Opinião

Gendered negotiation ou sobre negociação com perspectiva de gênero

Autor

  • Doroteia Silva de Azevedo Mota

    é juíza federal do Trabalho atualmente titular da 30ª Vara do Trabalho de Salvador 2016 LLM em Resolução de Disputas com foco em mediação pela Pepperdine University (revalidado pela Universidade de Brasília como mestrado em Direito) especialista em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia mediadora judicial professora e palestrante nacional e internacional nas áreas de Resolução de Disputas Negociação Mediação e Direito Processual do Trabalho autora de artigos criadora do Critério Trabalhista Puro.

22 de agosto de 2022, 9h17

Os debates acerca da posição da mulher na sociedade e da chamada "cultura do patriarcado" já chegaram ao Poder Judiciário: recentemente o Conselho Nacional de Justiça criou o "Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero", fruto do trabalho de um grupo instituído pela Portaria CNJ nº 27, de 2 de fevereiro de 2021. O citado protocolo, cuja criação contou com a participação de todos os segmentos judiciários, teve como referência o "Protocolo para Juzgar con Perspectiva de Género, concebido pelo Estado do México" após determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos [1]. Ao contrário do que se possa imaginar, o documento não procura estabelecer julgamentos "tendenciosos" ou destinados a julgar a favor desta ou daquela parte, mais precisamente da mulher, e sim, "com atenção às desigualdades e com a finalidade de neutralizá-las", buscar "o alcance de uma igualdade substantiva". Procura criar um olhar com a sensibilidade de saber que as desigualdades de gênero no mundo real são maiores e estão mais presentes do que pode imaginar nossa vã filosofia.

Já a negociação possui um conceito "onipresente". Ela está no dia a dia, como dizem a maioria dos autores da área, faz parte da vida. Negocia-se em diversas situações, desde a hora em que o jantar será servido, passando pela viagem que se pretende fazer, até a compra de um bem de alto valor, material ou emocional. Além disso e por conta disso, a negociação é um método adequado (ou alternativo) de resolução de conflitos, autocompositivo, uma vez que não há presença de terceiros, as próprias partes decidem o resultado. Acrescente-se o fato de ser também uma etapa da mediação estruturada com base na Teoria da Negociação de Harvard [2].

Ao unir a negociação com a perspectiva de gênero chega-se à "gendered negotiation". Não apenas no julgamento, também na negociação, a centenária presença do patriarcado se faz notar, mudando os rumos dos diálogos e da noção do que se busca. Por exemplo, "[t]he stereotype that women are incompetent makes people more likely to lie to them during negotiations" [3] ("o estereótipo de que mulheres são incompetentes faz as pessoas mais provavelmente mentirem para elas numa negociação" — tradução livre); ou as diferenças salariais entre homens e mulheres, que ainda persistem na sociedade, e que "os homens pedem mais aumento que as mulheres", e quando elas o fazem "pedem trinta por cento a menos que os homens", como nos ensina o trabalho de Katty Way & Claire Shipman, ao referirem os estudos da professora Linda Babcock , da Carnegie Mellon University, com alunos da escola de negócios [4] .E tantas outras situações, veladas ou não, que podem surgir. Noções de autoestima, confiança, otimismo, autocompaixão e autoeficácia brotam profusamente desse conceito, ainda para referir o livro sobre o assunto, "The Confidence Code" [5].

Em janeiro desse ano de 2022, inscrevi-me no curso da Women's Academy Negotiation, da Pepperdine University, no formato on-line. Foram dois dias de intensa imersão no universo da negociação com perspectiva de gênero, capitaneado pelas incríveis professoras Stephanie Blondell e Denise Madigan e a diretora de relações Aparna Gupta. Foi revelador e autêntico. Estereótipos de gênero pululam em negociações com a presença de mulheres, ainda que invisíveis para muitos. A imagem de que as mulheres devem ser sempre "graciosas" ou "simpáticas" e, quando não o são, de que são "masculinizadas" ou "megeras" muitas vezes pode fazê-las recuar numa tomada de decisão. E tantas e tantas outras questões que poderiam ser abordadas, num curso ou num livro completo.

É preciso, portanto, um olhar mais apurado para as negociações em que há a presença de mulheres. Sim, elas podem ser negociadoras ferrenhas; mas será que o são na presença de estereótipos de gênero? Ou quando negociam para si mesmas e não para a família, filhos ou companheiro(a)? O quanto de pressão emocional, mais que os homens, as mulheres precisam aguentar numa negociação, especialmente se o outro lado se revela competitivo?

São questões sutis e muito importantes para uma sociedade que se pretende inclusiva e com igualdade entre homens e mulheres, não apenas formal ou como uma “concessão” feita pelo patriarcado.

É preciso falar sobre isso.


[1] Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, Conselho Nacional de Justiça, 2021.

[2] https://online.hbs.edu/. Acesso em 14/8/2022.

[3] HU, Jane C. "One Reason Women Fare Worse in Negotiations? People Lie to Them" https://slate.com/human-interest/2014/07/gender-in-negotiation-study-women-fare-worse-in-negotiations-because-people-lie-to-them-more.html. Acesso em 14/8/2022.

[4] KAY, Katty, SHIPMAN, Claire. "The Confidence Code. The Science and art of self-assurance — what women should know", New York 2014, HarperCollins Publishers, p. 14.

[5] Obra citada.

Autores

  • é juíza titular da 30ª Vara do Trabalho de Salvador, LLM (Mestrado) em Resolução de Disputas, concentração em Mediação, pela Pepperdine University, CA, EUA, reconhecido pela UnB (Universidade de Brasília), especialista em Direito Processual do Trabalho pela UfBa (Universidade Federal da Bahia) e professora em cursos de pós-graduação, de mediação e em escolas judiciais.

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