Tribuna da Defensoria

Reflexos da pena de multa no judiciário e no status civitatis do condenado

Autores

  • Diego de Azevedo Simão

    é autor do livro "Lei de Execução Penal comentada e anotada" publicado pela editora D'Plácido. Defensor público em Rondônia. Mestre em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça pela Unir. Especialista em direito processual penal. Especialista em Direitos Humanos. Especialista em Direito de Execução Penal. Membro do Ibep (Instituto Brasileiro de Execução Penal). Membro do IDPR (Instituto de Direito Processual de Rondônia). Membro do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

  • Jaime Leônidas Miranda Alves

    é defensor Público do Estado de Rondônia. Ex-defensor público do Amapá mestrando em Direito pela Univali (Universidade do Vale do Itajaí) professor universitário. especialista em Direito Público pela PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e em Direito Constitucional pela Ucam (Universidade Cândido Mendes).

5 de abril de 2022, 8h00

Em outra oportunidade, enfrentamos a questão da pena de multa como condição para a declaração judicial de extinção da punibilidade sob a ótica das pessoas hipossuficientes assistidas pela Defensoria Pública, sustentando que, naquelas hipóteses, deve-se presumir a impossibilidade econômica de adimplemento [1].

Neste artigo, a exigência do adimplemento da pena de multa por parte da pessoa hipossuficiente como requisito necessário à extinção da punibilidade é analisada sob topoi distintos. Questiona-se, agora, se a exigência é juridicamente razoável, partindo de ponto de vista impactos humanitário e também dos reflexos sofridos pelo sistema de Justiça.

Do ponto de vista humanitário, deve-se analisar as consequências da não declaração de extinção da punibilidade em razão do inadimplemento da multa. Primeiro, o aspecto mais óbvio: não cumprida a pena, não se inicia o prazo depurador da reincidência. Tampouco corre o prazo para a reabilitação criminal.

Vale dizer, o agente, ainda que cumprida integralmente a pena privativa de liberdade, não irá retornar ao status de primariedade, carregando consigo, com aspectos de definitividade, a pecha da condenação criminal.

E não é só: enquanto em cumprimento de pena, o agente tem suspensos seus direitos políticos, de modo que o fato de não adimplir a pena de multa acaba por manter — após cumprida a privação da liberdade — o impedimento de participar da vida política e formação da vontade do Estado — o que Jellinek compreende como sendo a característica essencial da dimensão ativa dos direitos fundamentais [2].

Deve-se ponderar, ainda, que a pena de multa tem aplicação em diversas infrações penais, independentemente da sua gravidade. Desse modo, em uma situação de crime leve ou contravenção penal, pode-se vislumbrar cenários em que os efeitos do não adimplemento da multa podem ser, no mínimo, tão gravosos quanto a pena privativa de liberdade (imagine um caso de pena privativa de liberdade em regime aberto ou pena substituída por restritiva de direitos, por exemplo).

E isso quebra com toda a logicidade do sistema penal.

Sem fazer o necessário aprofundamento, sob pena de se distanciar do objetivo do presente texto, fato é que, juridicamente, a exigência do cumprimento da pena de multa no caso de pessoa hipossuficiente não se justifica, sendo uma nefasta consequência de uma ideologia neoliberal no direito penal. Mas isso é tema para outra oportunidade.

Fato é que negar a extinção da pena à pessoa pobre e miserável em razão da impossibilidade de pagamento da multa viola o objetivo da execução penal previsto na LEP, na medida em que a manutenção da pena de multa, nesses casos, irá inviabilizar a integração política e social da pessoa condenada, que sofrerá restrições para o exercício da cidadania e terá, para si, fechada as portas do mercado de trabalho.

Assim, obstar a extinção da pena ao pobre que não pode e nem conseguirá pagar a pena de multa, vedando o acesso à cidadania e ao mercado de trabalho em nada atende aos fins da pena e configura um incentivo à delinquência

Superada a análise da inadequação jurídica da pena de multa quando contraposta a valores humanistas, é preciso abordar a matéria sob a perspectiva dos efeitos práticos da cobrança da pena de multa (que não será adimplida) no sistema de Justiça.

Nesse ponto, há de ser pontuado todo o reflexo no âmbito do sistema de justiça caso seja negada a extinção da punibilidade nesses casos, com a manutenção do processo tramitando em todas as instâncias do Poder Judiciário.

A manutenção desses processos tem como consequência a continuidade de dispêndio público com processos que deveriam ser arquivados. Além disso, a interposição de recursos buscando a extinção da punibilidade, direito fundamental da pessoa sentenciada e pobre que não tem e não irá pagar a pena de multa, impactará no trabalho dos servidores do cartório e na assessoria das Varas de Execução Penal, na Defensoria Pública e no Ministério Público.

Ocupará com um tema cuja resolução é simples o tempo de vários servidores, juízes, promotores de justiça, defensores públicos, desembargadores, procuradores de justiça, o que poderá trazer prejuízo na atuação em casos graves e complexos.

O dispêndio público — exigindo o pagamento de multa de pessoa que já cumpriu toda a pena privativa de liberdade — ao argumento de concretizar as funções da pena é, em última análise, um oxímoro.

Isso porque, se de um lado, se compromete totalmente o plano de reinserção social da pessoa condenada; de outro traz como consequência a perpetuação ad aeternum de processos judiciais, tornando a prestação da tutela jurisdicionais menos célere e, por isso, menos efetiva.

Desse modo, não se mostra razoável, seja sob o ponto de vista humanitário ou a partir da análise da atuação dos órgãos e instituições que compõem o sistema de justiça, que se condicione a extinção da punibilidade ao pagamento da pena de multa em se tratando de condenado hipossuficiente.


[2] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Positivo. Belo Horizonte (MG): Del Rey, 2019.

Autores

  • é defensor público no estado de Rondônia, mestrando em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça pela Unir, especialista em Direito Processual Penal, especialista em Direitos Humanos, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (Ibep), membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia (IDPR) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

  • é defensor público no estado de Rondônia, mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí, especialista em Direito Público e em Direito Constitucional e membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia (IDPR).

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