Reflexões Trabalhistas

Denúncia anônima no Ministério Público do Trabalho

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

29 de abril de 2022, 8h00

Tem sido comum a apresentação de denúncias anônimas perante o Ministério Público. No Ministério Público do Trabalho denúncias anônimas e sigilo dos dados de denunciantes têm sido implementados com base nos §§ 5º e 6º do artigo 2º da Resolução nº 69/2007 do CSMPT, cujos fundamentos merecem considerações e avaliação em cada caso concreto, uma vez que não se pode tornar regra o que é exceção.

De acordo com a Constituição Federal do Brasil é vedado o anonimato (artigo 5°, inciso IV – "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato"), exatamente para, por outro lado, assegurar-se paridade de tratamento em relação ao devido processo legal e ao Estado Democrático de Direito e, especialmente, para não prejudicar pessoas injustamente denunciadas, que podem ter suas vidas, honra e imagem maculadas, mesmo não sendo provados os fatos contra elas alegados.

Com efeito, o atual ordenamento constitucional brasileiro deu importância de relevo aos direitos e garantias fundamentais que, na sua mais comezinha função, limitam os poderes do Estado, sendo que neste universo limitador um dos destaques da Carta Constitucional de 1988, em consonância com o Estado Democrático de Direito, foi controlar o simples e irresponsável denuncismo.

O anonimato é vedado constitucionalmente, sendo exceção a sua quebra, porém, somente em situações excepcionalíssimas, devidamente justificadas. Assim, o que é exceção não pode se tornar regra.

Na seara trabalhista, especialmente em razão da desigualdade entre empregados e empregadores, tem-se, por exceção, permitido casos de denúncias anônimas, que precisam ser fundamentados pelo membro condutor da investigação.

Sobre o tema se manifestou a AGU em parecer, nos termos seguintes:

"Resta claro, portanto, que a Administração Pública, não pode acolher uma iniciativa incompatível com a Constituição — que veda o anonimato (artigo 5°, IV) — e que se choca frontalmente com a legalidade, a moralidade e a transparência, para fundamentar uma apuração formal, que se tornaria eivada de nulidade, por abuso e desvio de poder, vulnerando o artigo 5°, incisos XXXIV, a, e LXIX, in fine, da Constituição Federal, pois a finalidade da regra de competência é garantir a legalidade e não prestigiar a imoralidade em detrimento da presunção constitucional de inocência" (PARECER Nº AGU/GV — 01/2007).

Esse entendimento tem suporte em posicionamento do STF (Inquérito nº 1957; relator: ministro Carlos Velloso; DJU de 11/11/2005), ao afirmar "que abrir inquérito baseado em carta anônima é dar valor jurídico a um objeto que nem documento pode ser considerado e que a ordem jurídica define como desvalor".

Portanto, denúncia anônima em qualquer esfera estatal somente pode ser recebida em casos excepcionais, com reservas e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado (Precedente do STJ – HC 44.649/SP, relatora: ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ 8/10/07).

O objetivo constitucional, ao vedar delação anônima é evitar a prática do denuncismo irresponsável, voltado a prejudicar desafetos, o que impossibilita eventual indenização por danos morais ou materiais (incisos V e X do artigo 5º/CF).

É certo que existem peculiaridades no campo trabalhista, como a hipossuficiência do trabalhador, que vai ao Ministério Público do Trabalho denunciar seu empregador ou mesmo o próprio sindicato que o representa.

São situações em que, pelo anonimato, faz-se acusações contra denunciados, pessoas jurídicas e/ou físicas e o denunciante "fica escondido" em estado cômodo, esperando o que vai acontecer.

Em certas situações o denunciado não tem como se contrapor às acusações genéricas e sem qualquer indício de veracidade, tendo que "fazer prova de fato negativo".

Em fundamentado parecer o promotor de Justiça Marcelo Camargo Milani determinou o arquivamento de feito (MPE – Proc. nº 794/2016- 6), de cuja atuação já havia declinado o MPT (PP nº 002854.2016.02.000/3), aduzindo a falta de justa causa para continuidade do Inquérito Civil, porque vagas e genéricas as acusações, como ocorre em muitos casos. Na sua conclusão salientou o MPE que ao iniciar qualquer investigação, deverá o órgão do Ministério Público estar seguro, lastrado em veementes indícios e em fatos agudos, sob pena de despender tempo e energia institucionais que poderiam ser empregados em questões realmente relevantes.

As experiências práticas mostram que existem denúncias por supostas irregularidades genéricas, sem fundamentos e feitas por pessoas inconformadas com alguma situação, às vezes, empregados que perderam seus empregos e não se conformam com a situação. Essas denúncias servem para tomar o precioso tempo dos órgãos ministeriais, que têm que se debruçar sobre o caso, cujo tempo perdido certamente fará falta para sua primordial atuação na defesa dos direitos realmente fundamentais dos próprios trabalhadores.

Há casos em que uma notícia de fato dá ensejo a inúmeros procedimentos instaurados por conta de denúncia anônima descompromissada com a verdade, causando desperdício de tempo para o MPT, porque escondido atrás do anonimato se diz o que se quer, sem medo de ser responsabilizado pelos danos que possam ser causados ao denunciado. Eis a razão, com o devido respeito, de a Constituição Federal vedar o anonimato, que, somente em situações excepcionais, devidamente justificadas, pode ser aceito.

Por isso, não se pode transformar em regra o que é exceção. Portanto, a decretação de sigilo legal na tramitação de procedimentos investigatórios, bem como do nome do denunciante, somente podem ocorrer por exceção, desde que devidamente justificada no caso concreto, porque, ademais disso, a publicidade dos atos nas investigações do Ministério Público é a regra.

Autores

  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos.

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