos na qualidade titular de dados.

Da leitura do contexto que envolve um processo de compliance a LGPD, evidencia-se a complexidade e nível de investimento financeiro necessário para que a empresa alcance êxito nesta empreitada.

E por esta razão foi com grande satisfação que a sociedade empresarial recebeu a notícia do Projeto de Lei nº 4, de 2022, de autoria do senador Izalci Lucas (PSDB-DF) e que objetiva alterar as Leis nºs 10.637-2002, 10.833-2003 e 10.865-2004, para fins de permitir incentivos fiscais para empresas que dispenderem valores com investimentos em atividades de adequação e operacionalização da Lei nº 13.709-2018.

O Projeto de Lei em questão prevê o desconto dos créditos realizados sob esta rubrica, na base de cálculo da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), do PIS-Pasep-importação (Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços) e a Cofins-Importação (Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior).

Atualmente, o projeto de lei encontra-se em fase de consulta pública aberta pelo Senado federal para toda a sociedade. E, sem sombra de dúvida, caso o PL nº 4, de 2022, seja aprovado pelo Congresso, impactará positivamente o ambiente de proteção de dados, na medida em que as empresas poderão compensar tributos federais com as despesas realizadas para adequação à LGPD.

Portanto, é possível afirmarmos que diante do cenário atual, ao qual a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) encontra-se em etapa de finalização da dosimetria das penas pecuniárias, tudo leva a crer que o respectivo órgão já estará apto a aplicar multas aos infratores da lei a partir do primeiro semestre do próximo ano.

Agregue-se a este ambiente o fato incontestável de que a aderência à lei cada vez mais se incorpora como um ativo às empresas, trazendo inclusive um diferencial concorrencial de mercado e que, inobstante os custos financeiros que representam, devem ser considerados como investimento necessário ao negócio. Os incentivos fiscais propostos pelo Projeto de Lei ora referido estimulam de sobremaneira a maior adesão das empresas à Lei Geral de Proteção de Dados.

Autores

  • é advogada especialista em proteção de dados, mestre em Direito e Negócios Internacionais e presidente da Comissão de Comunicação Institucional do Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD).

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