Opinião

Importância da complementação recursal em três situações práticas

Autor

  • José Henrique Mouta Araújo

    é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) doutor e mestre (Universidade Federal do Pará) professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) procurador do estado do Pará e advogado.

1 de dezembro de 2022, 6h11

O objetivo deste artigo é enfrentar três situações práticas muito importantes e que estão interligadas em decorrência de um mesmo instituto: aditamento/complementação recursal.

Em diversas oportunidades forenses há a necessidade de novo peticionamento em recurso já interposto, atendendo ao princípio da complementariedade recursal. As consequências para a falta dessa providência por parte do recorrente, pode gerar desde a simples preclusão até mesmo o não conhecimento do recurso.

Evidente que a complementação ou o aditamento das razões não pode ser realizado quando há preclusão consumativa. Contudo, em caso de transformação, modificação ou não realização da reconsideração no juízo de certificação, a medida poderá ou deverá ser utilizada.

Com efeito, o primeiro aspecto a ser tratado refere-se à fungibilidade entre os Embargos de Declaração e o Agravo interno. Em sede interpretativa, antes mesmo do início de vigência do CPC/15, havia certa restrição à fungibilidade recursal, inclusive com precedentes no sentido de que apenas o interno seria oponível em face de decisão monocrática de Membro de Tribunal, sendo, portanto, incabíveis na espécie os Embargos Declaratórios e, como consequência, o pronunciamento transitaria em julgado caso não fosse manejado o recurso correto ao colegiado .

O novo diploma processual, de toda sorte, prestigiando a boa-fé, a primazia de mérito, a cooperação e a fungibilidade recursal, tenta resolver os problemas práticos referentes a estes dois recursos. De início, consagra a ampliação da embargabilidade, permitindo o manejo de aclaratórios contra qualquer decisão judicial (artigo 1.022, do CPC/15).

Além disso, a legislação processual também consagra expressamente a fungibilidade entre os Embargos e o Interno, com a necessária ressalva que de que o primeiro é recurso integrativo; já o segundo, apelo visndo reforma ou anulação do pronunciamento agravado. A previsão do art. 1.024, §3º, do CPC/15, é clara nesse sentido: se de um lado é permitida a fungibilidade recursal, de outro, o embargante deve ser intimado para complementar suas razões.

No ponto, é possível afirmar que se trata de aditamento ou complementação das razões recursais, visando a apreciação dos anteriores Aclaratórios como Interno.

Logo, se acaso o relator entenda que ao invés de integralizar a decisão, o interessado embargante pretende a reforma ou invalidação do julgado, deve intimá-lo, atendendo à fungibilidade e cooperação, para a complementação das razões recursais. Um recurso é de devolutividade limitada (integrativo) e o outro é de ampla revisão (reforma/anulação).

Em uma só frase: a transformação não pode ser automática e serve para atender aos anseios do recorrente e, também, do próprio Órgão Julgador.

Esta transformação recursal é um ponto absolutamente positivo do CPC/15 e deve ser utilizado com parcimônia, tendo em vista que, antes de sua ocorrência, deve o Relator abrir prazo para a complementação das razões recursais e, em seguida, oportunizar a apresentação das contrarrazões recursais em relação ao recurso transformado (15 dias úteis  artigo 1021, §2º, do CPC).

No tema, vale citar o seguinte pronunciamento:

"Os embargos de declaração possuem nítida feição de agravo interno, razão pela qual determino a intimação da parte embargante para, no prazo de cinco dias, complementar as razões recursais, conforme previsão do §3º do artigo 1.024 do Código de Processo Civil de 2015. Após, se apresentadas as razões, manifeste-se a parte contrária no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do §2º do artigo 1.021 do Código de Processo Civil de 2015". (EDcl no AREsp 1308701  relator ministro Francisco Falcão  Dj de 1/09/2018).

Ora, se de um lado resta superado entendimento de que seriam incabíveis os aclaratórios em face de decisão unipessoal, o seu recebimento como Interno não deve ser automático, em razão dos objetivos específicos de cada um desses recursos e da previsão expressa contida no §3º, do artigo 1.024 do CPC. Da mesma sorte, a transformação também alcança as contrarrazões recursais, que passa a ser permitida com prazo e objeto impugnativo maiores.

Contudo, importante ressaltar que, de acordo com precedentes recentes do Superior Tribunal de Justiça, se for aberto o prazo para complementação das razões recursais e a parte se quedar inerte, o recurso não será conhecido, senão vejamos:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONVERTIDOS EM AGRAVO INTERNO. INTIMAÇÃO PARA COMPLEMENTAR RAZÕES. ARTS. 1.021, § 1º, E 1.024, §3º, DO CPC. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. 1. Recebidos os Embargos de Declaração como Agravo Interno, dele não se conhece quando a parte requerente, intimada a complementar as razões recursais, não se manifesta no prazo legal (artigos 1.021, §1º, c/c artigo 1.024, §3º, do CPC/2015). Precedentes do STJ.2. Agravo interno não conhecido". AgInt no REsp 2007343 / BA  relator ministro Herman Benjamin  2ª Turma  J. em 17.10.2022. Dje 04.11.2022.

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO. COMPLEMENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. ART. 1.024, § 3º, DO CPC. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. Acolhidos os embargos de declaração como agravo interno, não se conhece do recurso quando a parte, embora devidamente intimada nos termos do art. 1.024, § 3º, do CPC, deixa de complementar suas razões". (AgInt na Rcl 43784/CE  relator ministro Nancy Andrighi  2ª Seção  J. em 20/09/2022  Dje  22/09/2022).

Como se pode perceber, em que pese essa transformação seja da própria natureza e fungibilidade entre os Embargos e o Interno, a falta de complementação das razões recursais, gera como consequência o não conhecimento recursal. Trata-se, portanto, de uma conduta obrigatória sob pena de fulminar o conhecimento do recurso,

E a recíproca é possível? É possível o recebimento do Interno como Embargos de Declaração? Duas ressalvas devem ser feitas: 1) o Agravo Interno permite o exercício do juízo de retratação pelo próprio Relator (artigo 1.021, §2º, do CPC/15) o que, pelo menos em tese, pode atender ao interesse recursal do agravante; 2) não pode ocorrer o aproveitamento recursal se for interposto o Agravo após o prazo para manejo dos aclaratórios.

Aliás, em relação a este último aspecto, a falta de oposição do recurso integrativo não poderá ser sanada pela interposição, em prazo mais dilatado, do Interno, inclusive em razão de possuírem objetivos processuais absolutamente diferentes. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que:

"PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO  AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO INADEQUADO. FUNGIBILIDADE. DESCABIMENTO. NÃO OBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL.  2. OFENSA AO ARTIGO 535. DO CPC/1973 NÃO OCORRÊNCIA. 3. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL LOCAL DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 5 E N. 7 DO STJ. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Não é cabível agravo interno com a finalidade de sanar omissão da decisão agravada. Para tal desiderato, deve haver a oposição de embargos declaratórios. 2. É descabida a aplicação do princípio da fungibilidade recursal para o recebimento do agravo interno como embargos de declaração, uma vez que o presente apelo foi interposto quando esgotado o prazo para oposição dos aclaratórios. Precedente: AgInt no AREsp 1.357.016/RJ, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 19/2/2019. 3. Não ficou configurada a violação do artigo 535 do CPC/1973, uma vez que o Tribunal de origem se manifestou de forma fundamentada sobre todas as questões necessárias para o deslinde da controvérsia. O mero inconformismo da parte com o julgamento contrário à sua pretensão não caracteriza falta de prestação jurisdicional. 4. Modificar o entendimento do Tribunal local no sentido de que não foi comprovado que os atrasos do repasse deram ensejo a danos indenizáveis, fossem eles morais ou materiais, demanda vedado reexame de matéria fático-probatória e interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas nº 5 e 7, ambas do STJ). 5. Agravo interno desprovido". (AgInt nos EDcl no AREsp 937037 / PR  relator Marco Auréllio Bellizze  3ª Turma  J. em 11/11/2020  DJe DJe 16/11/2020).

Logo, é possível concluir, em relação ao primeiro aspecto objeto deste ensaio, que a fungibilidade é apenas de mão única (Embargos de Declaração para Agravo Interno) quer pelos objetivos específicos, quer pelo prazo diferenciado, devendo a parte interessada adotar a providência ligada à complementação recursal, sob pena de não conhecimento deste último apelo.

A segunda hipótese aqui tratada advém da própria literalidade do artigo 1.024, §4º, do CPC/15, a saber: embargos de declaração com atribuição de efeito modificativo e alcance de capítulo decidido anteriormente e já irresignado por recurso de fundo (apelação, especial ou extraordinário).

Este dispositivo, de um lado, protege o direito da parte que já interpôs outro recurso, como nos casos de sucumbência recíproca e, de outro, permite o aditamento  a complementação recursal  nos exatos termos e limites daquilo que foi modificativo em virtude do acolhimento dos aclaratórios.

Claro que a complementação aqui mencionada não se trata de novo recurso, mas sim a somatória de fundamentação em relação ao capítulo decidido que foi atingido pela modificação. Apesar da existência de preclusão consumativa em relação ao recurso de fundo já interposto, tal fato não impede a complementação das razões recursais, claro que de forma limitada ao que foi atingido pelos embargos acolhidos com efeitos modificativos.

Aliás, além da questão da possibilidade de complementação, o §5º deste mesmo artigo 1.024, do CPC/15 fulminou o antigo Enunciado 418, da Súmula da Jurisprudência dominante do STJ.

Concluindo esse segundo aspecto, é possível afirmar que, se o resultado dos EDs modificarem a decisão, possível é a complementação dos argumentos já apresentados pelo recurso de fundo manejado pela parte adversa; contudo, se a decisão embargada for mantida, não é necessária qualquer ratificação recursal por parte daquele que já interpôs a apelação, o especial ou o extraordinário.

A terceira e derradeira situação a ser aqui tratada refere-se à interpretação a ser feita diante da redação dos artigos 1.040, II e 1041, do CPC (juízo de conformidade/conformidade após a publicação do acórdão ou fixação de tese e o retorno ao órgão fracionário para nova apreciação do recurso).

Importante destacar que, conforme entendimento da Corte da Cidadania, a determinação de retorno dos autos (caso concreto) à Corte de origem, para a retratação ou conformação não possui carga decisória e, portanto, é irrecorrível, exceto em caso de erro patente.

Vale citar passagem da Ementa do Acórdão da 1ª Turma, com indicação de vários outros julgados no mesmo sentido:

"O ato judicial que determina o sobrestamento e o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que lá seja exercido o competente juízo de retratação/conformação (artigos 1.040 e 1.041 do CPC/2015), não possui carga decisória; por isso, trata-se de provimento irrecorrível. Precedentes: STJ  AgInt nos EDcl nos EREsp 1.126.385/MG, relator ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe 20/9/2017; AgInt no AREsp 818.292/PE, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/5/2017; AgRg no AREsp 105.377/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 29/5/2015; e RCDESP no REsp 1.342.031/MA, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 25/10/2012; STF – RE 630.719 AgR-segundo-AgR-AgR, relator ministro Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 17/11/2017, DJe-270 DIVULG 27/11/2017 PUBLIC 28/11/2017. É certo, porém, que ficam a salvo dessa diretriz situações reveladoras de erro ou equívoco patentes, o que não se verifica no caso ora decidido". (AgInt na PET no REsp  1742082 – CE  relator ministro Sérgio Kukina  J. em 30.11.2020".

A determinação de retorno para novo julgamento pelo órgão fracionário, portanto, pode advir de conduta do Tribunal Superior ou mesmo do Presidente ou Vice-Presidente da Corte local (artigo 1.030, II, do CPC/15).

A questão a ser enfrentada neste ensaio está relacionada a providência cabível após a decisão do órgão fracionário mantendo o entendimento anterior (sem qualquer retratação/conformação), restando pendente o processamento do recurso especial ou extraordinário anteriormente interposto. Qual a conduta a ser adotada pelo interessado?

Pela própria redação do artigo 1.041, do CPC/15, a manutenção da divergência em relação ao padrão decisório obrigatório autoriza a remessa do recurso ao tribunal superior competente, nos termos do art. 1.036, §1º, do CPC. Contudo, se no novo julgamento pelo órgão fracionário estiverem presentes outros e novos fundamentos (agregados ao julgamento anterior), será possível a complementação das razões já apresentadas no especial ou extraordinário anteriormente interposto.

Aliás, no caso em questão (novos fundamentos para manutenção da decisão fracionária em possível desconformidade com o padrão decisório fixado por Tribunal Superior), não é cabível novo especial ou extraordinário, mas sim a complementação das razões recursais impugnando esses novos fundamentos agregados ao julgado anterior.

No tema, vale citar passagem do voto do excelentíssimo ministro Paulo de Tarso Sanseverino  Relator do Acórdão da 3ª Turma do STJ (REsp 1946242/RJ  J. em 14.12.2021  Dje 16.12.2021) em caso concreto onde o órgão julgador local optou por manter o acórdão recorrido, agregando outro fundamento e fazendo distinção em relação ao Tema 990/STJ:

"Deveras, em razão do princípio da independência da magistratura, os julgadores não ficam vinculados aos fundamentos anteriormente declinados no acórdão recorrido, nada obstando a que novos fundamentos sejam agregados na fase do artigo 1.040, inciso II, do CPC/2015, como ocorreu no caso em tela.
Novos fundamentos exigem nova impugnação, à luz do conhecido princípio da dialeticidade recursal.
Para atender a essa exigência processual de nova impugnação, torna-se necessário admitir que o recorrente complemente as razões recursais, com o fim exclusivo de impugnar os novos fundamentos agregados ao acórdão recorrido."

A questão ora tratada é muito interesse e de grande aplicação prática, tendo em vista que, como a parte já interpôs o recurso de fundo, poderá aditar ou complementar as razões em caso de manutenção da decisão com novos fundamentos agregados. A Corte Superior, portanto, em caso de admissão recursal pela presidência ou vice-Presidência do Tribunal local (artigo 1.030, V, do CPC) irá apreciar as razões recursais e aquelas que foram complementadas pelo recorrente.

Nas três situações aqui tratadas, é importante a utilização correta do instituto da complementação das razões recursais.

Autores

  • é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), doutor e mestre (Universidade Federal do Pará), professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), procurador do estado do Pará e advogado.

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