Opinião

Programa emergencial de emprego e renda: fiscalização fora da lei

Autor

  • Eduardo Caringi Raupp

    é advogado sócio fundador do escritório Raupp Moreira Advogados mestre em Processo Civil pela PUC-RS professor convidado de pós-graduação em Direito do Trabalho nas instituições Unisinos Imed UniRitter e Feevale membro da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RS e ex-presidente da SATERGS (gestão 2015/2017).

9 de abril de 2022, 10h18

Por meio da Medida Provisória nº 936/20, posteriormente convertida na Lei nº 14.020/20, o governo federal institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda. Em apertada síntese, foram estabelecidas três medidas complementares: 1) o pagamento do benefício emergencial; 2) a redução proporcional da jornada e de salário; e 3) a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Com efeito, o programa foi crucial para a retenção de empregos no ápice dos efeitos nefastos da pandemia. Um verdadeiro ponto fora curva, pois num cenário de constantes disputas ideológicas, houve consenso sobre seu êxito enquanto política ativa de mercado de trabalho. Diante do confinamento, a redução de jornada e a suspensão dos contratos de trabalho tornaram-se impositivas para atividades cujo teletrabalho era inviável. De outro lado, a compensação financeira estatal (auxílio emergencial) foi definitiva na preservação da renda.

Entretanto, inobstante a tentativa de manutenção dos empregos, ao final da redução da jornada ou da suspensão contratual muitos empregadores não tiveram outra alternativa senão a de demitir seus trabalhadores, já que infelizmente a retomada da atividade econômica não foi imediata.

Ocorre que o artigo 10 da Lei nº 14.020/20 reconheceu a garantia provisória no emprego pelo período equivalente ao acordado para a respectiva redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho. Vejamos:

"Artigo 10. Fica reconhecida a garantia provisória no emprego ao empregado que receber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, previsto no artigo 5º desta Lei, em decorrência da redução da jornada de trabalho e do salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho de que trata esta Lei, nos seguintes termos:
I – durante o período acordado de redução da jornada de trabalho e do salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho;
II – após o restabelecimento da jornada de trabalho e do salário ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão; e
III – no caso da empregada gestante, por período equivalente ao acordado para a redução da jornada de trabalho e do salário ou para a suspensão temporária do contrato de trabalho, contado a partir do término do período da garantia estabelecida na alínea 'b' do inciso II do caput do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".

Seu parágrafo primeiro, de outra parte, estabeleceu indenizações específicas, considerando o percentual de redução ou a suspensão. O dispositivo legal é de clareza solar:

"§1º A dispensa sem justa causa que ocorrer durante o período de garantia provisória no emprego previsto no caput deste artigo sujeitará o empregador ao pagamento, além das parcelas rescisórias previstas na legislação em vigor, de indenização no valor de:
I – 50% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 25% e inferior a 50%;
II – 75% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 50% e inferior a 70%; ou
III – 100% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual igual ou superior a 70% ou de suspensão temporária do contrato de trabalho".

Assim, na hipótese de demissão do trabalhador sem justa causa na vigência da garantia provisória no emprego lhe seria devida a respectiva indenização.

Alguns auditores fiscais do trabalho, todavia, estão lavrando autos de infração contra empresas nesta situação, mesmo tendo havido o pagamento da indenização devida. Sustentam que o pagamento da indenização não elide a ilegalidade praticada pela dispensa no período da garantia.

Com todo o respeito, esta interpretação contraria a literalidade do texto normativo. Ora, o parágrafo único do artigo 10 é inequívoco ao estabelecer a indenização como penalidade ao descumprimento da garantia prevista no caput.

Diferentemente das demais garantias provisórias previstas em lei, aqui a lei expressa a conversão em indenização. Portanto, se houve a dispensa no período da garantia provisório e o respetivo pagamento da indenização o empregador nada mais fez do que cumprir o texto legal.

Parece incrível, mas auditores fiscais estão apontando ilegalidade no estrito cumprimento da lei! Como diria Tim Maia, "este país não pode dar certo, aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúmes, traficante se vicia" e, acrescento eu, auditor fiscal atua fora lei.

Autores

  • é sócio do escritório Flávio Obino Fº Advogados Associados, mestre em Processo Civil pela PUC-RS, professor convidado de pós-graduação em Direito do Trabalho nas instituições Unisinos, Imed, UniRitter e Feevale, membro da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RS e ex-presidente da SATERGS (gestão 2015/2017).

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