Opinião

EC 125/22: relevância da questão federal para ensejar REsp ao STJ

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8 de agosto de 2022, 21h28

Embora de pleno conhecimento, sobretudo da comunidade jurídica, peço licença para copiar referida EC, para facilitar, didaticamente, a abordagem da matéria.

Art. 1° O art. 105 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1° e 2°, numerando-se o atual parágrafo único como § 3°:
“Art. 105. ……………………………………………
§ 1° No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo não o conhecer por esse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.
§ 2° Haverá a relevância de que trata o § 1° nos seguintes casos:
I – ações penais;
II- ações de improbidade administrativa;
III – ações cujo valor de causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários-mínimos;
IV – ações que possam gerar inelegibilidade;
V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça;
VI – outras hipóteses previstas em lei.
§ 3° (antigo parágrafo único)…………………………………………………" (NR)
Art. 2° A relevância será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor da presente Emenda Constitucional, oportunidade em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o art. 105, § 2°, inciso III, da Constituição Federal.
Art. 3° Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Denominada "PEC da Relevância", a mesma tramitou no Congresso por dez anos, apresentada em agosto/2012 e promulgada em 14/07/2022.

Em síntese, os seus objetivos primordiais seriam reduzir a imensa quantidade de recursos que acessam o STJ, permitindo-lhe, por outro lado, maior disponibilidade de tempo para se dedicar a julgar questões federais mais relevantes para os jurisdicionados, considerando que a sua competência ou atribuição é de Corte uniformizadora da interpretação da lei federal, além de velar pela sua vigência ou contrariedade, inclusive por ato de governo local que a ela infrinja.

O cabimento de REsp, como cediço, pressupõe que haja, pelo acórdão recorrido, cf inciso III, do artigo 105/CF: a – contrariedade a tratado ou lei federal ou negativa de sua vigência; b – validade de ato de governo local contestado em face de lei federal; c – divergência de interpretação da lei federal entre tribunais, inclusive o próprio STJ.

A EC 125 passou a exigir, doravante, a demonstração das questões de direito federal infraconstitucional discutidas "nos termos da lei", a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, por 2/3 do órgão competente para o seu julgamento.

Logo, tais questões aguardam a lei regulamentar que disporá a respeito do que se considerará relevante, para tanto, competindo ao STJ, dizer, julgar, motivadamente, se há ou não e o porquê, a relevância arguida.  Tal regulamentação legal será, portanto, fundamental, basilar.

Quais seriam ou serão, para a hipótese, questões relevantes: Competirá ao Legislativo a primazia de indicá-las.  Há, todavia, certo juízo comum que tal deverá ser semelhante à repercussão, para fim de RE, tal como prescreve o § 1º, artigo 1035, do CPC. A lei que sobrevirá, que será de suma importância para o êxito ou não, da inovação, deverá dispor sobre os casos não inscritos no § 3º, da EC 125, o qual já contempla a existência de presunção de relevância, que parece ser absoluta, nas cinco hipóteses descritas.

É interessante observar, ante a similitude, mutatis mutandis, da repercussão com a relevância, que aquela completou 15 anos de vigência e o STF publicou excelente trabalho comemorativo, com aproximadamente 160 páginas, no qual está consignado que, a partir da EC 45/2002, que instituiu a exigência da repercussão geral para viabilizar um RE, sobreveio a Lei 11.418/2006, treze Emendas Regimentais, além do atual CPC, sendo certo que a leitura do referido trabalho deixa entrever os bons resultados jurisdicionais oriundos de tal instituto.

A atual inovação despertou, como não poderia deixar de ser, inúmeros artigos, comentários de advogados, professores, a respeito, no geral demonstrando mais descrenças ou ceticismo do que entusiasmo com eventuais melhorias que possam sobrevir à prestação jurisdicional, resultantes da implantação das regras introduzidas pela EC em foco.

As divergências no âmbito jurídico são comuns e saudáveis pois militam em prol do aperfeiçoamento do sistema de justiça. Penso, no entanto, com a venia devida, ser necessário aguardar a evolução da efetiva aplicação, inclusive da lei regulamentar e subsequentemente da jurisprudência, para se avaliar se salutar ou não, a novidade legal.

Sabe-se que, a rigor, na infinita maioria das ações, Brasil afora, a prestação jurisdicional definitiva encerra-se com os julgamentos proferidos pelas instâncias ordinárias, é nestas que as questões, em geral, são definidas com o sinete da chamada preclusão máxima, a coisa julgada. Logo, a PEC valoriza, sem dúvida, ainda mais, juridicamente, as decisões dos órgãos judicantes que compõem tais instâncias (TJs-TRFs), o que, naturalmente, sugere máxima atenção do trabalho advocatício nas fases processuais ordinárias, ante a maior dificuldade, ainda, de eventual acesso ao STJ.

Escusado lembrar que a EC, para o advogado, trouxe considerável acréscimo de trabalho, naturalmente intelectual, pois além de demonstrar o preenchimento dos requisitos normais de um REsp deverá, quando regulamentado, demonstrar também, concomitantemente, a presença de relevância da questão federal envolvida.

Assim, seja no RE (CPC, 1035, §§ 1º e 2º), com a repercussão; no Rec.de Revista (CLT, 896-A), com a transcendência; como também no REsp, este, na forma da lei que virá, com a relevância, o trabalho advocatício deve esmerar-se na demonstração, além dos demais, de tais pressupostos, para abrir a oportunidade do recurso apresentado ascender aos respectivos Tribunais. Não é tarefa fácil, daí a dedicação que deve existir desde o primeiro grau, na colocação das teses pertinentes que possam contribuir para superar as barreiras da chamada jurisprudência defensiva e de tais específicos requisitos, na essência mais materiais do que processuais, propriamente, porque questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, são "aquelas que ultrapassem os interesses subjetivos do processo" (§ 1º, artigo 1035/CPC), tônica que, presume-se, permeará a superveniente lei regulamentar, no caso.

Na nossa concepção, imagino que a relevância, bem configurada legislativamente, salvo, claro, os casos que a presumem, deverá ser útil à sociedade jurisdicionada, diminuindo a grande quantidade de REsps e AREsps que sobem ao STJ, permitindo que este atue mais como Tribunal de uniformização, da fixação de precedentes, como deseja a sociedade e, proclama o CPC, arts. 926 e 927 e segs., o que contribuirá, naturalmente, para infundir maior segurança jurídica e boa dose de previsibilidade das decisões, valores fundamentais para a sociedade, contribuindo, consequentemente, para, no curso do tempo, reduzir a quantidade de ações ajuizadas.

Uma contrapartida natural seria, com o implemento da relevância, a mitigação, pelo menos, da aplicação da referida "jurisprudência defensiva", sumulada ou não, muitas vezes aplicada sem maior observância da espécie em julgamento, o que é ruim para o sistema pois gera desconforto, desilusão até, às partes,  pois o imaginário é no sentido de que o seu caso não recebeu a devida atenção, o que ainda protela o resultado final com o advento de mais recursos. Além disso, o importante é o julgamento do mérito, seja em que sentido for, claro, o que, em um infinito número de recursos, aludida "defensividade" impede que tal ocorra, o que não é bom até mesmo para a pacificação subjetiva que deve resultar dos julgamentos. Aliás, pelo CPC, deve preponderar o que a doutrina nominou de "primazia do mérito", o que é natural pois, em regra, quem vai a juízo deseja é a definição da existência, ou não, de algum direito material.

O STJ simulou, com base em dados estatísticos próprios, levando em conta, comparativamente, o efeito da repercussão no STF, e concluiu que cerca de 40% de processos deixariam de ser recebidos por ele, se existente o pressuposto da relevância, o que significaria, em 2021, menos 116.418 e, em 2022, até o mês de junho, menos 57.987 processos.

Em síntese, é um novo percurso que se descortina  na atuação do STJ, com natural reflexo nas instâncias ordinárias, oxalá que os resultados sejam  ótimos,  pois tal beneficiará, no ponto e em última análise, aos jurisdicionados, que são, no final das contas, os legítimos destinatários dos serviços públicos prestados pelo Estado, em todas as suas esferas de atuação, e,  como  prescreve o artigo 37/CF, o mesmo deve se pautar sob a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

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