Opinião

A posição da escola nas questões relativas à guarda de menor

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8 de abril de 2022, 17h02

Os estabelecimentos de ensino de crianças e adolescentes, responsáveis pela proteção e vigilância do menor enquanto este se encontrar em suas dependências, não raramente se deparam com a seguinte situação: os pais do aluno menor, sendo divorciados, estão submetidos ao regime de guarda unilateral ou compartilhada, e um deles exige que a escola proíba ou limite a visitação ou a retirada do menor pelo outro genitor, com fundamento nas regras do regime de guarda adotado.

Então surge a dúvida para o gestor educacional: a escola estaria obrigada a atender a solicitação deste pai ou desta mãe, seja por força do contrato de prestação de serviços celebrado, ou mesmo por força da decisão judicial que estabeleceu as regras do regime de guarda?

É o que se pretende esclarecer neste breve artigo.

Dos direitos e deveres decorrentes do Poder Familiar
Primeiramente, importante destacar a distinção entre os institutos jurídicos do poder familiar e do regime de guarda judicial.

O poder familiar, que investe a ambos os genitores, decorre da própria filiação, e independe da situação conjugal. O poder familiar atribui aos genitores determinados deveres e também direitos conexos a tais deveres. Nesse sentido, o artigo 229 da Constituição Federal estatui o dever dos pais de educar os seus filhos menores:

"Artigo229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."

Atrelado ao dever de educação dos pais, a legislação civil também lhes confere o direito de dirigir a educação dos filhos, independentemente da situação conjugal (artigo 1.634 do Código Civil):

"Artigo 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos
I – dirigir-lhes a criação e a educação;"

Da mesma forma, o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente atribui aos pais o dever de educação dos filhos:

"Artigo 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais".

O poder familiar somente pode ser destituído em situações excepcionais, que não se relacionam com a situação conjugal. São elas a morte dos pais ou do filho, a emancipação, maioridade, adoção ou decisão judicial (artigo 1.635 do Código Civil).

O regime de guarda, por sua vez, é matéria diretamente relacionada à situação conjugal, situando-se, no Código Civil, logo após o capítulo referente à Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal, com a previsão de guarda unilateral ou compartilhada (artigo 1.583 do Código Civil):

"Artigo 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (artigo 1.584, §5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns".

Em breve síntese, o direito de guarda consiste no instituto jurídico por meio do qual se atribui a uma pessoa  o guardião  um complexo de direitos e deveres a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, em virtude de lei ou decisão judicial. Sendo assim, a guarda é, ao mesmo tempo, um direito e um dever dos pais.

Independentemente do regime de guarda, contudo, e em virtude da manutenção do poder familiar, ambos os genitores preservam determinadas prerrogativas relativamente aos seus filhos. Exemplificativamente, mesmo no regime da guarda unilateral, o genitor não guardião terá o dever e o direito de lhe fiscalizar a educação e obter informações da instituição de ensino responsável pela educação e custódia do menor (artigo 1.583, §3º, do Código Civil):

"§5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos".

Em decorrência deste direito, o artigo 1.584, §6º, do Código Civil, estabelece o dever das instituições de ensino em prestar informações aos genitores, independentemente do regime de guarda:

"§6º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200 a R$500 por dia pelo não atendimento da solicitação".

Observe-se, neste ponto, que o dever que a escola tem de prestar informações aos genitores sobre a educação de seu filho menor decorre do poder familiar e possui fundamento legal, independentemente do liame negocial originado a partir do contrato de prestação de serviços educacionais.

O artigo 1.589 do Código Civil, por sua vez, prevê o direito do genitor que não detenha a guarda dos filhos de fiscalizar a sua educação, bem como de visitá-lo, conforme seja acordado com o outro genitor, ou nos termos da decisão judicial:

"Artigo 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação".

Certo é, contudo, que o direito de visitação e de ter o menor em sua companhia será restringido nos casos de guarda unilateral, e as regras adotadas na guarda compartilhada comumente implicará na divisão do tempo em que o menor deverá estar em companhia de cada um dos genitores.

Neste contexto, surge a problemática referente à visitação ou retirada do menor sujeito à vigilância da escola pelo genitor com restrições relativamente a tais atos em decorrência das regras do regime de guarda adotado. A seguir, passa-se a tratar da questão da obrigatoriedade de observância, pela escola, das referidas regras de restrição, e da consequente possibilidade de obstar a visitação ou retirada do menor pelo genitor não guardião.

Da eficácia subjetiva das decisões judiciais
Considerando que o regime de guarda unilateral ou compartilhada é estabelecido por meio de comando judicial, ou de acordo homologado em juízo, a análise acerca da obrigatoriedade de observância das regras do regime de guarda pela instituição de educação perpassa pela análise acerca da eficácia subjetiva  isto é, dos sujeitos submetidos aos efeitos  das decisões judiciais.

O que ocorre é que, salvo em situações excepcionais, as decisões judiciais vinculam apenas as partes envolvidas no litígio judicial, conforme infere do artigo 506 do Código de Processo Civil.

"Artigo 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros".

Neste sentido, a decisão judicial  ou homologação judicial de acordo  que estabelece o regime de guarda produz efeitos entre as partes envolvidas no processo de dissolução do vínculo conjugal ou de guarda. Notadamente, sem que tenha havido ordem judicial dirigida à escola, esta não está obrigada ao cumprimento de qualquer das regras do regime de guarda adotado, incluindo aquelas relativas à restrição de visita ou retirada do menor das dependências da escola.

Disto decorre que a mera solicitação, por parte de um dos genitores à escola, quanto à adoção de medidas de restrição de visitação ou retirada do menor pelo outro genitor  ainda que em conformidade com o estabelecido no regime de guarda adotado  não obriga a instituição de educação a adotar tais medidas restritivas.

Mais do que isto, observe-se que é possível que haja alteração ou revogação do regime de guarda adotado, sendo irrazoável exigir-se da escola que verifique, a todo tempo, a manutenção dos efeitos das regras levadas ao seu conhecimento, informalmente, pelos genitores.

Desta forma, considerando que o estabelecimento escolar não é destinatário das regras do regime de guarda do menor, também não há que se falar em qualquer descumprimento de decisão judicial consistente, por exemplo, no fato de a escola permitir a visita ou retirada do menor pelo genitor não guardião.

Eventual descumprimento das regras do regime de guarda, por um dos genitores, consistente na indevida visitação ou retirada do menor do estabelecimento escolar, deverá ser objeto de comunicação ao Poder Judiciário pela parte prejudicada, estando a escola autorizada, em tais casos, a fornecer documentos que atestem o histórico de acesso de cada genitor ao menor, caso seja solicitada.

Por outro lado, deve-se avaliar a legalidade e a conveniência da adoção de medidas coercitivas, pela escola, para impedir o acesso ao menor pelo genitor em possível desacordo com as regras estabelecidas no regime de guarda.

Por fim, vale pontuar que a adoção de medidas que impeçam, de modo coercitivo, o acesso de genitor ao estabelecimento de ensino, ou mesmo forcem a sua saída, tem o potencial de ocasionar transtornos à integridade psicológica e emocional do menor, além dos demais alunos que frequentam o local.

Ora, os artigos 17 e 18 do Estatuto de Criança e do Adolescente consagram, entre os direitos básicos da criança e dever de todos, o zelo pela integridade psíquica e a proteção do menor de situações potencialmente constrangedoras:

"Artigo 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
 Artigo 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor".

Sendo a assim, seja qual for a situação, a busca pelo diálogo e mediação se mostram mais eficazes e menos gravosos ao menor envolvido.

Conclusão
Diante do exposto, à luz do ordenamento jurídico vigente, conclui-se que:

a) O regime de guarda decorrente da situação conjugal não extingue os direitos e deveres de ambos os pais em relação à criança, decorrentes do poder familiar dos genitores;

b) Salvo em caso de ordem judicial específica dirigida à escola, esta não se obriga a cumprir ou fazer cumprir as regras relativas ao regime de guarda do menor constante em decisão judicial ou acordo homologado em juízo;

c) Eventual descumprimento das regras do regime de guarda, por um dos genitores, consistente na indevida visitação ou retirada do menor do estabelecimento escolar, deverá ser objeto de comunicação ao Poder Judiciário pela parte prejudicada, estando a escola autorizada, em tais casos, a fornecer documentos que atestem o histórico de acesso de cada genitor ao menor, caso seja solicitada.

d) Não é recomendável a adoção de medidas coercitivas para impedir o acesso ou promover a retirada de um genitor do estabelecimento, sob pena de transtornos psíquicos consideráveis ao menor e demais alunos.

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