Opinião

"Revisão da vida toda": controle de constitucionalidade e do Judiciário

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5 de abril de 2022, 15h04

No último dia 28 de março, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, revelou em entrevista à imprensa sua convicção na reversão do julgamento e na consagração da vitória na tese da revisão da vida toda.

Revelou também sua ignorância quanto à questão constitucional controversa nos autos: "Não conversei com nenhum ministro sobre isso, não sei quem mudará o seu voto, mas o que eu posso adiantar é que certamente a AGU fará a defesa da constitucionalidade da norma para garantir a segurança jurídica, para que possamos ser um país com tranquilidade e de pacificação social. A gente joga contra a pacificação social sempre que jogamos contra esse tipo de regras consolidadas no jogo".

A inconstitucionalidade da norma (artigo 3º da Lei 9.876/99) não é suscitada na pretensão formulada. Não foi declarada no julgamento unânime da 1ª Seção do STJ. Não foi fixada como questão na afetação do tema em repercussão geral quando da eleição do recurso extraordinário representativo da controvérsia.

A tese proposta pelo ministro Nunes Marques, vencida no julgamento regular do Plenário Virtual do STF, que afirma que "é constitucional o Art. 3º da Lei 9.876/99" é de notável atecnia, extra petita e, caso vencedora, implicaria julgamento nulo, passível de inédita e legítima pretensão de ação rescisória de julgamento do Plenário do Supremo em controle abstrato de constitucionalidade.

A questão controversa é o direito ao melhor benefício, em caso de regras vigentes concorrentes, na esteira da jurisprudência dominante do STF. Conferir segurança jurídica, na hipótese, é reconhecer a vigência sistemática dos princípios constitucionais do equilíbrio financeiro e atuarial e da contrapartida e reiterar o entendimento sedimentado da Corte.

Tranquilidade e pacificação social é poder confiar nas regras do processo, na autoridade do Judiciário e na seriedade de um julgamento concluído. É poder ensinar na Faculdade de Direito que ministro nenhum é maior do que o Plenário.

Honestidade é pagar os valores devidos dos benefícios previdenciários na época própria, proporcionais ao esforço contributivo de toda a vida de trabalho, na forma da lei e absolutamente sem qualquer inventividade, sem necessidade de provocação do Judiciário pelos segurados.

Responsabilidade é efetuar cálculos de impacto econômico sem a tentativa desesperada de ludibriar os julgadores e a opinião pública com notas na imprensa, fora dos autos, em valores contraditórios — depois do sexto voto contrário a estimativa subiu repentinamente de 46 para 360 bilhões de reais — sem demonstração de critérios e sem qualquer auditoria e, portanto, sem qualquer credibilidade.

A Previdência Social é meio equitativo de redistribuição de renda e fonte preponderante de receitas indiretas de toda a microeconomia, dos tributos dos diversos entes federativos decorrentes da circulação de mercadorias e prestação de serviços para seus segurados e dependentes, em uma cadeia capaz de fazer o Brasil retomar o crescimento.

O Brasil já esteve entre as dez maiores economias do mundo, realizando o projeto social-democrático em diálogo pacífico com as aspirações dos grandes setores da economia e do mercado financeiro. Os números globais da Previdência Social assustam qualquer cidadão que não tenha trânsito em gestão pública e em economia política. Ocorre que, dentro de um orçamento anual (2021) de R$ 765 bilhões, mesmo os 46 bilhões (para projeção em 15 anos) do primeiro cálculo da AGU, em que se apoiou o ministro Nunes Marques na divergência, a revisão implicaria impacto de menos de 0,5%.

Impacto sensivelmente maior sobre as contas da Previdência Social é o das renúncias de receita causadas pelo próprio governo — e pelo próprio Supremo — com a reforma trabalhista, com as liberações de terceirizações irrestritas, por exemplo, e com as desonerações e isenções que constrangem decisivamente a arrecadação de contribuições e não refletiram geração de empregos e o aquecimento da economia.

Os efeitos de qualquer decisão judicial em controle abstrato de constitucionalidade serão sempre proporcionais ao tamanho do Brasil. E o Supremo sempre soube disso. Assumir que a Fazenda Pública e a Previdência Social não podem ser condenados quando agirem em desacordo com o direito, tornando-se imunes ao controle de constitucionalidade, é assumir o esvaziamento do Estado de Direito e da autoridade do Judiciário. Trata-se de momento que não importa apenas aos segurados da Previdência Social, mas ao estado das coisas na sua independência.

Convicção é certeza de controle.

O governo revela, às claras, que tem convicção.

Cabe ao Plenário do STF permitir-se, ou não, ser controlado pela manobra encomendada pelo governo convicto.

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