Opinião

Um ano da Lei nº 14.133: a "tributatização" das licitações

Autor

20 de abril de 2022, 9h03

No dia 1º de abril, a nova Lei de Licitações completou um ano, ainda sem muitos exemplos da sua aplicação. Em parte, isso ocorre pela manutenção da vigência da legislação anterior, mas, em grande medida, a causa parece ser a pendência de regulamentação de itens importantes da lei, que delega para regulamento uma série de temas relevantes.

A opção pela delegação vinha acompanhada da recomendação para que essa tarefa fosse feita preferencialmente por um único ato normativo (provavelmente, um decreto). No entanto, o veto ao dispositivo abriu espaço para uma profusão de normas que irão, ao final, determinar a forma como a nova lei deverá ser aplicada.

Até o momento, faltando um ano para a revogação integral da legislação anterior, o cenário em termos regulatórios não parece alvissareiro. Ao contrário, demonstra haver pouca preocupação com a economia de atos normativos, sempre desejável diante do impacto que uma profusão de normas ocasiona na compreensão de um diploma legal. Tanto pior que boa parte da regulamentação no nível federal está sendo promovida mediante atos normativos administrativos, notadamente instruções normativas e portarias.

Caminha-se, assim, no sentido oposto da intenção de simplificar os atos normativos inferiores a decreto, assumida pelo próprio governo, no Decreto nº 10.139/2019. Há, por exemplo, propostas de duas instruções normativas distintas somente para regulamentar dois dos critérios de julgamento previstos na lei, isto é, apenas um tema da lei está sendo segregado em múltiplas normativas, retirando qualquer unidade na sua regulamentação.

A julgar pelos precedentes já editados pelo Ministério da Economia e aqueles que foram lançados em consulta pública, a expectativa é que a administração federal tenha um grande desafio ao lançar os seus editais de licitação, eis que deverá consultar uma profusão variada de normas infralegais apenas para entender de que maneira aplicar a nova lei. Aos particulares, é esperado igual desafio, porquanto a incompreensão dessa ampla gama de regulamentos poderá resultar em desvantagens competitivas, em prejuízos com a contratação e, eventualmente, na aplicação de sanções.

No limite, a se manter a profusão de regulamentos, a situação com as licitações e contratos administrativos no país será muito parecida com a que se experimenta em relação à legislação tributária, igualmente profícua em normas infralegais. Nos dois casos, aliás, é preciso dizer que a regulamentação é feita em cada estado e em cada município, o que só aumenta o custo de gerenciamento pela administração, indivíduos e empresas.

Vale dizer que a lei permite que estados e municípios editem regulamentos específicos, o que aumenta os esforços para aquele que se disponha a contratar com o governo. Nesse aspecto, aliás, a fragmentação adotada pela União é prejudicial a diversos municípios, que, à falta de estrutura própria para discussão e regulamentação, tendem a acompanhar a regulamentação federal, algo muito difícil de ser feito na realidade de multiplicidade de normas evidenciada na União.

A opção pela regulamentação fragmentada gera, enfim, problemas relacionados à segurança jurídica, decorrentes da instabilidade desses atos normativos, facilmente revogados. E mais, em alguns casos, é possível antever a discussão sobre os limites desses atos, que podem acabar extrapolando a sua função, para inovar em relação ao que predica o texto legal, de modo que os esforços de compreensão do volume excessivo de atos normativos tendem a ser contínuos, com a constante revisão desses atos, seja voluntariamente pela administração, seja em virtude de questionamentos quanto à legalidade.

Ainda há tempo de reverter essa situação. Nos próximos doze meses, é possível adotar uma postura mais diligente com a unidade normativa e, por conseguinte, com a segurança jurídica. Ao invés de editar inúmeros atos, melhor seria se a União optasse por um único decreto, ao menos para preencher as lacunas de conteúdo do texto legal, deixando para atos normativos específicos apenas os procedimentos internos, de organização administrativa. A opção feita até aqui, certamente, não é a mais adequada para permitir a correta interpretação e aplicação da Lei nº 14.133/2021.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!