Cavalo de perseguição

'Stalking horse' pode ser usado em leilão de bens de empresa em recuperação

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30 de agosto de 2022, 16h37

A existência de proponente como stalking horse em um processo de alienação de bens não representa, por si só, qualquer irregularidade.

O entendimento é da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao validar o plano de recuperação judicial do Grupo Estre, que atua no setor de limpeza urbana, incluindo a venda de oito aterros sanitários, avaliados em R$ 600 milhões. A informação foi divulgada pelo jornal Valor Econômico.

O TJ-SP rejeitou recurso de um credor do Grupo Estre que também tinha interesse na compra dos aterros. Os ativos foram vendidos para um consórcio formado por uma empresa que também atua no setor e por uma gestora de investimentos. O credor alegou à Justiça que as vantagens oferecidas ao consórcio seriam "exageradas e desproporcionais".

O stalking horse não está previsto na legislação brasileira e permite a apresentação de uma oferta antes do bem ir à leilão. Segundo o relator, desembargador J.B. Franco de Godoi, no stalking horse, a recuperanda escolhe, entre vários possíveis compradores, quem fará a primeira oferta pelos seus ativos remanescentes.

Assim, o stalking horse vai determinar uma oferta base, para que os demais possíveis compradores não possam ofertar valores abaixo. Como uma boa oferta é interessante para a empresa que está negociando seus ativos, o comprador escolhido como referência, normalmente, recebe vários incentivos, como reembolso de despesas e taxas de rescisão.

"A estratégia de possuir um interessado com proposta vinculante, além de garantir a alienação do bem, permite que um preço-base, de interesse para a recuperanda e para coletividade dos credores, seja fixado, o que pode não ocorrer em praceamentos tradicionais", afirmou o relator.

Ainda que recente, Godoi disse que a modalidade já foi aplicada em outros casos de recuperação judicial de grandes empresas, como da Abengoa Concessões e da OAS, além da venda da Estante Virtual pelas Livrarias Cultura e na falência do Banco BVA.

No caso do Grupo Estre, o desembargador considerou que a oferta stalking horse atendeu ao princípio do soerguimento da recuperanda, "obstaculizando a realização de leilão com lances muito baixos". Ele não verificou excessivo privilégio no tratamento aos compradores que fizeram a oferta anterior ao leilão.

O credor que acionou o TJ-SP havia oferecido R$ 750 milhões pelos oito aterros sanitários. O consórcio, exercendo o direito de preferência do stalking horse, cobriu a oferta. Conforme Godoi, o stalking horse permite uma oferta igual ao lance de um terceiro interessado (right to match) ou até mesmo uma oferta superior (right to top).

"Trata-se de um importante incentivo para o stalking horse: caso um terceiro interessado apresente um lance mais elevado no certame, o stalking horse poderá assegurar a arrematação do ativo apresentando uma oferta igual ou superior, uma vez encerrado o procedimento competitivo de venda", diz o acórdão.

Além disso, o magistrado validou a fixação de break-up fees, uma multa compensatória a ser paga pelo devedor se o stalking horse não for o vencedor no procedimento competitivo, se o vendedor descumprir o contrato de stalking horse antes de fechar a operação, ou se a venda não se concretizar até uma data previamente ajustada.

"O objetivo dos break-up fees é compensar o stalking horse por todo o esforço realizado na avaliação dos ativos e na apresentação de uma oferta mínima, e que pode servir para despertar o interesse de outros investidores no ativo. Normalmente, essa espécie de multa pela rescisão do acordo gira em torno de 3% do preço de compra".

No plano do Grupo Estre, os break-up fees foram estipulados em 6,5% do valor do lance, o que, segundo o relator, não constitui, por si só, ilegalidade, sendo prerrogativa exclusiva da assembleia-geral de credores sua fixação no patamar apropriado ao fim que se destina.

"A possibilidade de um mais aprofundado due dilligence pelo primeiro comprador é uma das vantagens deste procedimento para atrair um maior número de interessados ao certame, que através do preço mínimo estabelecido pelo stalking horse, podem precificar o risco envolvido na aquisição da unidade produtora isolada, sem dispensar custos operacionais para a realização de uma auditoria de cognição profunda nos dados da empresa", completou. A decisão foi unânime.

"A decisão é muito relevante, pois gera segurança às alienações em recuperações judiciais e à utilização da figura do stalking horse. Embora já tenha sido utilizada em outros casos, desta vez o TJ-SP não apenas reconheceu a sua legalidade, como descreveu com precisão os seus limites. Houve também reconhecimento da possibilidade de conferir ao stalking horse benefícios para liderar as propostas de compra de ativos — no caso, o stalking horse poderia cobrir a oferta e, se não fosse o vencedor do processo competitivo, receberia um break up do comprador", comentou o advogado Mauro Faria, sócio do escritório Galdino & Coelho Advogados, que atuou na causa.

Clique aqui para ler o acórdão
Processo 2230472-34.2021.8.26.0000

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