Opinião

A posição da culpabilidade no sistema penal brasileiro: desafios e problemas

Autor

  • Luiza Teixeira Ortega Pinilla

    é advogada criminalista especializanda em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e membro da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina (Aacrimesc).

    View all posts

26 de abril de 2022, 17h12

A culpabilidade pertence ao conceito de crime, este que é o resultado de uma conduta típica e antijurídica. Ela, na sua essência, é constituída por três elementos normativos os quais são apontados por Hans Welzel, que ensina aos estudiosos da criminologia, grande contribuição ao promover a reestruturação dos elementos da teoria do delito.

A teoria finalista, adotada pelo Código Penal Brasileiro, é baseada no juízo de reprovação. No entanto, encontra um impasse: primeiramente, porque culpabiliza o autor por não agir em conformidade com o direito, o que vincula o autor à situação de fato, refletindo em um juízo não puro sobre os elementos conceituais da ação culpável, isto é, "um juízo que diz respeito à prova" que, se desvinculado de seu objeto, converte-se em elemento de mera presunção de culpa, tornando-se um juízo estéril e sem eficiência [1].

Na relação jurídica o autor deve figurar como componente, o que mistura os elementos do fato e os elementos do autor, acarretando em uma culpabilidade que deixa de ser matéria relativa a própria conduta para se pautar por um juízo de reprovação, confundindo as esferas penal e processual, o que certamente produz reflexos na edificação da teoria do delito, gerando a grande discussão da culpabilidade de fato e culpabilidade do autor (direito penal do inimigo) [2].

Para Roxin, surge uma solução a partir da chamada acessibilidade normativa: o agente é culpado quando, em virtude de sua constituição psíquica e mental, estava, no momento do fato, em condições de atender à exortação ou ao apelo da norma. Com isso, cria o conceito da responsabilidade penal, o qual afasta a culpabilidade da visão de fundamento, e aproxima de uma visão delimitadora da pena [3].

Atualmente tem-se que o conceito de culpabilidade consolida-se em duas máximas: ora como fundamento ou delimitador da pena, ora como juízo de reprovação.

A natureza pessoal e a subjetividade da responsabilidade penal são conteúdos do principio básico da culpabilidade, não o seu rótulo. Esse princípio é norteador do conceito analítico de crime, habilitador e limitador da pena para o sujeito do injusto, não podendo ser descartáveis. Quando se habilita o poder punitivo a partir de uma consideração moral sobre o sujeito se está, na verdade, penalizando o ser, praticando uma culpabilização do autor não muito diferente daquela baseada na periculosidade [4].

A Constituição Federal estipula critérios limitadores da intervenção penal tais como a necessidade, intervenção mínima, idoneidade e proporcionalidade. Não se deve funcionalizar o conceito de culpabilidade, prendendo a finalidade da pena ou qualquer outra externa, sob pena de estar ausente a legitimidade da sua própria estrutura. Partindo dessa premissa, importante ressaltar que ao analisarmos a culpabilidade, emitimos um juízo de valor, o qual não se confunde com juízo de reprovação, prescindindo da decisão acerca do poder agir de outro modo e do eterno debate da liberdade de vontade. Importante ressaltar que esse juízo de reprovação tentou ser desvencilhado de seu conteúdo moral. Hassemer chegou a falar numa "reprovação forense", embora, tenha concebido uma pena sem reprovação na substituição da culpabilidade por uma responsabilidade ancorada nos limites da proporcionalidade [5].

Tradicionalmente, após longa evolução, deve-se avaliar às soluções da ordem jurídica no que toca à delimitação da incidência das normas criminalizadoras, tendo-se a culpabilidade como qualidade da conduta, necessariamente associada ao injusto penal. Não se pode permitir que haja a inserção na culpabilidade, como último degrau de contenção do poder punitivo, e dos princípios constitucionais tais como a presunção de inocência. A culpabilidade deve ser integrada por todos esses princípios, assegurando a ordem jurídica democrática.


[1] TAVARES, Juarez. Fundamentos de Teoria do Delito. 1 ed. Florianópolis. Tirant to Blanch. 2018. p. 416

[2] TAVARES, p. 418

[3] "El determinista sólo puede mostrarse satisfecho con un princípio de culpabilidad que tenga una función limitadora, pues la idea de retribución, que fundamenta consecuencias jurídicas perjudiciales en una hipótesis científicamente indemostrable y que está expuesta a una crítica determinista legítima, pierde de este modo su importancia político-criminal. Por otra parte, la única función que ahora le queda al principio de culpabilidad, la de limitar el límite máximo de la pena, no es afectada por los argumentos deterministas de orden crítico-cognitivo y psicológico, porque los planteamientos normativos dirigidos a proteger al ciudadano son independientes del problema ontológico de si existe realmente una libertad de voluntad. Pero tampoco el indeterminista, que concede a la persona por lo menos un cierto ámbito de libre decisión, apenas puede elegir otro camino que el aquí propuesto; aunque ciertamente el problema de la culpabilidad le inquietará menos que al determinista, a pesar de que en el caso concreto apenas podrá demostrar la posibilidad de poder actuar de otro modo" ROXIN. Culpabilidad y prevencion en derecho penal. p. 54

[4] BATISTA, Nilo. Cem anos de reprovação. Disponível em: http://www.historia.uff.br/revistapassagens/artigos/v1n1a1.pdf Acesso em: 20 de out de 2018. p. 19

[5] HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do Direito Penal.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2005. p. 317

Autores

  • é advogada criminalista, especializanda em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e membro da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina (Aacrimesc).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!