Opinião

Eleições e fim de mandato: limites ao aumento de despesa com pessoal

Autor

  • Herick Feijó Mendes

    é advogado mestrando em Segurança Pública Cidadania e Direitos Humanos (UERR) especialista em Direito Público e ex-membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais (CFOAB).

5 de abril de 2022, 10h08

Em ano eleitoral, que invariavelmente se confunde com o último exercício do mandato eletivo do chefe do Poder Executivo, seja municipal ou estadual em seus respectivos períodos constitucionais, a discussão sobre o aumento com despesa de pessoal se eleva de maneira substancial.

O debate é acentuado jurídica e politicamente em função das restrições legais temporais impostas em ano eleitoral, considerando que neste período impõe-se diversas vedações tendentes ao equilíbrio do pleito. Encontram-se, também, travas sob a perspectiva financeiro-orçamentária, eis que a Lei de Responsabilidade Fiscal  LRF traz mecanismos de contenção no último ano do mandato eletivo dos governos.  

O ponto crucial é compreender que a legislação não impediu aumento de despesa com servidores no presente exercício de maneira absoluta  ano de eleições e último ano do mandato , pois apenas impôs limites temporais (prazos) em que poderão ser criadas tais despesas.

No contexto eminentemente eleitoral, a Lei 9.504/1997, mais conhecida como Lei das Eleições, elencou diversas vedações no ano da realização do pleito eleitoral, especialmente no que concerne vedações pertinentes ao incremento de despesas:

"Artigo 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
[…]
V – nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que O antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados…
VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no artigo 7º desta Lei e até a posse dos eleitos".

Nota-se, portanto, que o legislador procedeu com certa cautela com o aumento de despesas nos exercícios em que serão realizadas as eleições, a fim de se evitar excessos ou abuso de poder econômico que possam desequilibrar a disputa, no que pese estas restrições não estarem obstadas em todo o exercício financeiro.

Das hipóteses acima, verifica-se que: a) A Revisão Geral Anual  RGA é possível, desde que realizada até 180 dias antes da eleição, ou seja, a partir de 5 de abril de 2022 até a posse dos eleitos (cf. artigo 73, inciso VIII, c.c. o artigo 7°, ambos da Lei nº 9.504, de 1997, e artigo 83, VIII, da Resolução TSE nº 23.610/2019); e b) As Readaptações de Vantagens podem ser realizadas até três meses que antecedem o pleito. 

Alguns setores passaram a verbalizar o entendimento controverso no caminho interpretativo de que a restrição para implementação de RGA  180 dias que antecedem as eleições  contemplaria, na mesma medida, qualquer aumento de despesa de pessoal. Esse comportamento hermenêutico, a nosso entender, não se sustenta.

É importante observar que a Legislação Eleitoral elencou dispositivos específicos para tratar de hipóteses distintas sobre o aumento de despesa, sendo o inciso VIII do artigo 73 reservado exclusivamente para o caso da RGA, enquanto o inciso V do artigo 73 foi reservado às categorias gerais de vantagens, com prazos peculiares às suas respectivas restrições.

O fato de a norma tratar exclusivamente da RGA possui, naturalmente, um substrato lógico, eis que a RGA é o único instituto jurídico financeiro que é capaz de atingir todos os servidores e categorias. Logo, seu poderio é bem amplo, por isso que a legislação eleitoral criou limitação mais severa ao uso da RGA no ano do pleito eleitoral.

Diferentemente é o que ocorre com as reestruturações em geral, que se destinam a setores específicos visando recompor injustiças ou inconsistências à determinadas carreiras, não possuindo, assim, cunho geral de atingimento.

Aliás, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio da Resolução nº 21.054, de 02/04/2002, relator ministro Fernando Neves da Silva, exarou entendimento no sentindo de que "a aprovação, pela via legislativa, de proposta de reestruturação de carreira de servidores não se confunde com revisão geral de remuneração e, portanto, não encontra obstáculo na proibição contida no artigo 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504, de 1997".

Na mesma linha, o ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, no AgR-REspe 39272, Ac. de 14.3.2019, decidiu que "A vantagem advinda com a reestruturação da carreira, concedida exclusivamente a categorias específicas, não pode ser considerada revisão geral de remuneração, não sendo prática ilícita coibida pela legislação eleitoral. 6. 'No âmbito das chamadas condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas, cuja disciplina encontra-se inserta na Lei nº 9.504/97, artigos 73 a 78, imperam os princípios da tipicidade e da estrita legalidade, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previamente definido pela lei' […]".

Ademais, é de se ressaltar que as normas aqui discutidas possuem caráter limitativo-sancionatório, de modo que só podem ser interpretadas de maneira restritiva, conforme os métodos de interpretação jurídica, sob pena de se ampliar casuisticamente seu conteúdo para fins de penalização.

Sob o panorama da legislação financeira, a Lei de Responsabilidade Fiscal prescreveu que será nulo apenas o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato, além do ato de que resulte aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular.

O parâmetro adotado pela LRF, portanto, é o fim do mandato e não a data das eleições para fins de conferência da consumação de 180 dias. Percebe-se, desse modo, que os sistemas normativos pertinentes às condutas vedadas no período eleitoral e no último ano do mandato se complementam harmoniosamente, não havendo sobreposições  um verdadeiro diálogo de fontes , de modo que não há na legislação comportamento radical de rechaço à criação de despesas com servidores públicos, mas apenas limites temporais e circunstanciais há cada hipótese estritamente elencada pelo legislador.

É dessa forma que se pode concluir que o prazo limite de 180 dias antes da eleição, ou seja, a partir de 5 de abril de 2022 até a posse dos eleitos (cf. artigo 73, inciso VIII, c.c. o artigo 7°, ambos da Lei nº 9.504, de 1997, e artigo 83, VIII, da Resolução TSE nº 23.610/2019) é restrito às Revisões Gerais Anuais, não contemplando possíveis reestruturações isoladas, as quais se submetem, em razão de se caracterizem aumento de despesa de pessoal, ao prazo de 180 dias antes do fim do mandato, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mosaico Interpretativo

Até 180 dias antes da eleição

Até 3 meses antes da eleição

Até 180 dias antes do fim do mandato

Possibilidade de RGA recompondo a inflação do exercício

Possibilidade de readaptações de vantagens

Possibilidade de aumento de despesa com pessoal

Autores

  • é advogado, mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos, especialista em Direito Público, presidente da Associação dos Servidores Públicos do Instituto de Previdência de Roraima e ex-membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais (CFOAB).

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