Opinião

Fusão e incorporação de partidos são hipóteses de justa causa para desfiliação?

Autor

  • Jéssica Silva Pires dos Santos

    é especialista em Direito Eleitoral pela Faculdade Damásio membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e analista judiciária no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso.

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19 de abril de 2022, 11h18

Até poucos dias, as cortes eleitorais receberam muitas ações judiciais de políticos pleiteando a desfiliação partidária sem a perda do mandato eletivo, já que o prazo final para filiação partidária para as eleições que se avizinham se encerrou em 2 de abril.

E essa crescente demanda se deu justamente em razão da recente fusão entre o Partido Democratas (DEM) e o Partido Social Liberal (PSL), formando o Partido União Brasil.

Na maioria das demandas, as partes autoras sustentam que a fusão e a incorporação de partidos constituem justa causa para desfiliação partidária com fundamento no artigo 1º, §1º, inciso II, da Resolução TSE nº 23.610/2007.

Até o ano de 2015, as hipóteses de justa causa para desfiliação partidária eram elencadas no artigo 1º, §1º, incisos I ao IV, da Resolução TSE 23.610/2007, sendo elas: I. incorporação ou fusão do partido; II  criação de novo partido; III  mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; IV  grave discriminação pessoal.

Ocorre que, com a reforma eleitoral promovida pela Lei 13.165/2015, foi inserido o artigo 22-A, na Lei 9.096/95, o qual aborda expressamente as hipóteses de desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo, acarretando, assim, a derrogação tácita e parcial da Resolução TSE 22.610/2007, como defendem José Jairo Gomes e Rodrigo López Zilio [1] [2].

Desse modo, segundo o artigo 22-A, da Lei 9.096/95, consideram-se justa causa para a desfiliação partidária: 1) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; 2) grave discriminação política pessoal; 3) mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

E, mais recentemente, a Emenda Constitucional nº 111/2021 acrescentou a carta de anuência do partido como justa causa para desfiliação partidária.

Da simples leitura dos dispositivos legais e constitucionais, percebe-se que a fusão e a incorporação do partido, assim como a criação de novo partido, antes previstas na Resolução TSE nº 22.610/2007, deixaram de ser hipóteses de justa causa para desfiliação partidária.

Não obstante isso, o Tribunal Superior Eleitoral, nos autos nº 0600027-90.2021.6.000000, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, entendeu, por maioria, que "a incorporação de um partido em outro fulmina toda ou, quando menos, substancialmente, a ideologia da agremiação incorporada que, afinal, deixa de existir", o que justifica a desfiliação por mudança substancial do programa partidário com fundamento no inciso I, do artigo 22-A, da Lei 9.096/95 [4].

Com efeito, embora fusão e a incorporação de partidos não sejam mais reconhecidos como justa causa para desfiliação partidária, a Corte Superior Eleitoral tem admitido o seu enquadramento na hipótese de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário a justificar a troca de partidos sem a perda do mandato eletivo.

Nessa mesma linha, há recentes decisões monocráticas de Tribunais Regionais Eleitorais, concedendo, liminarmente, a justa causa para parlamentares deixarem os partidos devido à fusão ou incorporação, mas com fundamento na mudança substancial do programa partidário.

Contudo, parece-me que essas decisões provisórias, em princípio, vão de encontro à consolidada jurisprudência do TSE no sentido de que "não cabe no procedimento veiculado pela Res. TSE 22610/2007 a antecipação dos efeitos da tutela". E a dúvida que surge é se essas decisões são reversíveis? [5]

Sem embargos esses precedentes, a meu sentir, a questão da justa causa para desfiliação partidária devido à fusão ou incorporação de partidos com argumento na mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário deve ser vista com cautela e analisada no caso concreto, e não de forma objetiva e indistinta para todos os casos, sob pena de esvaziamento do instituto da fidelidade partidária.

No caso de pedido de desfiliação do partido político incorporado, este deixa de  existir e passa a ser submetido às normas, ao ideário e aos programas do partido incorporador, o que justifica o abandono da legenda sem a perda do mandato eletivo.

Por outro lado, no caso de pedido de desfiliação do partido político incorporador ou, ainda, no caso de fusão de partidos, em que o novo programa é fruto de um consenso entre os integrantes das agremiações, comungo do entendimento de que de ser analisado no caso concreto se houve a efetiva mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário para justificar a saída do partido para o qual foi eleito sem incorrer em perda do mandato eletivo.

[1] Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2020. p 157.
[2] Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 7 ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p 153.
[3] Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental na Petição Cível Nº 0600027-90.2021.6.00.0000  Rio de Janeiro. Relator: ministro Alexandre de Moraes. Publicado no DJE nº 24/2022, de 17 de fevereiro de 2022.
[4] Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Ação de Justificação de Desfiliação Partidária nº 0600084-51.2022.6.26.0000 (PJe)  Santa Fé do Sul – SP. Relator: Juiz José Horácio Halfeld. Julgado em 31 de março de 2022.
[5] Tribunal Superior Eleitoral. PET: 5749220156000000 Brasília/DF, relatora: ministra Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Data de Julgamento: 15/12/2015, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico — 03/02/2016  Página 134-135.

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