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Quatro ministros votam contra decreto que excluiu sociedade de conselho ambiental

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7 de abril de 2022, 20h15

O Estado tem o dever de proteger o meio ambiente e de assegurar a participação da sociedade na formulação de políticas públicas para o setor. Com esse entendimento, quatro ministros do Supremo Tribunal Federal votaram, nesta quinta-feira (7/4), para declarar a inconstitucionalidade do artigo 5º do Decreto 10.224/2020. A norma, editada pelo presidente Jair Bolsonaro, exclui a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA).

Beto Barata/PR
Cármen Lúcia apontou que a coletividade tem o dever de preservar o meio ambiente
Beto Barata/PR

Além disso, os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes se posicionaram pela inconstitucionalidade do Decreto 10.223/2020, que extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia, e do Decreto 10.239/2020 no ponto em que afastou a participação de governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal. O ministro André Mendonça entendeu que a análise deveria se restringir ao Decreto 10.224/2020. O julgamento será retomado no próximo dia 20.

A ação foi proposta pelo partido Rede Sustentabilidade, a princípio apenas contra o Decreto Presidencial 10.224/2020. Posteriormente, a legenda aditou o pedido inicial para impugnar também os Decretos 10.223/2020 e 10.239/2020.

A relatora do caso, Cármen Lúcia, votou para aceitar o aditamento e analisar a constitucionalidade dos três decretos. A ministra apontou que a democracia brasileira, conforme a Constituição, não é apenas formal e deve contar com a participação popular.

Cármen apontou que o artigo 225 da Constituição impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender o meio ambiente. E o inciso VI do dispositivo obriga o Estado a "promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente".

De acordo com a relatora, a coletividade só pode exercer seu dever de proteção do meio ambiente se puder participar da formulação de políticas públicas. "A eliminação da sociedade civil (dos conselhos) evidencia uma centralização, que seria antidemocrática, o que deslegitima as ações estatais, em ofensa ao princípio da participação popular", avaliou a ministra.

Ela também ressaltou que a supressão dos governadores do Conselho Nacional da Amazônia Legal contraria o princípio federativo. E declarou que o princípio da proibição do retrocesso impede a exclusão da sociedade civil dos conselhos que formulam políticas ambientais.

Ricardo Lewandowski opinou que os decretos restringem a democracia participativa e o princípio federativo. "Há inaceitável retrocesso com relação ao direito fundamental ao meio ambiente".

Nessa mesma linha, Alexandre de Moraes destacou que a Constituição Federal de 1988 elaborou o sistema de proteção ao meio ambiente com base na participação da sociedade. Tanto que é possível contestar medidas que possam impactar tal direito via ação popular e ação civil pública.

Restrição a um decreto
André Mendonça entendeu que o aditamento da ação não era viável, pois a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República não puderam manifestar sua opinião sobre os Decretos 10.223/2020 e 10.239/2020, o que violaria os princípios do contraditório e da ampla defesa.

No mérito, o ministro seguiu o voto da relatora, avaliando que o Estado não pode suprimir a participação da sociedade na elaboração de políticas públicas.

O ministro Nunes Marques abriu a divergência, votando tanto para negar o aditamento da ação quanto o pedido de mérito.

Em sua análise, a alteração na estrutura do conselho deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente é uma opção legítima do Executivo, que não implica aumento de despesas, nem extinção de órgãos.

Conforme Nunes Marques, não há ilegalidade ou inconstitucionalidade no Decreto 10.224/2020. Afinal, a norma apenas alterou a estrutura de um conselho, que não tem forma definida por lei. Dessa maneira, cabe ao presidente estabelecê-la, segundo ele.

O ministro também disse que o princípio da proibição do retrocesso não pode ser invocado para questionar qualquer alteração normativa da qual se discorde. O magistrado ainda afirmou que, caso o STF anule a norma, pode abrir um precedente que iniba governantes a ampliar a participação social em conselhos. Afinal, feito isso, não poderiam voltar atrás, sob pena de terem a medida questionada no Supremo.

Cármen Lúcia contestou o argumento de Nunes Marques. A relatora ressaltou que seu voto não impede o presidente de diminuir ou aumentar, mas apenas de suprimir a participação da sociedade em conselhos.

ADPF 651

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