Opinião

O controle das prorrogações portuárias pelo TCU

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  • Heloísa Armelin

    é advogada no escritório Tojal Renault Advogados pós-graduada em Direito Administrativo pela FGV Direito SP e em Direito Constitucional pela PUC-SP.

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21 de abril de 2022, 6h06

A atuação do Tribunal de Contas da União (TCU), auxiliar do controle externo exercido pelo Congresso, está disciplinada no artigo 71 da Constituição, que institui sua competência no campo das finanças estatais. A despeito disso, muito tem se debatido a respeito da ampliação da sua esfera de atuação, sugerindo-se, inclusive, a autoproclamação de uma justiça administrativa de ofício [1].

O setor portuário não ficou imune à expansão das atribuições do TCU. O tribunal tem figurado como coautor da agenda regulatória e das políticas públicas setoriais.

Seja por meio do controle de legalidade formal ou material das normas, seja por meio do controle da omissão regulatória, o TCU tem orientado a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) no exercício da sua competência normativa. Além disso, o Tribunal tem atuado em relação à escolha política tarifária dos contratos setoriais, questionando as opções da agência reguladora.

No que diz respeito às contratações portuárias, também não faltam exemplos recentes. Atualmente, a Instrução Normativa (IN) nº 81/2018, que dispõe sobre a fiscalização dos processos de desestatização pelo Tribunal, orienta o acompanhamento da celebração de contratos de concessão e de arrendamento previstos na Lei dos Portos (Lei nº 12.815/13). Em que pese questionável a legalidade da norma em razão da extrapolação de competências pelo Tribunal [2], fato é que ele vem atuando com base nela e gerando impactos significativos nessas contratações.

Considerando uma tendência estatal mais inclinada a prorrogações  em detrimento da celebração de novos contratos [3] , o TCU passou a acompanhar também, de maneira prévia, os termos aditivos de prorrogação (ordinária e antecipadas). Aqui vale registrar que o Tribunal, por meio do Acórdão 2.200/2015-PL, entendeu que os pedidos de prorrogação contratual antecipada relativos aos arrendamentos portuários careciam de profundidade técnica e rigor mínimos, o que foi usado para defender a necessidade de controle prévio sobre tais atos.

Sobre esse controle, em pesquisa acadêmica [4], identifiquei dois casos que permitem avaliar o comportamento da Corte na análise de aditivos contratuais de prorrogação de arrendamentos portuários discutidos na vigência da atual Lei dos Portos. Mais precisamente, busquei compreender a extensão do controle exercido pelo Tribunal. Os casos foram os seguintes: 1) prorrogação antecipada do contrato de arrendamento da Libra Terminais S.A. (processo nº 024.631/2016-7) e 2) prorrogação do contrato de arrendamento da Marimex Despachos, Transportes e Serviços Ltda. (processo nº 018.681/2020-4).

Embora o TCU também tenha analisado a prorrogação do contrato de arrendamento do Terminal de Contêineres de Paranaguá S.A.  TCP (processo nº 032.951/2014-0), nesse caso, o objeto da discussão recaiu sobre uma questão objetiva: a inviabilidade econômica da exploração de área de forma isolada. Uma vez comprovada a inviabilidade, o Tribunal entendeu regulares a prorrogação e o adensamento de área, razão pela qual o precedente não contribuiu para o objetivo da pesquisa.

Já os demais casos permitem identificar o comportamento do TCU frente a decisões discricionárias envolvendo o tema da prorrogação.

No caso da Marimex, o TCU impôs a prorrogação do contrato de arrendamento, que havia sido rechaçada pela administração pública em razão da sua dissonância com o planejamento setorial, o qual visava à alteração da destinação da área na qual se encontra o terminal. O Tribunal entendeu que a celebração do contrato de transição  solução indicada pela administração pública para o caso concreto — , a despeito da previsão normativa, não se mostrava razoável no caso concreto.

O simples fato de a arrendatária ter apresentado uma proposta de realização de investimentos juntamente com o pedido de prorrogação foi determinante para o TCU entender pela existência de interesse público no acolhimento do pedido: observo a presença de interesse público na matéria, porquanto a Arrendatária apresentou pedido de prorrogação do Contrato DP/16.2000 com proposta de realização de investimentos [5].

Por outro lado, no caso Libra, o Tribunal entendeu que a decisão administrativa de prorrogar o contrato, que igualmente acompanhava uma proposta do arrendatário de realização de investimentos, era contrária ao interesse público. Mesmo diante do atendimento de todos os requisitos legais, disciplinados no artigo 57 da Lei dos Portos, o TCU determinou à administração que declarasse a nulidade do termo aditivo por ilegalidade insanável e expressiva potencialidade de dano ao erário [6].

O traço comum das decisões, como se vê, é que, a despeito de a opção pela prorrogação se tratar de decisão discricionária da administração pública, o comportamento do Tribunal ultrapassa a mera análise da legalidade do ato e adentra o mérito da opção do gestor, escolhendo ele, Tribunal de Contas da União, a decisão que supostamente melhor atenderia ao interesse público.

Não bastasse tal comportamento, a postura do TCU é, ainda, contraditória: as razões usadas pelo Tribunal para entender pela existência de interesse público relativamente à prorrogação no caso da Marimex não levaram à mesma solução no caso da Libra, em que, a despeito do juízo prévio exercido pela administração quanto à "vantajosidade" da prorrogação, foi declarada nula. A fluidez do conceito de interesse público e a subjetividade exigida para sua aplicação em um caso concreto agravam o risco de decisões contraditórias, como as mencionadas.

A falta de previsibilidade na atuação da Corte e o seu descompasso com a política estatal  a Lei dos Portos de 2013 foi editada tratando expressamente da possibilidade da prorrogação antecipada dos contratos setoriais  ao reexaminar a dimensão discricionária das escolhas do gestor público competente para a tomada de decisões prejudicam a atração de investimentos no setor, tão necessários ao desenvolvimento da infraestrutura nacional.


[1] JORDÃO, Eduardo; BRAGA, André; ROSILHO, André Janjácomo; TRISTÃO, Conrado; BOGÉA, Daniel; PEREIRA, G. L. M.; PALMA, Juliana Bonacorsi; GABRIEL, Yasser. TCU: justiça administrativa? Jota, 08 jan. 2020. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/tcu-justica-administrativa-08012020> Acesso em 8 abr. 2022.

[2] Sobre o tema ver: ROSILHO, André. Tribunal de Contas da União: Competências, Jurisdição e Instrumentos de Controle. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 251 e ss.

[3] A mudança de paradigma foi identificada pelo Tribunal e registrada no voto condutor do Acórdão 1382/2018: "A prorrogação de contratos, atualmente, tem crescido de importância e sido utilizada cada vez mais como alternativa à licitação para produzir incentivos regulatórios em delegatários, seja para a promoção de investimentos, para a redução de tarifas, para o aumento do nível de qualidade e até para encerrar disputas judiciais pretéritas".

[4] Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Tribunal de Contas e Administração Pública, do curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direito Administrativo da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas  FGV, 2021, sob orientação do Professor Doutor Guilherme Jardim Jurksaitis e publicado em: ARMELIN, Heloísa. TCU e o controle das prorrogações portuárias: estudo dos casos TCP, Libra e Marimex. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 89-102, out./dez. 2021.

[5] Acórdão 1200/2020-PL.

[6] Acórdão 1171/2018-PL.

Autores

  • é advogada no escritório Tojal Renault Advogados, especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP e pós-graduanda em Direito Administrativo pela FGV.

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