Direito do Agronegócio

Agroindústria e a tributação pela receita bruta (Funrural)

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

1 de abril de 2022, 8h00

Neste texto temos a pretensão de discutir uma questão voltada ao enquadramento ou não como agroindústria e a tributação pela receita bruta do artigo 22-A da Lei nº 8.212/91 (Funrural/RAT).

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Dentro das peculiaridade da tributação no agronegócio, cabe lembrar que contribuição previdenciária para a agroindústria não seria sobre a folha e/ou remuneração, havendo, em substituição ao artigo 22, I e II, da Lei nº 8.212/91, o disposto no artigo 22-A da Lei nº 8.212/91:

"Artigo 22A  A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de: (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001).
I dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social; (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001).
II zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade. (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001)".

Em linhas gerais, possível reconhecer que a agroindústria consiste na pessoa jurídica que desenvolve atividade rural e consequente industrialização de sua própria produção e também adquirida de terceiros.

É exatamente o que também explicita a Instrução Normativa nº 971/2009, em seu artigo 165, ao afirmar que seria "b) produtor rural pessoa jurídica: a agroindústria que desenvolve as atividades de produção rural e de industrialização da produção rural própria ou da produção rural própria e da adquirida de terceiros, observado o disposto no inciso IV do § 2º do art. 175 e no § 3º deste artigo".

Temos, desse modo, como traços fundamentais: 1) ser pessoa jurídica; 2) dentro da mesma personalidade jurídica, seja na matriz ou filiais, exercer atividade rural e industrialização desta produção e também daquela adquirida de terceiros.

Quando temos uma agroindústria, salvo algumas situações excepcionais previstas na lei [1], a tributação será sobre a "receita bruta proveniente da comercialização da produção", tendo as alíquotas respectivas de 2,5% para seguridade social e 0,1% para o RAT, totalizando o montante de 2,6%. Ainda sobre a receita bruta, embora como contribuição para terceiros, temos o Senar incidente à alíquota de 0,25%.

Sendo assim, a tributação total sobre a receita bruta para a agroindústria será de 2,85%.

Levando em consideração tais aspectos, eis que surge uma questão interessante.

Uma pessoa jurídica que produz um determinado produto mediante aquisição de insumos agrícolas (exemplo, soja, milha) sem contrato de parceria ou arrendamento. Mas que, por outro lado, exerce atividade rural (terra própria, arrendamento ou via parceria) a fim de produzir biomassa para geração de energia em seu parque industrial (exemplo, eucalipto), seria uma indústria ou agroindústria?

Em nossa visão, a resposta seria no sentido de que, segundo disposto notadamente no artigo 22-A da Lei nº 8.212/91, não configura uma agroindústria, sujeitando-se à regra geral da tributação sobre a folha e/ou remuneração (artigo 22 da Lei nº 8.212/91).

Isto porque, conforme requisito expressamente estampado no artigo 22-A da Lei nº 8.212/91, somente seria possível o enquadramento como agroindústria se exercesse uma atividade rural e utilizasse do produto advindo desta como matéria prima no processo de industrialização.

Equivale dizer: seja por terra própria, ou mesmo mediante contrato de arrendamento ou parceria rural, caberia à pessoa jurídica produzir milho, por exemplo, bem como empregar no processo industrial para a elaboração de um determinado produto final.

Nessa hipótese seria possível afirmar que teríamos uma agroindústria.

Já na hipótese descrita, em verdade, todo a matéria-prima voltada ao processo de industrialização é adquirida de terceiros.

É fato que em nosso caso a pessoa jurídica também exerce atividade rural ao produzir a biomassa que utilizará para geração de sua energia.

Todavia, inexiste em relação a estes produtos a "industrialização de produção própria", como enuncia o caput do artigo 22-A da Lei nº 8.212/91.

Ora, essa biomassa como o eucalipto não sofre na etapa posterior um processo de industrialização como determina a lei, havendo somente a queima deste. Repita-se: inexiste a utilização deste como matéria-prima para produção do produto final, uma vez que aquela é adquirida de terceiros.

Bem por isso, para configurar uma agroindústria não basta termos de um lado uma atividade rural e de outro uma industrial. É forçosa a interação entre elas, de tal sorte que a produção rural seja a matéria-prima utilizada para o processo industrial, dando origem a um produto industrializado que será comercializado e, com isso, implicará na tributação da contribuição previdenciária sobre a receita desta operação mercantil.

Ademais, convém esclarecer, na linha as ponderações apresentadas, que a comercialização desta produção rural (eucalipto) também não traria como consequência a caracterização como agroindústria.

Neste sentido a Solução de Consulta nº 85 Cosit, de 24 de janeiro de 2017:

"CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS EXTRAÇÃO DE MADEIRA DE FLORESTA NATIVA E SERRARIA. PRODUÇÃO RURAL PRÓPRIA. NAO CARACTERIZAÇÃO. AGROINDÚSTRIA ART. 22-A LEI 8.212 DE 1991. A madeira extraída de floresta nativa não constitui produção rural própria da pessoa jurídica para efeito de caracterizá-la como agroindústria nos termos do art. 22-A da Lei nº 8.212, de 1991, que trata do regime da contribuição previdenciária substitutiva incidente sobre a receita bruta da comercialização, uma vez que não atende o requisito da dedicação a atividade rural que, no caso, deve ser o cultivo das árvores, florestamento ou reflorestamento, como fonte de pelo menos parte da matéria prima empregada, conforme declarado no caput e §6º do artigo".

Aliás, esse nos parece ser claramente o posicionamento da jurisprudência administrativa do Conselho Administrativo de recursos Fiscais (Carf):

"CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AGROINDÚSTRIA. FALTA DE SEGREGAÇÃO EM DEPARTAMENTOS, DIVISÕES OU SETORES. INDUSTRIALIZAÇÃO PRÓPRIA NÃO COMPROVADA. Para o enquadramento na condição de Agroindústria, faz-se necessária a comprovação de se tratar de produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica é a industrialização de produção rural própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, além de desenvolver duas atividades em um mesmo empreendimento econômico com departamentos, divisões ou setores rural e industrial distintos. Não se considera agroindústria, a empresa que não possui produção própria (ou ínfima, se comparada com a adquirida de terceiros) e deixar de desenvolver as duas atividades com departamentos, divisões ou setores rural e industrial distintos. O regime substitutivo previsto no artigo 22-A da Lei n° 8.212/1991, com a redação dada pela Lei n°10.256/2001, abrange a agroindústria, que por definição legal trata-se de produtor rural que industrializa a sua própria produção ou, ainda, soma a esta a de terceiros" [2].

"CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AGROINDÚSTRIA.Para fins de aplicação da legislação previdenciária que trata das contribuições incidentes sobre a receita bruta de comercialização da produção rural, a agroindústria deve industrializar algo de produção rural própria" [3].

"AGROINDÚSTRIA. PRODUÇÃO PRÓPRIA. NECESSIDADE.NÃODEMONSTRAÇÃO. DESCARACTERIZAÇÃO. Para que a pessoa jurídica possa ser enquadrada como agroindústria e assimusufruir do tratamento tributário favorecido estabelecido para essas empresas pela legislação previdenciária, é necessária a comprovação da condição de produtora rural, bem como da existência de industrialização de matéria prima de produção própria. A aquisição pela empresa de área rural com reflorestamento pronto para abate não é suficiente para caracterizá-la como produtora rural" [4].

Fácil notar que não se revela como agroindústria a pessoa jurídica que realiza a industrialização a partir de matéria-prima exclusivamente adquirida de terceiros, sem o exercício da atividade rural visando à produção da aquela para sua própria industrialização.

Conforme afirma Wladimir Novaes Martinez:

"Portanto, agroindústria é empreendimento econômico complexo, em que a matéria­-prima rural própria é transformada pela divisão manufatureira. Nela, o mencionado insumo provém da área rural e ela se utilizade métodos industriais para aperfeiçoar o bem, mesclando-se os objetivos sociais" [5].

Portanto, diante da questão apresentada, não resta dúvida de que em referida hipótese a pessoa jurídica não configura uma agroindústria para fins previdenciários, nos termos do artigo 22-A da Lei nº 8.212/91.

 


[1] Exceções: (1) – prestar serviços a terceiros; (2) – sociedades cooperativas e às agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura; (3) – dedique apenas ao florestamento e reflorestamento como fonte de matéria-prima para industrialização própria mediante a utilização de processo industrial que modifique a natureza química da madeira ou a transforme em pasta celulósica.

[2] CARF, 2ª Seção, Ac. 2202-005.396, 2ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, j. 7/8/2019.

[3] CARF, 2ª Seção, Ac. 2401­005.989, 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, j. 12/2/2019.

[4] CARF, 2ª Seção, Ac. 2201­004.283 – 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, j. 6/3/2018.

[5] MARTINEZ, Wladmir Novaes. Curso de Direito Previdenciário, 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 574.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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