Opinião

O STJ e a necessidade de adoção dos tribunais híbridos

Autor

  • Dierle Nunes

    é professor da UFMG e da PUC-Minas. Membro honorário da Associação Iberoamericana de Direito e Inteligência Artificial. Diretor do Instituto Direito e Inteligência Artificial (Ideia). Doutor em Direito pela PUC-Minas/Universitá degli Studi di Roma "La Sapienza".

5 de abril de 2022, 6h03

O STJ editou a Resolução STJ/GP nº 9, do último dia 25 de março, que estabelece o retorno ao trabalho presencial no âmbito do tribunal[1] a partir do último dia 1º de abril e que indica, no artigo 3º, que as sessões de julgamento da corte especial, das seções e das turmas, ordinárias ou extraordinárias, bem como do tribunal pleno e do conselho de administração, serão realizadas na modalidade presencial.

A norma ainda indica que "o ministro que não puder comparecer à sessão presencial por qualquer motivo deverá informar ao presidente do respectivo colegiado, podendo participar da referida sessão por videoconferência." (artigo 3º, §1º), sendo que em relação aos advogados haverá a opção entre a sustentação oral ser presencial ou por videoconferência.[2]

A norma, que teve uma versão mais conservadora divulgada anteriormente,[3] representa um importante passo na absorção definitiva das benesses da virada tecnológica,[4] de modo a encampar, com previsibilidade, o uso das tecnologias na cotidiana interação da Corte com seus usuários.

Em verdade, a resolução lança luzes em uma reflexão mais robusta: depois do experimento exitoso do emprego da tecnologia para interação remota processual durante a pandemia devemos caminhar em definitivo para modelos de tribunais híbridos, com possibilidade concomitante de atividades presenciais e remotas, nos quais todos os sujeitos processuais saibam com clareza e transparência da possibilidade e do como praticá-las, dentro do marco da de consolidação da nominada Justiça 4.0.[5]

Neste capítulo é notório e louvável o esforço empreendido pelo CNJ ao longo dos últimos anos com a edição de incontáveis resoluções sobre a temática, tais como as de número 331[6], 332[7], 334[8], 335[9], 345[10], 354[11], 358[12] , 372[13], 385,[14] 390,[15] 395,[16] 398, [17] 408,[18] 420,[19] 442,[20] 443[21] e 446[22] .

Em assim sendo, a resolução reformulada se adequa perfeitamente ao movimento e deve se esperar que ela inspire outros tribunais na adoção deste modelo híbrido, com ampliação paulatina das interações remotas pelos sujeitos processuais.

Obviamente que isto não significará a adoção única no Brasil da via digital (remota) de acesso aos serviços judiciários, em decorrência do déficit de acessibilidade tecnológica de boa parcela da população brasileira.[23]

Por outro lado, nada justificará mais o retorno de todas as atividades presenciais, sem viabilizar e deixar claras hipóteses e canais remotos que possam ser utilizados pelos advogados, membros do MP e pelo próprio cidadão e permitir a prática de atos sem a necessidade de deslocamentos, com ampliação da eficiência e descortinando efetivos tribunais híbridos, multi-territoriais, que permitam a manutenção dos ganhos percebidos e dimensionados pela virada tecnológica,  o dimensionando dos riscos e favorecendo a continuidade do movimento em prol da inovação em nosso sistema de justiça.

Uma das arestas que precisa ser ainda dimensionada normativamente pelos tribunais diz respeito à adoção de um ambiente multicanal previsível. Sob a ótica da advocacia se tornou uma incógnita cotidiana saber por qual via cada vara ou gabinete trabalham após a redução das medidas de afastamento social, eis que alguns magistrados adotam para interação alguma plataforma (como Webex), o telefone, a via presencial etc., mas sem indicação clara v.g. nos próprios sites do tribunal em como proceder.

Evidentemente que a adoção deste sistema multicanal, previsível e transparente, seja salutar mas se torna essencial padronizar e divulgar os modos de interação, de modo a ampliar a transparência e auxiliar na própria obtenção do acesso à justiça por todos os partícipes do sistema.

Perceba-se que com a tendência do retorno das atividades do cotidiano forense para a via presencial se torna urgente louvar a iniciativa reformulada do STJ e se abrir este debate aos demais tribunais acerca da permanência de vias opcionais remotas, não somente de forma excepcional, para preservação dos ganhos por todos percebidos.

A negação da adoção dos tribunais híbridos seguramente representará um retrocesso e poderá impactar no próprio avanço alcançado e que vem tornando o Judiciário brasileiro um exemplo mundial de inovação com sua postura receptiva às novas tecnologias, em prol do aprimoramento e democratização do acesso à justiça.


[2]  Art. 4º Os advogados e os membros do Ministério Público que desejarem fazer sustentação oral deverão fazê-lo presencialmente, a partir de 1º de abril de 2022, nos termos do art. 158 do Regimento Interno, ou por videoconferência, nos termos do art. 937, § 4º, do Código de Processo Civil, atendidas as seguintes condições: I – inscrição em até 24 horas antes do início da sessão, requerida mediante formulário eletrônico disponibilizado no site do Superior Tribunal de Justiça; II – utilização da mesma ferramenta adotada pelo Tribunal.

[3] aqui

[4] NUNES, Dierle. Virada Tecnológica no Direito Processual e etapas do emprego da tecnologia no direito processual: seria possível adaptar o procedimento pela tecnologia? p.17. In NUNES, Dierle; et al (orgs). Inteligência Artificial e Direito Processual: os impactos da virada tecnológica no direito processual. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2021.

[5] https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/

[6] Cria a Base Nacional de Dados do Poder Judiciário – DataJud que é responsável pelo armazenamento centralizado dos dados e metadados processuais relativos a todos os processos físicos ou eletrônicos: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3428 . Foi alterada pela Resol. 437. A ideia do CNJ é de que, através da mineração de processos e de uma atuação colaborativa com os tribunais, possa-se promover a estruturação de dados, o compartilhamento / unificação dos modelos de IA adotados e desenvolvidos pelos diferentes Estados / regiões, através do projeto SINAPSES, possibilitando a adoção de soluções padronizadas para os Tribunais. Tudo isso em atenção à racionalização e aos ganhos de produtividade que modem advir com a utilização de modelos uniformes.

[7] Instituiu diretrizes éticas e de governança para assegurar transparência, previsibilidade e possibilidade de auditabilidade dos modelos de IA utilizados no judiciário brasileiro: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3429.

[8] Institui o Comitê Consultivo de Dados Abertos e Proteção de Dados no âmbito do Poder Judiciário, para, por meio de estudos técnicos e apresentação de propostas, auxiliar o Conselho Nacional de Justiça no desenvolvimento e na implementação de política de dados abertos compatível com a proteção de dados pessoais no âmbito do Poder Judiciário. Isso porque, é a crescente utilização da Internet e o emprego de modelos computacionais estruturados para o acesso e o processamento de dados disponibilizados pelos órgãos do Poder Judiciário, há inegáveis os benefícios do acesso ao conteúdo de pronunciamentos judiciais, em formato legível por máquina, para a difusão do conhecimento do Direito e contribuição à segurança jurídica, bem como a necessidade de se proteger dados pessoais: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3489.

[9] Institui política pública para a governança e a gestão de processo judicial eletrônico. Integra os tribunais do país com a criação da Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro – PDPJ-Br. judiciário:   https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3496.

[10] Dispõe sobre o “Juízo 100% Digital” e dá outras providências: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3512.

[11] Dispõe sobre o cumprimento digital de ato processual e de ordem judicial, regulamentando a realização de audiências e sessões por videoconferência e telepresenciais e a comunicação de atos processuais por meio eletrônico nas unidades jurisdicionais de primeira e segunda instâncias da Justiça dos Estados, Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral, bem como nos Tribunais Superiores, à exceção do Supremo Tribunal Federal: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3579.

[12] Por meio da mencionada resolução, o Judiciário brasileiro começará a projetar sistemas informatizados de ODRs para a resolução de conflitos, voltados à tentativa de conciliação e mediação (SIREC), no formato de Tribunais online: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3604.

[13] Regulamenta a criação de plataforma de videoconferência denominada “Balcão Virtual”, determinando que os tribunais brasileiros, com exceção do Supremo Tribunal Federal, deverão disponibilizar, em seu sítio eletrônico, ferramenta de videoconferência que permita imediato contato com o setor de atendimento de cada unidade judiciária, popularmente denominado como balcão, durante o horário de atendimento ao público. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3742 .

[14] Dispõe sobre a criação dos “Núcleos de Justiça 4.0” e dá outras providências. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3843

[15] Dispõe sobre a extinção de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicações e serviços digitais, que foram substituídos ou se encontram inoperantes. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3914

[16]  Institui a Política de Gestão da Inovação no âmbito do Poder Judiciário. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3973

[17] Dispõe sobre a atuação dos “Núcleos de Justiça 4.0”, disciplinados pela Resolução CNJ nº 385/2021, em apoio às unidades jurisdicionais. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3978

[18] Dispõe sobre o recebimento, o armazenamento e o acesso a documentos digitais relativos a autos de processos administrativos e judiciais. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4065

[19] Dispõe sobre a adoção do processo eletrônico e o planejamento nacional da conversão e digitalização do acervo processual físico remanescente dos órgãos do Poder Judiciário. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4133

[20] Altera a Resolução CNJ no 349/2020, que dispõe sobre a criação do Centro de Inteligência do Poder Judiciário e dá outras providências. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4301

[21] Dispõe sobre a aplicação e disseminação dos conhecimentos sobre a Plataforma Digital do Poder Judiciário nos editais de concursos públicos, seleções e capacitações para cargos de tecnologia da informação e comunicação dos órgãos do Poder Judiciário: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4317

[22] Institui a plataforma Codex como ferramenta oficial de extração de dados estruturados e não estruturados dos processos judiciais eletrônicos em tramitação no Poder Judiciário Nacional e dá outras providências. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4417

[23] Cf. NUNES, Dierle; PAOLINELLI, Camilla.  ACESSO À JUSTIÇA E VIRADA TECNOLÓGICA NO SISTEMA DE JUSTIÇA BRASILEIRO. NUNES, Dierle et al. (coord.) Direito Processual e Tecnologia: os impactos da virada tecnológica no âmbito mundial. Salvador: Jus Podivm, 2022.

Autores

  • é sócio do escritório do Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia), doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e UFMG, membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do CPC/2015 e diretor acadêmico do Instituto de Direito e Inteligência Artificial (Ideia).

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