Opinião

A filmagem consentida pelo adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica

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12 de abril de 2022, 9h17

O cenário jurídico criminal atual demonstra, cada vez mais, que a incidência de crimes sexuais contra crianças e adolescentes cresce demasiadamente em todas as suas vertentes e o desconhecimento de certos tipos penais faz com que muitas coisas sejam ditas aos quatro ventos sem nenhum critério técnico.

Neste esboço vamos tratar do crime que está previsto no caput do artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com foco específico no seu verbo "FILMAR", onde figurará, somente, o adolescente com idade igual ou superior a 14 anos.

"Artigo240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: (redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena  reclusão, de quatro a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)".

Pois bem, pela letra fria da lei, qualquer filmagem de cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente incidirá no crime acima, porém, ousamos discordar e vamos expor os nossos argumentos. Há de ressaltar, oportunamente, que estamos tratando de filmagem consentida, pois em caso de não consentimento o crime restará configurado.

O consentimento que nós nos referimos aqui, obviamente, é o do adolescente com 14 anos ou mais, não se falando em consentimento válido quando a vítima possuir idade inferior a 14 anos, pois, como já é pacífico em nosso ordenamento jurídico, o menor de 14 anos em matéria criminal sexual é absolutamente vulnerável.

Fundamenta o nosso posicionamento o §5º do artigo 217-A do Código Penal, onde sua leitura é importante para melhor compreensão do tema que falaremos ao longo deste:

"Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena — reclusão, de oito a 15 anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
(…)
§5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)".

Isto posto, passamos a analisar o contexto da tipicidade penal do artigo 240 do ECA em conjunto com o artigo 217-A do Código Penal para que possamos extrair o máximo de informações a seu respeito e, consequentemente, fazer a sua correta aplicação no caso concreto evitando, assim, pirotecnias jurídicas tão presentes no nosso dia-a-dia.

Certo é que a relação sexual consensual entre um adolescente com 14 anos ou mais com uma pessoa também com idade partindo de 14 anos não é crime, pouco importando se um adolescente de 14 anos se relaciona, por exemplo, com uma pessoa de 50. Muitos podem achar imoral, amoral e bizarro, porém, crime não é!

Assim sendo, devemos ter a sensibilidade de analisar a proporcionalidade de uma filmagem de cena de sexo consensual com a de uma relação sexual propriamente dita. Explicamos.

Imaginemos a seguinte situação: um casal formado por uma pessoa de 40 e outra de 16 anos filma, consensualmente, sua relação sexual. Pela letra fria da lei do artigo 240 do ECA, o fato é típico, ou seja, o crime estará caracterizado em face da pessoa de 40 anos pelo fato da filmagem do ato sexual ter sido realizada com um adolescente figurando na cena de sexo explícito entre eles. Por outro lado, a própria relação sexual não é crime, sendo fato atípico, pois a vulnerabilidade sexual do adolescente estabelecida pelo Código Penal é abaixo dos 14 anos, conforme discrimina o artigo 217-A que já vimos anteriormente e reproduzimos, novamente, abaixo:

"Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Artigo 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de oito a 15 anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)".

Dessa forma, parece-nos completamente desproporcionais os tipos penais no que se referem à conduta praticada e a registrada, pois ter relação sexual consensual com adolescente que tenha 14 anos ou mais não é crime, entretanto, é crime filma-lo dentro do contexto que estamos abordando. No exemplo citado a pessoa responderia pelo crime previsto no artigo 240 do ECA por ter filmado a relação sexual, mas não responderia por ter tido a mesma relação.

Não podemos perder de vista que o tipo penal do artigo 240 do ECA tutela a integridade física, psíquica e moral  aqui no nosso exemplo  do adolescente, porém, dentro daquilo que estamos trazendo, na situação específica do seu consenso, não entendemos como afronta à tutela estabelecida pela lei.

Como bem pontua o professor e desembargador do TJ-SP Guilherme de Souza Nucci, a proporcionalidade indica harmonia e a boa regulação de um sistema, abrangendo, em direito penal, particularmente, o campo das penas (Curso de direito penal: parte geral: artigos 1º ao 120 do Código Penal / Guilherme de Souza Nucci.  Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 109).

Não nos parece proporcional existir um crime com sanção de até oito anos de reclusão punindo a filmagem consentida de um adolescente em cena de sexo ou pornográfica enquanto a própria relação sexual consentida não é crime.

O nosso posicionamento também encontra guarida na doutrina do professor Fernando Capez, que em seu entendimento diz que: "quando a criação do tipo não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o princípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada do ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade. Além disso, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar proporção com o mal infligido ao corpo social. Deve ser proporcional à extensão do dano". (Curso de direito penal, volume 1, parte geral: (artigos 1º ao 120) / Fernando Capez.  15. ed. — São Paulo : Saraiva , 2011. p. 40).

Mais uma vez, para não haver nenhuma outra interpretação daquilo que estamos trazendo, insistimos que a discussão se limita, única e exclusivamente, na filmagem do ato sexual consentida pelo adolescente com 14 anos ou mais.

Certamente que se a pessoa fizer uso diverso do material como divulgar a terceiros, incorrerá no artigo 241-A do ECA, porém, enquanto o material filmado se restringir aos participantes da cena, s.m.j, entendemos que não há o crime do artigo 240 na modalidade "filmar" por total respeito e aplicação do princípio da proporcionalidade. Vale a observação de que o armazenamento de material pornográfico infantil é crime previsto no artigo 241-B do ECA e não vamos nos estender sobre o tema, entretanto, também entendemos que se o armazenamento do material for dentro do contexto que estamos trazendo, o fato será atípico.

Não nos parece justo que o adolescente com 14 anos ou mais possa ter discernimento estabelecido por lei para manter relações sexuais ou praticar quaisquer atos libidinosos com quem quer que seja e quando este consentir em ser filmado em uma relação sexual possa figurar como vítima. Como ficaria uma filmagem em que dois adolescentes, um de 15 e outro de 16, resolvessem se filmar num ato sexual?

Pela lei, ambos cometeriam a infração penal, pois o artigo 240 do ECA não diz que a penalidade será aplicada somente para aquele que for maior de idade. Será que o fim para com o qual o artigo de lei fora criado seria atendido com ambos os adolescentes respondendo "criminalmente" por ato infracional equiparado ao crime do artigo 240 ECA? Fica a reflexão.

Observando o artigo 241-E do ECA, este vai contra o nosso entendimento, pois ao estabelecer que "qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícita", engloba, também, a situação que entendemos que o crime não restará configurado:

"Artigo 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais" (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008).

Por fim, como o direito é um conjunto de normas que visa regulamentar o comportamento humano e está em constante mutação, necessário se faz discutir temas estabelecidos com a finalidade de, cada vez mais, adequá-los aos momentos de transformação da sociedade.

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