Opinião

Natureza declaratória do ato de concessão do reequilíbrio econômico-financeiro

Autor

19 de agosto de 2022, 7h16

O reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos ganhou grande destaque desde o advento da pandemia. Apesar do relevo, ainda há muito a ser explorado acerca desse tema, que antes era tratado apenas de maneira superficial.

Um interessante ponto de controvérsia diz respeito à possibilidade de reconhecimento do direito ao reequilíbrio em relação a contrato já extinto, tendo o pedido sido formulado ainda na vigência contratual. Para solucionar questão, é necessário definir a natureza jurídica do ato que concede o reequilíbrio.

Para tanto, é relevante a distinção entre atos declaratórios e atos constitutivos. Conforme a lição de Maria Sylvia Di Pietro, ato declaratório "é aquele em que a Administração apenas reconhece um direito que já existia antes do ato". Ato constitutivo, por sua vez, "é aquele pelo qual a Administração cria, modifica ou extingue um direito ou uma situação do administrado".

Percebe-se, portanto, que a principal diferença entre o ato declaratório e o constitutivo reside na criação ou no reconhecimento de um direito. No caso de ato constitutivo, o direito não existe antes da prática do ato administrativo. Por outro lado, tratando-se de ato declaratório, o direito já existe e a Administração apenas o reconhece, por meio da verificação de certos requisitos.

No contexto dos contratos administrativos, é válido dizer que o contrato em si tem natureza constitutiva, uma vez que é partir de sua assinatura que surgem os direitos e as obrigações das partes contratantes. Um dos direitos que surge a partir dessa assinatura é justamente o direito ao equilíbrio contratual.

É certo que o direito ao equilíbrio econômico-financeiro decorre de previsão constitucional. O artigo 37, XXI, da CF é expresso ao afirmar ser necessária a "manutenção das condições efetivas da proposta" durante a execução contratual. No mesmo sentido, o artigo 65, II, "d", da Lei nº 8.666/93 reconhece a possibilidade de alteração contratual para o restabelecimento do equilíbrio contratual. Trata-se de um direito reconhecido à Administração e ao contratado e que já existe desde a assinatura do contrato.

Para que seja concedido o reequilíbrio, a Administração sempre deve verificar a presença dos requisitos legais. Basicamente, dois são os requisitos estabelecidos pelo artigo 65, II, "d", da Lei nº 8.666/93 para que haja o reequilíbrio: I- a constatação do desequilíbrio em si; e II- a configuração de álea econômica extraordinária e extracontratual, decorrente da superveniência de fatos imprevisíveis ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do contrato, ou, ainda, em razão de caso fortuito, força maior ou fato do príncipe. Aos dois requisitos citados ainda poderia ser incluída a necessidade de comprovação do nexo de causalidade entre os fatos alegados e o desequilíbrio constatado.

O que é importante perceber é que, ao analisar e constatar a presença dos requisitos legais para a concessão do reequilíbrio, a Administração está apenas reconhecendo o direito do contratado. Isso significa que, caso reconhecido, o direito em si ao reequilíbrio já existe no momento em que o pedido é formulado. O ato de concessão simplesmente reconhece esse fato, tendo, por isso, efeitos retroativos. Em outras palavras, o ato tem natureza declaratória.

Tanto é verdade que o ato de reequilíbrio não produz efeitos a partir do momento em que é praticado. Seus efeitos retroagem à data em que houve a distorção das condições efetivas da proposta, ao momento em que o desequilíbrio foi verificado. É possível que o fato imprevisível não mais subsista quando da concessão do reequilíbrio, mas, caso ele tenha afetado o equilíbrio contratual, a discrepância merecerá ser recomposta.

Os argumentos expostos levam à conclusão de que a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro tem natureza declaratória por depender da verificação da presença dos requisitos legais. O direito já existe e decorre da relação contratual e dos dispositivos constitucional e legais que asseguram a manutenção das condições efetivas da proposta.

Por conseguinte, havendo o pedido de reequilíbrio ainda durante a vigência contratual, a superveniente rescisão do contrato não deve impedir a análise do pedido e o potencial reconhecimento do direito do contratado. Isso porque o ato, tendo natureza declaratória, irá analisar a presença dos requisitos legais no momento a que se refere o pedido de reequilíbrio, não no momento atual, em que a relação contratual não subsiste. Com isso, a análise poderá resultar no reconhecimento de um direito que já existia quando o pedido foi formulado. Inclusive, nada impediria que, dentro das possibilidades administrativas, o pedido tivesse sido analisado no mesmo dia em que fora apresentado, e a superveniente rescisão contratual não invalidaria, por si só, eventual concessão do reequilíbrio.

Essa linha de raciocínio foi até mesmo chancelada pela Nova Lei de Licitações. Nesse sentido, o artigo 131 da Lei nº 14.133/2021 prevê que:

"Artigo 131. A extinção do contrato não configurará óbice para o reconhecimento do desequilíbrio econômico-financeiro, hipótese em que será concedida indenização por meio de termo indenizatório.
Parágrafo único. O pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação nos termos do artigo 107 desta Lei."

Assim, caso constatados todos os requisitos legais e infralegais necessários, o fato de ter havido a rescisão do contrato não impede, por si só, o reconhecimento do direito ao reequilíbrio econômico-financeiro quando o pedido for feito ainda na sua vigência. No caso, a única forma possível de reequilibrar o contrato será o reconhecimento do direito a uma indenização.

É necessário, contudo, que a Administração tome as cautelas devidas para que o pagamento eventualmente devido seja feito após a verificação de eventual saldo devedor da empresa que possa ser objeto de compensação. Além disso, será importante comprovar que realmente houve desequilíbrio contratual no período indicado pela empresa e que ela realmente realizou a compra dos insumos no período indicado.

Nesse contexto, podemos concluir que o reequilíbrio contratual decorre de um ato de natureza declaratória e a posição adotada pela Nova Lei de Licitações claramente se coaduna com essa conclusão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!