Opinião

Multipropriedade e o futuro do mercado imobiliário

Autor

  • Victor Porto Abreu

    é bacharelando em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) consulto imobiliário autor de artigos jurídicos no âmbito do Direito Imobiliário e assistente jurídico no escritório Tschumi Leão Advogados.

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13 de agosto de 2022, 9h04

O regime de multipropriedade está em ascensão no país, despertando interesse, por conseguinte, em construtoras, imobiliárias, investidores e, evidentemente, condôminos/cotistas.

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No entanto, considerando que tal modalidade foi normativamente instituída há pouco tempo, muitos questionamentos sobrevêm àqueles que pretendem, de alguma forma, adquirir uma unidade neste modo.

Sucintamente, a Lei nº 13.777, sancionada em 20 de dezembro de 2018 e aplicada a partir de 2019, assim descreveu (artigo 1.358-C do Código Civil): "Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada".

Porém, em que pese a recente redação legal brasileira, a categoria ora tratada possui um amplo contexto histórico.

Após a Segunda Guerra Mundial, passados os longos anos do confronto, os hotéis da França restaram fadados ao insucesso, porquanto, por óbvio, a economia estava vastamente abalada, afastando, assim, eventuais turistas e investidores.

Nesta ótica, Caio Calfat, presidente da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADIT), explica que, haja vista os contratempos ocasionados pela crise à época, a solução para reerguer o mercado foi a venda de hotéis (inteiros) para até quatro pessoas. "Cada indivíduo se tornava proprietário de ¼ do hotel e podia utilizá-lo por três meses ao ano. Surgiu assim o conceito de dividir um imóvel pelo tempo", esclarece [1].

Aderindo à ideia citada, já difundida pelo território europeu, contudo canalizando mais conceito, a população norte-americana começou a subdividir as propriedades entre 52 proprietários. Isso porque, ainda nas palavras de Calfat: "Um ano tem 52 semanas, logo, cada comprador tem o direito de uso de uma semana" [2].

Pelos motivos evidenciados, "criou-se", efetivamente, a refalada "multipropriedade".

No Brasil, como visto, existe legislação própria regulamentando os empreendimentos com a característica compartilhada.

É consabido que as construções nesses moldes são maiores em centros turísticos, dada a sua proposta primordial, a saber: usufruir de determinado imóvel, em determinada época do ano.

Neste exato sentido, Oliveira e Santos traduzem, com clareza, a assertiva acima, ao aludirem que essas unidades imobiliárias "são muito comuns em áreas turísticas como forma de segunda residência e têm a periodicidade como elemento essencial, pois o proprietário tem o direito exclusivo de usufruir determinado imóvel por um período predeterminado uma vez ao ano" [3].

Não à toa, estima-se que, atualmente, existem 128 imóveis devidamente registrados sob o modelo aqui abordado, os quais atingiram o Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 28,3 bilhões [4].

Wesley Reis, sócio-diretor da Mundo Planalto ressalta: "A opção de ser dono de uma casa de férias pagando apenas pelo tempo de uso e dividindo todas as despesas com outras pessoas é muito aderente até mesmo para o comprador brasileiro, que costuma ser mais patrimonialista" [5].

Sob o enfoque jurídico, é importante tecer breves ponderações legais, aqui consideradas como importantes à elucidação da matéria, dado que o leque jurídico que envolve a multipropriedade é profuso e peculiar em cada ponto.

O artigo 1.358-E do Código Civil, em seu parágrafo 1º, determina que a fração de tempo (que será desfrutada pelo comprador) não poderá ser inferior a 7 dias. Veja-se:

"Artigo 1.358-E. Cada fração de tempo é indivisível.
§1º O período correspondente a cada fração de tempo será de, no mínimo, sete dias, seguidos ou intercalados […]".

Consequentemente, o imóvel concebido por intermédio de multripropriedade poderá ter até 52 unidades imobiliárias, seguindo, nessa esteira, a lógica estadunidense sobredita, isto é, de haver 1 proprietário por semana, até o final do ano.

Ademais, é fulcral sublinhar que, segundo disciplina o parágrafo 2º, da mesma norma, o adquirente pode comprar mais de uma cota, in verbis:

"Artigo 1.358-E. Cada fração de tempo é indivisível.
[…]
§2º Todos os multiproprietários terão direito a uma mesma quantidade mínima de dias seguidos durante o ano, podendo haver a aquisição de frações maiores que a mínima, com o correspondente direito ao uso por períodos também maiores".

No ponto, o artigo 1.458-C, por sua vez, desnuda que se "a multipropriedade não se extinguirá automaticamente se todas as frações de tempo forem do mesmo multiproprietário"; ou seja, existe a plena possibilidade de haver apenas um indivíduo adquirente de todas às unidades.

Em complemento, destaca-se toda fração de tempo terá a sua respectiva matrícula individualizada. Blaskesi leciona o assunto com precisão: "Uma vez registrado na matrícula-mãe, abrem-se matrículas individuais para cada fração de tempo desse novo direito real, onde consta, de forma específica, quando e como pode ser usado" [6].

Além disso, antes de ser sancionada a "Lei das Multipropriedades", os tribunais pátrios já apreciavam o conteúdo. O próprio Superior Tribunal de Justiça, em 2016, reconheceu a natureza jurídica de direito real desses imóveis: "a multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no artigo 1.225 do Código Civil" [7].

Isto posto, vê-se que o regime em pauta é extensamente protegido pelo Direito, contendo inúmeras diretrizes que validam e protegem todos os envolvidos nas relações negociais que têm como objeto imóveis edificados mediante esse sistema.

Desta feita, avista-se que as construções regidas pelo modelo de multipropriedade acendem o crescimento do mercado imobiliário em toda a sua imensidão e estimulam o quadro econômico positivamente; além de dispor de esteio jurídico, gerando, como resultado, transações seguras entre as partes.


[3] SANTOS, Aline Cecília Alexandrina Bezerra dos; OLIVEIRA, Catarina de Almeida de. Multipropriedade Imobiliária e a Concretização da Função Social na Garantia do Acesso à Moradia de Lazer. Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, ano VIII, nº 48, Nov-Dez de 2018

[6] BLASKESI, Eliane. Multipropriedade ou Time-Sharing: Primeiras Impressões. Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, ano IX, nº 49, Jan-Fev de 2019

[7] Recurso Especial nº 1.546.165 – SP (2014/0308206-1)

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