Retrospectiva 2022

A hora e a vez do juiz das garantias

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6 de dezembro de 2022, 9h07

A Lei 13.964/2019 (pacote anticrime) fixou o instituto do juiz das garantias no Código de Processo Penal, promovendo-se a necessária diferenciação entre a competência do juiz que atua na fase investigatória (inquérito), daquele que atuará na fase processual.

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Ocorre que a aplicação do referido dispositivo permanece suspensa por decisão monocrática do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida em janeiro de 2020.

Ao final do mês de novembro de 2022 o tema chegou a ser levado para julgamento virtual na Suprema Corte, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista do feito, cuja apreciação continua pendente. 

A demora é excruciante para os operadores do direito. Afinal, o juiz das garantias reforça a estrutura acusatória do processo penal brasileiro, limitando a iniciativa probatória do magistrado e outorgando a gestão das provas às partes. Consagrando assim a imparcialidade do julgamento.

Vale destacar que ao juiz garantidor é atribuída a função do controle da legalidade da investigação criminal e a salvaguarda dos direitos individuais. Dentre as suas responsabilidades estão: analisar a legalidade da prisão em flagrante, manter-se informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal, decidir sobre requerimento de prisão provisória, determinar trancamento de inquérito policial e decidir sobre o recebimento da denúncia.

Conforme já adiantado, a sua atuação se dará na fase investigatória, perdurando até a decisão de recebimento da denúncia. A competência funcional por fase do processo é bastante eficiente no combate à contaminação subjetiva do juiz da causa, potencializando a sua imparcialidade.

Isso porque o juiz responsável pela prolação de decisões desde o nascedouro da investigação, conscientemente ou não, buscará corroborá-las ao longo de todo o feito, independentemente de haver ou não fundamentação idônea e suficiente à medida.

É por tal razão que a presença de um instituto capaz de sanar vícios originários do processo e garantir a imparcialidade do julgamento é de suma importância para se otimizar a prestação jurisdicional, evitando-se desperdício de tempo e recursos públicos com processos moribundos, que serão fatalmente anulados pelas instâncias superiores.

Aliás, a recente decisão do STF nos autos do Habeas Corpus nº 164.493, reconhecendo a suspeição do ex-juiz Sergio Moro na condução do processo-crime que ensejou a condenação do então ex-presidente da República — e agora presidente eleito — Luiz Inácio Lula da Silva é o melhor exemplo a reforçar a importância e necessidade de a Suprema Corte resgatar a aplicação da lei.

Na decisão, o STF entendeu que o hoje senador Sérgio Moro ultrapassou os limites do sistema acusatório quando, como exemplo, decretou a quebra de sigilos telefônicos do ex-presidente, de seus familiares e advogados, "com o intuito de monitorar e antecipar as estratégias defensivas".

Como consequência, todas as decisões proferidas pelo ex-juiz ao longo do processo foram anuladas, em especial aquelas proferidas na fase investigatória, momento em que deveria atuar o juiz garantidor.

No caso, houve irreparável dispêndio de tempo e recursos públicos, sendo que o processo teve início em 2016, tramitou por todas as instâncias do Judiciário, restando anulado pela Suprema Corte cinco anos depois.

Para além da problemática fática e processual acima delineada, a decisão monocrática do ministro Fux que suspende sine die o instituto do juiz das garantias é arbitrária e atenta contra a vontade do Poder Legislativo.

O legislador, representante da vontade popular, decidiu por reforçar o caráter acusatório do sistema penal brasileiro, colocando freio nos recentes abusos cometidos pelos órgãos de persecução em nome de uma suposta cruzada em defesa da moralidade na administração pública. 

Assim, não compete ao Poder Judiciário, pior ainda, em decisão monocrática, limitar a decisão do Parlamento e, por consequência, a soberania popular. 

Como bem adiantou o eminente ministro Gilmar Mendes ao pedir vista do feito: "Causa perplexidade que dispositivos legais relevantes, aprovados pelo Congresso Nacional para aprimorar o modelo processual penal brasileiro, estejam paralisados há cerca de 3 anos, por força de decisão unipessoal que, não obstante tenha sido deferida ad referendum do Plenário, até hoje não foi liberada para escrutínio do colegiado".

De mais a mais, o Código de Processo Penal brasileiro é de 1941 e precisa ser compatibilizado com os avanços do Estado Democrático de Direito, principalmente, com aqueles trazidos pela Constituição Cidadã, promulgada em 1988, que institui, de forma sistemática, a superação do sistema inquisitorial.

Ainda, o juiz das garantias acrescentará qualidade à prestação jurisdicional e garantirá a legitimidade do Estado no exercício do poder punitivo, pois irá coibir os abusos.

Fato é que o juiz das garantias é um avanço necessário, que irá reforçar a imparcialidade da Justiça, otimizando a atuação do Estado, ao evitar o desperdício de tempo e recursos com processos viciados desde a sua origem.

Aliás, a mudança vai ao encontro de outras democracias ocidentais, tais como Alemanha, Itália, Reino Unido e Portugal que, com ressalvas às devidas especificações, também preveem a figura do juiz garantidor.

A introdução da figura do juiz garantidor à sistemática processual penal brasileira é, sem dúvida, a bola da vez para 2023. 

O Supremo Tribunal Federal tem a imprescindível e urgente missão de julgar o tema, revertendo a arbitrária decisão monocrática do eminente ministro Luiz Fux, fazendo valer a escolha do Poder Legislativo e, por consequência, a vontade popular. 

A cada dia que passa sem a introdução do juiz das garantias, é um dia a mais que permanecemos suscetíveis aos abusos do Estado. 

Por todos os pontos acima esmiuçados, chegou a hora e a vez do juiz das garantias, um importante instituto contra os abusos do poder punitivo do Estado, que reforça o caráter acusatório do sistema processo penal brasileiro, bem como acrescenta qualidade à prestação jurisdicional e aproxima o Brasil das grandes democracias ocidentais.

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