Justiça do Trabalho julga suposto vínculo de emprego em franquia com cláusula arbitral
15 de agosto de 2022, 18h43
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça declarou a competência da Justiça do Trabalho para julgar processo no qual se discute a existência ou não de relação de emprego entre uma empresa franqueadora e a responsável técnica da franqueada.
O conflito de competência analisado pelo colegiado surgiu porque o contrato de franquia, no caso, tem cláusula que adotou a arbitragem como forma de solução de litígios (cláusula compromissória).

Firmado em setembro de 2020, o contrato de franquia foi rescindido em março de 2021. A franqueadora iniciou procedimento arbitral para que a franqueada fosse reconhecida como culpada pela rescisão e condenada ao pagamento de multa contratual.
Por sua vez, a responsável técnica da franqueada ajuizou reclamação trabalhista, pedindo o reconhecimento de vínculo empregatício com a franqueadora de agosto de 2006 a maio de 2021, alegando que o contrato de franquia não passava de uma tentativa de fraude para afastar a aplicação da legislação trabalhista.
Ao mesmo tempo em que o juízo arbitral reconheceu sua competência para o procedimento instaurado, o juízo trabalhista concedeu liminar para suspender a tramitação do procedimento arbitral, o que levou a franqueadora a suscitar o conflito no STJ.
O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que o STJ reconhece a possibilidade de conflito de competência entre juízo arbitral e órgão do Poder Judiciário, pois a atividade arbitral tem natureza jurisdicional.
"Havendo ambos os juízos se declarado competentes para decidir ações que guardam entre si inegável vínculo de prejudicialidade externa, e tendo sido proferida em uma delas decisão que impede a regular tramitação da outra, está configurado o conflito de competência", explicou.
O ministro declarou que, segundo o princípio kompetenz-kompetenz, consolidado no artigo 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/1996, é o próprio árbitro quem decide, com prioridade em relação ao juiz togado, a respeito da sua competência para decidir sobre a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que a contém.
No caso dos autos, Cueva destacou que o contrato de franquia é de 2020, enquanto a suposta relação empregatícia teria começado em 2006. Dessa maneira, ele ponderou que a cláusula compromissória não pode abranger período anterior ao contrato de franquia, nem ser invocada para definir a competência de julgamento de demandas que não têm relação com ele.
Por isso, o relator entendeu que cabe à Justiça do Trabalho decidir as pretensões voltadas ao reconhecimento do vínculo empregatício, "ao menos no período anterior à assinatura do contrato de franquia".
Quanto ao período posterior, ele observou que seria do juízo arbitral a competência para apreciar a pretensão da franqueadora, inclusive para decidir, com prioridade em relação ao juiz togado, sobre a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória, mas ressaltou que a declaração de validade do contrato de franquia não poderia coexistir com o reconhecimento do vínculo empregatício, cabendo então ao STJ definir qual questão deve ser decidida em primeiro lugar e qual o juízo competente para isso.
Cueva apontou que, se a prejudicialidade entre os processos é evidente e não há possibilidade de reuni-los em um mesmo juízo, deve ser aplicado o artigo 313, inciso V, alínea "a", do Código de Processo Civil de 2015, que determina a suspensão do processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente.
Com base nisso, o ministro declarou a competência do juízo do Trabalho para decidir sobre a existência ou não do vínculo de emprego em todo o período reclamado, mantida a liminar que suspendeu o procedimento arbitral até o trânsito em julgado da reclamação trabalhista.
Hipossuficiência do trabalhador
O relator comentou que, se não houvesse o questionamento dos direitos trabalhistas anteriores ao período da franquia, a franqueadora até poderia defender a competência do juízo arbitral para decidir sobre o vínculo empregatício, visto que a reforma trabalhista de 2017 passou a possibilitar a pactuação de cláusula de arbitragem nos contratos individuais de trabalho.
Contudo, ressalvou que as relações trabalhistas têm natureza peculiar e que, em regra, são preponderantes a hipossuficiência do trabalhador e a indisponibilidade da maior parte dos direitos tutelados. Nesse sentido, o relator entendeu que seria temeroso conferir eficácia, com base na reforma trabalhista, a uma cláusula compromissória inserida em contrato que, formalmente, não se apresentava como um contrato individual de trabalho.
Em nota, a franqueadora Prudential esclareceu que já entrou com recurso contra a decisão. A empresa afirma "jamais ter utilizado seus contratos ou a sua rede de franquia para disfarçar qualquer outro tipo de relação de emprego".
"Ao contrário, é público e notório que a Prudential organiza seus negócios mediante um sistema de franquias que a coloca entre as maiores franqueadoras do país, por meio do qual estabelece relações empresariais. Trata-se de modelo cuja validade como relação empresarial — e não de emprego — já foi reconhecida eplo Tribunal Superior do Trabalho (em decisão recente, de 2 de agosto de 2022), e que já recebeu diversos reconhecimentos", prossegue a nota.
Leia a íntegra:
Diante da matéria veiculada no último dia 15 de agosto de 2022, mencionando recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência 184.495, a Prudential do Brasil Seguros de Vida S.A. (“Prudential”) vem esclarecer que tal decisão não é final, já foi objeto de recurso e confia que seu recurso permitirá a revisão da Corte, em especial porque a decisão deixou de atender princípios legais e constitucionais tradicionalmente prestigiados pela Corte, bem como porque a cláusula compromissória do referido caso foi celebrada por partes capazes, empresárias, em observância a todos os requisitos de validade e eficácia.
Ademais, a Prudential esclarece jamais ter utilizado seus contratos ou a sua rede de franquia para disfarçar qualquer outro tipo de relação de emprego. Ao contrário, é público e notório que a Prudential organiza seus negócios mediante um sistema de franquias que a coloca entre as maiores franqueadoras no país, por meio do qual estabelece relações empresarias. Trata-se de modelo cuja validade como relação empresarial – e não de emprego – já foi reconhecida pelo Tribunal Superior do Trabalho (conforme decisão recente, de 2 de agosto de 2022), e que já recebeu diversos reconhecimentos, como o selo de “Franquia 5 Estrelas”, conferido pela Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios, e outros conferidos pela ABF – Associação Brasileira de Franchising.
Seguimos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.
Prudential do Brasil Seguros de Vida S.A.
Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
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CC 184.495
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