Opinião

Embargos de declaração em tribunal de contas têm efeito suspensivo ou interruptivo?

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13 de abril de 2022, 17h04

No âmbito dos processos judiciais, o caput do artigo 1.026 do CPC estabelece claramente que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso, razão pela qual o prazo de 15 dias úteis comum aos recursos é recontado do início mesmo que os embargos aclaratórios sejam opostos no quinto dia útil (único recurso que possui tal prazo de impetração diga-se).

Tivessem os embargos de declaração efeito suspensivo e não interruptivo, o prazo recursal do recurso subsequente ao invés de reiniciar, levaria em consideração os dias que transcorreram antes da oposição dos aclaratórios.

E no âmbito dos processos de contas? Dentro deste regime próprio, quais são os efeitos dos embargos de declaração?

Bom, exceto pelo Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, todos os Tribunais de Contas permitem o emprego de embargos de declaração e, em 11 deles [1], tal tipo de recurso adere ao modelo do CPC/2015 e possui efeito interruptivo.

Nos outros 21 [2] Tribunais de Contas, dentre eles o TCU, os embargos de declaração possuem efeito suspensivo.

Em que pese a expressa previsão contida em sua Lei Orgânica, não poucas vezes o TCU se viu sob a necessidade de se pronunciar sobre os efeitos dos embargos de declaração cabíveis nos processos sob sua jurisdição, como por exemplo na decisão que restou consignada pelo plenário daquela Corte de Contas no Acórdão 556/2022 proferido no Processo 016.531/2007-2 conforme se pode ver a seguir:

"No âmbito do TCU, diferentemente da disciplina do CPC (artigo 1.026), os embargos de declaração suspendem o prazo para a interposição dos demais recursos, não havendo interrupção da contagem (artigo 34, §2º, da Lei 8.443/1992 c/c artigo 287, §3º, do Regimento Interno do TCU). As regras próprias e específicas do processo de controle externo prevalecem sobre as normas processuais comuns".

Mas, faz sentido que os embargos de declaração nos Tribunais de Contas tenham efeito suspensivo ao invés de efeito interruptivo?

Nos autos do Processo 016.531/2007-2, antes da prolação do Acórdão 556/2022, o Ministério Público de Contas se manifestou no sentido de que os embargos de declaração fossem admitidos como detentores de efeito interruptivo e não suspensivo no âmbito do TCU.

Ressaltou o MPCO, que desde a Lei 8.950/1994, o artigo 538 do CPC de 1973 (revogado pelo atual de 2015) já estabelecia que os embargos de declaração possuíam efeito interruptivo e não suspensivo e que a aplicação do modelo já consagrado no sistema processual seria menos gravosa para os jurisdicionados do TCU.

Algo que não foi abordado pelo MPCO, mas que certamente fortalece seus argumentos é o disposto no artigo 15 do Código de Processo Civil, pois ao estabelecer que na ausência de normas que regulem processos administrativos, as suas disposições lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente, o referido dispositivo amplia em muito a premência de os Tribunais de Contas passarem todos a conferirem, mesmo que por construção jurisprudencial, efeito interruptivo aos seus embargos de declaração.

Algo que não foi abordado pelo MPCO, mas que certamente fortalece seus argumentos é o disposto no artigo 15 do Código de Processo Civil, pois ao estabelecer que na ausência de normas que regulem processos administrativos, as suas disposições lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente, o referido dispositivo amplia em muito a premência de os Tribunais de Contas passarem todos a conferirem, mesmo que por construção jurisprudencial, efeito interruptivo aos seus embargos de declaração.

Veja, como bem esclarece Susy Cavalcante Koury [3], na aplicação subsidiária, até "existe texto normativo para o caso, mas sua aplicação não conduz a um resultado adequado".

Ora, ante ao fato de o modelo adotado processualmente em larga escala abraçar o emprego de embargos de declaração dotados de efeito interruptivo desde 1994, já mostra quão inadequada é a manutenção do efeito suspensivo nos embargos dos Tribunais de Contas que o adotam.

Num contexto processual largamente impregnado pelos valores constitucionais, pugna-se pela ampliação de garantias dentro do processo e não em sua mitigação.

E sendo evidentemente mais gravoso que o efeito interruptivo, o efeito suspensivo dos embargos é claramente aquém do que exige um processo que vise amplificar garantias processuais.

Assim, por força do artigo 15 do CPC, o seu artigo 1.026 há de subsidiar uma utilização dos embargos de declaração por parte dos jurisdicionados dos Tribunais de Contas que seja consentânea ao padrão-geral previsto no que podemos chamar de tronco principal do direito processual pátrio.

Militar em sentido contrário, mesmo que apoiado em expressa disposição legal, é seguir abraçado a um modelo anacrônico, abandonado desde 1994 e que não reflete o zeitgeist do ambiente processual pós-CF/88, razão pela qual é urgente que os Tribunais de Contas que ainda não conferem efeito interruptivo aos seus embargos de declaração, infelizmente a maioria, passem a fazê-lo imediatamente pela via pretoriana independentemente, portanto, de uma desejável e necessária mudança legislativa.


[1] TC/ES (artigo 167, §2º, Lei Complementar nº 621/2012), TC/MA (artigo 138, §3º, Lei nº 8.258/2005), TC/MG (artigo 106, parágrafo único, Lei Complementar nº 102/2008), TC/MS (artigo 70, §2º, Lei Complementar nº 160/2012), TC/MT (artigo 69, §1º, Lei Complementar nº 269/2007), TC/PB (artigo 34, §2º, Lei Complementar nº 18/1993), TC/PE (artigo 81, §2º, Lei nº 12.600/2004), TC/PR (artigo 76, §2º, Lei Complementar nº 113/2005), TC/RS (artigo 129, §1º do Regimento Interno), TCM/RJ (artigo 57, §2º, Lei nº 289/1981) e TCM/SP (artigo 145 do Regimento Interno).

[2] TCU (artigo 34, §2º, Lei nº 8.443/1992), TCDF (artigo 35, §2º, Lei Complementar nº 01/1994), TC/AC (artigo 69, §2º, Lei Complementar nº 38/1993), TC/AL (artigo 54, § 2º, Lei nº 5.604/1994), TC/AM (artigo 63, §2º, Lei nº 2.423/1996), TC/AP (artigo 59, §2º, Lei Complementar nº 10/1995), TC/BA (artigo 229, parágrafo único do Regimento Interno), TC/CE (art. 105, § 3º do Regimento Interno), TC/GO (artigo 127, § 2º, Lei nº 16.168/2007), TC/PA (art. 77, Lei Complementar nº 81/2012), TC/PI (artigo 155, §2º, Lei nº 5.888/2009), TC/RJ (artigo 71, parágrafo único, Lei Complementar nº 63/1990), TC/RN (artigo 125, §4º, Lei Complementar nº 464/2012), TC/RO (artigo 33, § 2º, Lei Complementar nº 154/1996), TC/RR (artigo 34, §2º, Lei Complementar nº 006/1994), TC/SC (artigo 78, § 2º, Lei Complementar nº 202/2000), TC/SE (artigo 76, §2º, Lei Complementar nº 205/2011), TC/SP (artigo 69, Lei Complementar nº 709/1993), TC/TO (artigo 58, Lei nº 1.284/2001), TCdosM/GO (artigo 39, §2º, Lei nº 15.958/2007) e TCdosM/PA (artigo 82, §2º, Lei Complementar nº 109/2016).

[3] (Koury, Susy Cavalcante, "As repercussões do novo Código de Processo Civil no direito do trabalho: avanço ou retrocesso", Revista TST, vol. 78, nº 3, pág. 257, jul.-set./2012 Apud Schmitz, Leonard Ziesemer e Carvalho, Nathalia Gonçalves de Macedo Carvalho, "Influência didática e normativa do Novo Código de Processo Civil sobre a Lei nº 9.009/95", Novo Código de Processo Civil: Impactos na Legislação Extravagante e Interdisciplinar, vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 297)

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