Consultor Jurídico

Doroteia Mota: Gendered negotiation

22 de agosto de 2022, 9h17

Por Doroteia Silva de Azevedo Mota

imprimir

Os debates acerca da posição da mulher na sociedade e da chamada "cultura do patriarcado" já chegaram ao Poder Judiciário: recentemente o Conselho Nacional de Justiça criou o "Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero", fruto do trabalho de um grupo instituído pela Portaria CNJ nº 27, de 2 de fevereiro de 2021. O citado protocolo, cuja criação contou com a participação de todos os segmentos judiciários, teve como referência o "Protocolo para Juzgar con Perspectiva de Género, concebido pelo Estado do México" após determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos [1]. Ao contrário do que se possa imaginar, o documento não procura estabelecer julgamentos "tendenciosos" ou destinados a julgar a favor desta ou daquela parte, mais precisamente da mulher, e sim, "com atenção às desigualdades e com a finalidade de neutralizá-las", buscar "o alcance de uma igualdade substantiva". Procura criar um olhar com a sensibilidade de saber que as desigualdades de gênero no mundo real são maiores e estão mais presentes do que pode imaginar nossa vã filosofia.

Já a negociação possui um conceito "onipresente". Ela está no dia a dia, como dizem a maioria dos autores da área, faz parte da vida. Negocia-se em diversas situações, desde a hora em que o jantar será servido, passando pela viagem que se pretende fazer, até a compra de um bem de alto valor, material ou emocional. Além disso e por conta disso, a negociação é um método adequado (ou alternativo) de resolução de conflitos, autocompositivo, uma vez que não há presença de terceiros, as próprias partes decidem o resultado. Acrescente-se o fato de ser também uma etapa da mediação estruturada com base na Teoria da Negociação de Harvard [2].

Ao unir a negociação com a perspectiva de gênero chega-se à "gendered negotiation". Não apenas no julgamento, também na negociação, a centenária presença do patriarcado se faz notar, mudando os rumos dos diálogos e da noção do que se busca. Por exemplo, "[t]he stereotype that women are incompetent makes people more likely to lie to them during negotiations" [3] ("o estereótipo de que mulheres são incompetentes faz as pessoas mais provavelmente mentirem para elas numa negociação" — tradução livre); ou as diferenças salariais entre homens e mulheres, que ainda persistem na sociedade, e que "os homens pedem mais aumento que as mulheres", e quando elas o fazem "pedem trinta por cento a menos que os homens", como nos ensina o trabalho de Katty Way & Claire Shipman, ao referirem os estudos da professora Linda Babcock , da Carnegie Mellon University, com alunos da escola de negócios [4] .E tantas outras situações, veladas ou não, que podem surgir. Noções de autoestima, confiança, otimismo, autocompaixão e autoeficácia brotam profusamente desse conceito, ainda para referir o livro sobre o assunto, "The Confidence Code" [5].

Em janeiro desse ano de 2022, inscrevi-me no curso da Women's Academy Negotiation, da Pepperdine University, no formato on-line. Foram dois dias de intensa imersão no universo da negociação com perspectiva de gênero, capitaneado pelas incríveis professoras Stephanie Blondell e Denise Madigan e a diretora de relações Aparna Gupta. Foi revelador e autêntico. Estereótipos de gênero pululam em negociações com a presença de mulheres, ainda que invisíveis para muitos. A imagem de que as mulheres devem ser sempre "graciosas" ou "simpáticas" e, quando não o são, de que são "masculinizadas" ou "megeras" muitas vezes pode fazê-las recuar numa tomada de decisão. E tantas e tantas outras questões que poderiam ser abordadas, num curso ou num livro completo.

É preciso, portanto, um olhar mais apurado para as negociações em que há a presença de mulheres. Sim, elas podem ser negociadoras ferrenhas; mas será que o são na presença de estereótipos de gênero? Ou quando negociam para si mesmas e não para a família, filhos ou companheiro(a)? O quanto de pressão emocional, mais que os homens, as mulheres precisam aguentar numa negociação, especialmente se o outro lado se revela competitivo?

São questões sutis e muito importantes para uma sociedade que se pretende inclusiva e com igualdade entre homens e mulheres, não apenas formal ou como uma “concessão” feita pelo patriarcado.

É preciso falar sobre isso.


[1] Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, Conselho Nacional de Justiça, 2021.

[2] https://online.hbs.edu/. Acesso em 14/8/2022.

[3] HU, Jane C. "One Reason Women Fare Worse in Negotiations? People Lie to Them" https://slate.com/human-interest/2014/07/gender-in-negotiation-study-women-fare-worse-in-negotiations-because-people-lie-to-them-more.html. Acesso em 14/8/2022.

[4] KAY, Katty, SHIPMAN, Claire. "The Confidence Code. The Science and art of self-assurance — what women should know", New York 2014, HarperCollins Publishers, p. 14.

[5] Obra citada.