Opinião

Termo inicial para aferição da prescrição da pretensão executória

Autor

  • Camila Vertes Campos

    é advogada júnior formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro atualmente advogada na CMW Advogados com experiência em Contencioso e Consultivo Tributário no Chediak Advogados e Societário no Ulhoa Canto.

1 de dezembro de 2022, 11h06

Este artigo pretende desenvolver a possibilidade de uma alteração no entendimento dos superiores tribunais quanto ao termo inicial para aferição da prescrição da pretensão executória.

Mas primeiramente cabe elucidar o que seria o termo inicial para aferição da prescrição da pretensão executória. Seria esta a data do início do prazo para o trânsito em julgado de uma das partes no processo criminal.

Pois bem. Em termos literais, de acordo com o caput e o §1º do artigo 110 e o I do artigo 112 do Código Penal, o início para a contagem do prazo da prescrição executória consiste na perda do direito e dever de executar uma sanção penal aplicada em decisão definitiva, ou seja, transitada em julgado para a acusação e defesa, em decorrência da omissão do Estado durante determinado prazo legalmente previsto.

Ou seja, o termo inicial será a data do trânsito em julgado para a acusação, e não para ambas as partes, prevalecendo a interpretação literal mais benéfica ao condenado. Observe:

"Artigo 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.
§1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.
Artigo 112 – No caso do artigo 110 deste Código, a prescrição começa a correr:
I
– do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;"

Isto posto, em 2020 o ministro Nefi Cordeiro, da 6ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu [1] "quanto ao crime remanescente, nos termos do artigo 112, I, do Código Penal, o termo inicial do prazo da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado para a acusação, e não para ambas as partes, prevalecendo a interpretação literal mais benéfica ao condenado".

No mesmo sentido foram decisões como: o HC 185.956, relatora ministra Rosa Weber, DJe 8/6/21, 1ª Turma do STF; RE 1.391.446, relator ministro Roberto Barroso, DJe 04/08/22; RE 1.383.697, relator ministro Edson Fachin, DJe 1/6/22 RCL 52.755, relator ministro Ricardo Lewandowski, DJe 6/5/22.

Nesse ponto, cabe destacar que há reconhecimento de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal sobre o mérito na Súmula nº 146, cujo enunciado dispõe: "A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação".

Interessante ressaltar que, em oposição a esse entendimento, em 2018, no RE 696.533 [2], o relator ministro Luiz Fux afirmou que a prescrição da pretensão executória pressupõe a inércia do titular do direito de punir, que se o seu titular se encontrava impossibilitado de exercê-lo em razão do entendimento anterior do STF que vedava a execução provisória da pena, não há falar-se em inércia do titular da pretensão executória, e, ainda, que se não houve o trânsito em julgado para ambas as partes, não há que se falar em prescrição da pretensão executória.

No pleito extraordinário, foi concluído no ARE 848.107 RG, pelo ministro relator Dias Toffoli, sob o tema de nº 788, que seria necessário uma interpretação literal do inciso I do artigo 112 do Código Penal, fundada no interesse público, assentando que o termo inicial para a contagem da prescrição da pretensão executória seria o trânsito em julgado para a acusação.

Ora, frente a isso, pode-se perceber que se existia uma visão concreta sobre o termo inicial para aferição da prescrição da pretensão executória. No entanto, em sessão realizada no dia 21/6/2022, ao apreciar o AgRg no RHC nº 163.758/SC, de relatoria da ministra Laurita Vaz, alterou seu entendimento acerca do termo inicial decidindo que referido termo se inicia com o trânsito em julgado para ambas as partes, e não a partir do trânsito em julgado para a acusação. Observe a ementa do referido julgado:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA A PARTES. ORIENTAÇÃO DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (AI 794.971- AgR/RJ, REL. PARA ACÓRDÃO MINISTRO MARCO AURÉLIO, DJE 25/06/2021). AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI 794971-AgR/RJ (relator para acórdão ministro MARCO AURÉLIO, DJe 25/06/2021), definiu que o dies a quo para a contagem da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes. Assim, por já ter havido manifestação do Plenário da Suprema Corte sobre a controvérsia e em razão desse entendimento estar sendo adotado pelos ministros de ambas as turmas do STF, essa orientação deve passar a ser aplicada nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, já que não há mais divergência interna naquela Corte sobre o assunto. 2. Na espécie, o Agravado foi definitivamente condenado às penas de dois anos de reclusão, no regime aberto, e 11 dias-multa, pelo cometimento do crime previsto no artigo 14, caput, da Lei n. 10.826/2003; e de seis meses de detenção, no regime aberto, e 11 dias-multa, pela prática do delito tipificado no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. 3. O acórdão condenatório transitou em julgado para a Defesa em 04/02/2020 (fl. 339). Dessa forma, considerado, respectivamente, o prazo prescricional de quatro anos (artigo 109, inciso V, do Código Penal) e de três anos (artigo 109, inciso VI, do Código Penal), a pretensão executória não está abarcada pela prescrição; nem sequer a pretensão punitiva, diante dos seguintes marcos interruptivos: fatos (30/11/2016), recebimento da denúncia (22/02/2017); sentença condenatória (16/11/2017); publicação do acórdão proferido na apelação (01/04/2019) e trânsito em julgado para a Defesa (04/02/2020). 4. Agravo regimental provido para afastar a prescrição da pretensão executória". (AgRg no RHC nº 163.758/SC, relatora ministra Laurita Vaz, 6ª Turma do STJ, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022).

No acórdão mencionado pela ministra Laurita Vaz, o ministro Marco Aurélio afirmou em 19 de abril de 2021: "PRESCRIÇÃO RECURSO INADMISSIBILIDADE. Enquanto não proclamada a inadmissão de recurso de natureza excepcional, tem-se o curso da prescrição da pretensão punitiva, e não a da pretensão executória. PRESCRIÇÃO PRETENSÃO PUNITIVA. Transcorrido, entre os fatores interruptivos, período previsto no artigo 109 do Código Penal, tem-se prescrição da pretensão punitiva do Estado. PRESCRIÇÃO PRETENSÃO EXECUTÓRIA TERMO INICIAL. A prescrição da pretensão executória, no que pressupõe quadro a revelar a possibilidade de execução da pena, tem como marco inicial o trânsito em julgado, para ambas as partes, da condenação. (Supremo Tribunal Federal. Plenário. AI 794971 AgR / RJ RIO DE JANEIRO. 19/04/2021. Publicação 2021-06-28 Diário da Justiça Eletrônico. 28/06/2021. Ministro MARCO AURÉLIO)".

A 6ª Turma do STJ, ao julgar o AgRg no HC nº 718.119/RS, no último dia 13 de setembro, destacou que, sobre o termo inicial da prescrição da pretensão executória, existe uma oscilação jurisprudencial. Observe a ementa do referido julgado:

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES. ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELO STF. 1. Sobre o termo inicial da prescrição da pretensão executória  trânsito em julgado para a acusação (artigo 112, I  CP) ou para ambas as partes -, tem oscilado a jurisprudência, registrando-se precedentes do STJ adotando a tese do trânsito em julgado para a acusação, como no AgRg no HC n. 717.946/RS, relator ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022, onde se positivou que "[o] termo inicial do prazo da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado para a acusação (artigo 112, I, do Código Penal)". 2. Ainda que haja, no STF, reconhecimento de repercussão geral no STF  ARE 848.107/DF (Tema nº 788) , pendente de julgamento, "[o] Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI 794971-AgR/RJ (Rel. para acórdão ministro MARCO AURÉLIO, DJe 25/06/2021), definiu que o dies a quo para a contagem da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes. Assim, por já ter havido manifestação do Plenário da Suprema Corte sobre a controvérsia e em razão desse entendimento estar sendo adotado pelos Ministros de ambas as turmas do STF, essa orientação deve passar a ser aplicada nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não há mais divergência interna naquela Corte sobre o assunto" (AgRg no RHC nº 163.758/SC, relatora ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022). 3. No caso dos autos, deve ser mantida a decisão agravada, pois o trânsito em julgado para ambas as partes se deu em 22/2/2018, e a pena foi estabelecida em um ano e três meses de reclusão, do que se segue que o prazo prescricional é de quatro anos, nos termos do inciso V do artigo 109 do Código Penal. A teor do que prescreve o artigo 109, V, c/c os artigos 110, caput, e 112, I, do Código Penal, encontra-se prescrita a pretensão executória, uma vez que transcorrido o lapso prescricional de quatro anos, sem notícia de que tenha havido o início de cumprimento de pena. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC nº 718.119/RS, relator ministro Olindo Menezes (desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 16/9/2022)".

Nada obstante, a 3ª Seção do STJ está buscando alinhar esse entendimento, adotando a prescrição da pretensão executória tendo como marco inicial o trânsito em julgado da condenação para ambas as partes.

Um exemplo disso é o julgado cuja ementa abaixo foi acordada pelos ministros em 15 de agosto por maioria, vencido o senhor ministro Jorge Mussi, os senhores ministros Rogerio Schietti Cruz, Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (desembargador convocado do TJ-DF) e Laurita Vaz votaram com o Sr. ministro relator Olindo Menezes (desembargador Convocado do TRF 1ª Região) decidiram:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 112, I, DO CP. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES. ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELO STF. 1. Necessário o alinhamento dos julgados do Superior Tribunal de Justiça com o posicionamento adotado nas recentes decisões monocráticas proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, bem como nos seus órgãos colegiados (Turmas e Plenário). 2. O Tribunal Pleno fixou a orientação de que '[a] prescrição da pretensão executória, no que pressupõe quadro a revelar a possibilidade de execução da pena, tem como marco inicial o trânsito em julgado, para ambas as partes, da condenação'. Logo, 'enquanto não proclamada a inadmissão de recurso de natureza excepcional, tem-se o curso da prescrição da pretensão punitiva, e não a da pretensão executória' (AI nº 794.971/RJ-AgR, red. do ac. ministro Marco Aurélio, DJe de 28/6/21) (ARE 1301223 AgR-ED, relator: DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 28/03/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 28-04-2022 PUBLIC 29-04-2022). 3. Conforme orientação da Sexta Turma, não há que se falar em prescrição da pretensão executória, porque, ainda que haja, no STF, reconhecimento de repercussão geral no STF  ARE 848.107/DF (Tema nº 788) , pendente de julgamento, '[o] Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI 794971-AgR/R (Rel. para acórdão Ministro MARCO AURÉLIO, DJe 25/06/2021), definiu que o dies a quo para a contagem da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes. Assim, por já ter havido manifestação do Plenário da Suprema Corte sobre a controvérsia e em razão desse entendimento estar sendo adotado pelos ministros de ambas as turmas do STF, essa orientação deve passar a ser aplicada nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não há mais divergência interna naquela Corte sobre o assunto' (AgRg no RHC n. 163.758/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022) (AgRg no REsp n. 2.000.360/PR, ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 15/8/2022). 4. Agravo regimental provido para negar provimento ao recurso especial defensivo".

Ora, face ao exposto, pode-se concluir que, diante desse movimento direcionado a uma possível alteração jurisprudencial, podemos estar frente a uma nova interpretação acerca do termo inicial para aferição da prescrição da pretensão executória, passando a ser contabilizado não mais do trânsito em julgado da acusação, mas sim do trânsito em julgado para ambas as partes.


[1] AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE QUADRILHA AFASTADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. RECURSO DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. PRETENSÃO PARA RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PREJUDICIALIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA DO CRIME REMANESCENTE. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Não subsiste a utilidade recursal, tendo em vista que, ainda que provido o recurso do assistente de acusação para restabelecer a sentença condenatória pelo crime previsto no artigo 288 do CP, já se consumaria a prescrição da pretensão punitiva. 2. Quanto ao crime remanescente, nos termos do artigo 112, I, do Código Penal, o termo inicial do prazo da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado para a acusação, e não para ambas as partes, prevalecendo a interpretação literal mais benéfica ao condenado. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1405242/RJ, relator ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 16/03/2020).

[2] EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PRERROGATIVA DE FORO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. DEMAIS TESES RECURSAIS REJEITADAS. IMEDIATA EXECUÇÃO DA PENA. I. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA 1. A prescrição da pretensão executória pressupõe a inércia do titular do direito de punir. Se o seu titular se encontrava impossibilitado de exercê-lo em razão do entendimento anterior do Supremo Tribunal Federal que vedava a execução provisória da pena, não há falar-se em inércia do titular da pretensão executória. 2. O entendimento defensivo de que a prescrição da pretensão executória se inicia com o trânsito em julgado para a acusação viola o direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição, que pressupõe a existência de uma tutela jurisdicional efetiva, ou melhor, uma justiça efetiva. 3. A verificação, em concreto, de manobras procrastinatórias, como sucessiva oposição de embargos de declaração e a renúncia do recorrente ao cargo de prefeito que ocupava, apenas reforça a ideia de que é absolutamente desarrazoada a tese de que o início da contagem do prazo prescricional deve se dar a partir do trânsito em julgado para a acusação. Em verdade, tal entendimento apenas fomenta a interposição de recursos com fim meramente procrastinatório, frustrando a efetividade da jurisdição penal. 4. Desse modo, se não houve ainda o trânsito em julgado para ambas as partes, não há falar-se em prescrição da pretensão executória.(…).(RE 696.533, relator ministro Luiz Fux, red. p/ ac. ministro Roberto Barroso, 1ª T, j. 6-2-2018, DJE 41 de 5-3-2018).

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