Seguros Contemporâneos

A modalidade embedded insurance: conceito, oportunidades e riscos

Autores

  • Thiago Junqueira

    é doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Universidade de Coimbra professor convidado da FGV Direito Rio da FGV Conhecimento e da Escola de Negócios e Seguros diretor de Relações Internacionais da Academia Brasileira de Direito Civil advogado e sócio de Chalfin Goldberg & Vainboim Advogados Associados.

  • Igor Násser

    é bacharel em direito magna cum laude pela Universidade Federal do Rio de Janeiro especialista em Direito Empresarial pela Universidade Candido Mendes e advogado sócio de Chalfin Goldberg Vainboim Advogados.

8 de dezembro de 2022, 8h00

1. Introdução
Na legislação brasileira, o contrato de seguro é aquele em que "o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados" (artigo 757 do Código Civil).

Spacca
Tradicionalmente, o iter contratual dos seguros facultativos costuma ser burocrático e basear-se em documentos escritos variados, desde o questionário de avaliação do risco, perpassando pela proposta, até a emissão da apólice (ou bilhete) de seguros a formalizar a aceitação do risco.

Com efeito, o momento de formação do contrato individual de seguro facultativo depende, em regra, majoritariamente do julgamento de conveniência do candidato a segurado: se e quando ele entender necessário, procurará um corretor de seguros, que fará cotações junto a algumas seguradoras, e o processo de contratação seguirá. Com a precificação feita pelo segurador e a sua aceitação do risco, o segurado passará a ter o seu legítimo interesse em questão garantido nos termos dispostos nos documentos contratuais.

Recentemente, as mudanças regulatórias ocorridas no país, bem como as de aspecto social (pandemia da Covid-19, avanço da economia digital etc.), aceleraram a digitalização em todas as áreas, com vistas a facilitar os procedimentos de contratação. No setor segurador, especialmente nos últimos dois anos, viu-se o desabrochar das insurtechs, impulsionadas pelos projetos de sandboxes regulatórios da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Hoje, já existem seguradoras brasileiras que disponibilizam a contratação de seguros de forma 100% digital, sem intermediadores e em dinâmica bastante célere e diferente da tradicional.

Se a contratação digital já é uma realidade, avizinha-se a popularização de uma forma inovadora de pensar o momento da contratação, denominada embedded insurance.

2. O que é embedded insurance?
O embedded insurance integra um conceito maior, o embedded finance, que consiste na integração de produtos e serviços financeiros em plataformas de instituições não financeiras, como marketplaces digitais e varejos físicos. De partida, por contraditório que pareça, o embedded insurance não é propriamente uma modalidade de seguro. Não estamos diante de um grupo ou ramo de seguro, a exemplo do cyber insurance, seguro de vida, seguro D&O e outros tantos. O embedded insurance é, na realidade, um modelo de oferta (rectius, proposta), uma maneira de vender seguros, uma estratégia negocial, que congrega as seguintes características essenciais: (1) momento oportuno; (2) conveniência; (3) relevância; e (4) customização às necessidades dos consumidores.

Para elucidar a ideia, dar-se um passo atrás é conveniente. No Brasil, a população já está habituada ao designado "Seguro de Garantia Estendida", que visa a fornecer ao segurado, opcionalmente e mediante o pagamento de prêmio, a extensão temporal da garantia do fornecedor de um bem adquirido e, quando prevista, sua complementação (conforme o artigo 2° da Resolução CNSP n° 436/2022). Em regra, a oferta é feita no exato momento da aquisição do produto (como eletrodomésticos e smartphones), tanto em lojas físicas de varejo, como em sites de e-commerce, exercendo a empresa, portanto, os papeis de comerciante e, também, de representante do segurador. Trata-se de oferta de produto acessório (seguro na modalidade individual e a primeiro risco absoluto) no exato momento da aquisição de um produto sobre o qual recai o interesse principal do comprador. Quando contratado por meios remotos, deverão ser observados, em especial, a Resolução CNSP n° 408/2021 e o prazo de arrependimento de sete dias previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.

A dinâmica do embedded insurance, como se nota, não se trata de um conceito novo. Grosso modo, ela objetiva expandir a metodologia de oferta do Seguro de Garantia Estendida a outros ramos: no momento da aquisição de algum produto/serviço principal, é ofertada a contratação de seguro para a proteção daquele, de forma conveniente e relevante para o cliente, que terá a flexibilidade de contratá-lo ou não e, caso opte por fazê-lo, de customizá-lo de acordo com suas próprias necessidades. Assim como ocorre na contratação, a qual é simplificada, a regulação dos sinistros destes seguros costuma ser mais rápida e menos burocrática. Por vezes, ela é mesmo feita de forma parametrizada [1].

Sob essa óptica, é possível conceituar o embedded insurance (seguro embarcado) como a modalidade de oferta de seguro facultativo e acessório, para produto ou serviço comercializado, e que será realizada no exato momento da aquisição desses produtos ou serviços, em timing que confere conveniência ao cliente e vai ao encontro de suas necessidades, permitindo a proteção do patrimônio simultaneamente à sua aquisição, contra riscos predeterminados.

Como exemplos de seguros que poderiam ser ofertados por meio da modalidade embedded insurance, pode-se mencionar, para além do Seguro de Garantia Estendida: (1) seguro para bicicleta, no momento de sua compra ou aluguel; (2) seguro prestamista, no momento da contratação de empréstimo bancário; (3) seguro viagem, no momento de reserva do voo; e (4) seguro residencial, no momento da aquisição de mobília, entre outros. Diferentemente do que o ocorre no Seguro de Garantia Estendida, que, por definição regulatória, não pode ser contratado na modalidade coletiva, em alguns seguros embarcados o intermediário poderá atuar como estipulante de uma apólice coletiva de seguros, desde que respeitadas as provisões da Resolução CNSP n° 434/2021.

Dentre as vantagens do embedded insurance, tem-se: (1) a inexistência de gaps temporais de cobertura, pois seria despiciendo ao cliente dirigir-se até um corretor de seguros para assegurar a recente aquisição, já que a contratação do seguro é feita "em tempo real", ou seja, ao mesmo tempo da contratação do produto/serviço principal; (2) redução de custos de distribuição e contratação do seguro; e (3) conveniência e autonomia do consumidor na contratação.

Embora seja notória a existência de um enorme espaço para o crescimento dessa modalidade de contratação de seguros no Brasil, especialmente diante da baixa penetração de seguros no país, há desafios regulatórios que não podem ser perdidos de vista. Alguns deles serão examinados a seguir.

3. Desafios para o avanço do embedded insurance: observância da LGPD e afastamento à vedação da venda casada e aos possíveis defeitos do negócio jurídico
O embedded insurance vem ganhando relevo em países da Europa e diversos estudos indicam que ele se tornará cada vez mais popular nos próximos anos [2]. Para a experiência brasileira, porém, é preciso atentar-se aos desafios regulatórios, dentre os quais se destacam: (1) a vedação da venda casada pelo Código de Defesa do Consumidor; (2) a possibilidade de anulação do negócio jurídico em caso de vício de consentimento; e (3) a necessidade de observância à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Iniciando pelo primeiro desafio mencionado, o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor brasileiro (CDC) veda as chamadas "práticas abusivas", que tem como um dos exemplos a "venda casada" ("condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos"). Uma análise apressada poderia sugerir que o mero uso de estrangeirismo visaria a mascarar uma afronta ao CDC, pois "embedded" traduz-se por "embarcado", "embutido", "integrado" e, por que não, "casado(a)", o que indicaria a conformação imediata à venda casada e, portanto, uma prática vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, alguns pontos merecem especial reflexão.

É possível que a operação esteja alinhada tanto às normas legais e regulatórias brasileiras quanto ao entendimento dos tribunais, incluindo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) [3], e seja admitida a contratação de embedded insurance no país. Para tanto, dois standards nos parecem importantes: (1) a contratação do seguro ser uma faculdade, isto é, o consumidor, devidamente informado, precisa ter a opção de não contratar o seguro; (2) a liberdade de escolha da seguradora a ser contratada, com o oferecimento por parte do fornecedor de ao menos duas alternativas ao consumidor.

Conforme pronunciamento presente no site do Procon-SP, específico aos Seguros de Garantia Estendida, mas também aplicável a outras modalidades dos embedded insurance: "Ao comprar um produto, caso haja oferta de garantia estendida, o consumidor deve ser informado sobre as condições desta contratação. O valor do seguro não pode ser embutido no preço e a aquisição da nova garantia não pode ser atrelada à concessão de descontos. Essas práticas são consideradas abusivas, e podem render punições ao estabelecimento e à seguradora. Se optar pela contratação, o consumidor deve receber o comprovante de cada uma das transações" [4].

É possível, portanto, concluir pela essencialidade da (1) adequada informação ao consumidor, (2) efetiva possibilidade de o consumidor optar por contratar ou não o seguro acessório ao bem, (3) impossibilidade de a contratação do seguro ser uma condicionante para a compra do produto principal ou de sua compra ensejar a concessão de um desconto no preço do produto principal. Além disso, o consumidor deverá receber um comprovante de compra de cada uma das contratações, isto é, a nota fiscal do produto e a apólice (ou o bilhete) do seguro.

A devida observância de todos esses requisitos reduzirá, substancialmente, as chances de ocorrência de um dos defeitos dos negócios jurídicos dispostos no artigo 138 e seguintes do Código Civil, que podem acarretar a invalidade da contração.

Por fim, ao se considerar que o tratamento de dados é de suma importância para a definição do modelo de precificação dos seguros embarcados, bem como para a regulação dos sinistros decorrentes deste modelo, o cumprimento das normas da Lei Geral de Proteção de dados (Lei n° 13.709/2018) por todos os envolvidos na operação também se afigura de grande relevo para a conformidade dos seguros embarcados ao ordenamento jurídico brasileiro.

 


[1] Sobre os seguros paramétricos, seja consentido remeter a JUNQUEIRA, Thiago. Automação da regulação do sinistros: o exemplo dos seguros paramétricos. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/344010/automacao-da-regulacao-do-sinistro-o-exemplo-dos-seguros-parametricos. Acesso em: 6/12/2022.

[3] Sobre o tema, consulte-se: STJ, REsp 1.639.259/SP, rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, j. em 12/12/2018; STJ, AREsp nº 1.972.758, ministro Humberto Martins, j. em 9/11/2021; STJ, AREsp nº 1.590.049, ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. em 5/11/2019; e STJ, AgInt no REsp 1.970.644/SP, rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. em 29/3/2022.

Autores

  • é doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e sócio do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

  • é pós-graduando em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, tutor acadêmico no Programa de Habilitação para Corretores de Seguros da FGV Conhecimento, membro da Academia Brasileira de Direito Civil, bacharel em direito magna cum laude pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, advogado e sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!