Opinião

A macrofunção do planejamento nas contratações públicas

Autor

  • Flavine Meghy Metne Mendes

    é pesquisadora do Centro de Estudos de Regulação e Governança dos Serviços Públicos conferencista consultora jurídica doutoranda em políticas públicas pela UFRJ e autora de artigos científicos na ambiência regulatória.

25 de setembro de 2021, 6h36

Considerando a dinâmica complexa, competitiva e contínua de riscos que marcam a economia pós-moderna, a Lei n° 14.133, de 1º de abril deste ano, explicitou, além de outros não menos importantes vetores, a importância do planejamento como bússola à racionalização das contratações públicas, incluindo-o no rol dos princípios aplicáveis às licitações e contratos administrativos, conforme leitura atenta do artigo 5°.

Embora não se trate de propósito inédito da ação pública, ao revés, função secular do exercício da democracia e controlabilidade do agir estatal, não é de hoje que a sociedade convive com o impacto cumulativo de obras inacabadas, sem contar os imbróglios judiciais que se protraem no tempo. Para ilustrar, segundo o Acórdão n° 1019/19 -P-TCU, verificou-se que 14.403 empreendimentos, entre os 38.412 analisados, entraram no rol de obras inacabadas, devido à preponderância das seguintes ocorrências: erros, falhas na condução dos estudos preliminares e projetos defeituosos (desprovidos da técnica necessária).

A reversão desse malsinado cenário demandará esforços à regulamentação do modelo de gestão de resultados das obras públicas. Em síntese, construção de bases sólidas à governança das obras públicas, ou seja, racionalização do processo decisório da Administração Pública, composta por ações funcionais articuladas que interligam a definição e execução das prioridades interventivas, bem como o monitoramento e avaliação dos resultados, incluindo a aferição dos resultados à luz dos indicadores socioeconômicos.

Segundo os escopos da lei em comento, notadamente a eficiência das contratações públicas, a preocupação com o planejamento da Administração Pública se projeta para além da eleição das prioridades sociais e os problemas que demandarão atenção em curto, médio e longo espaço de tempo. Pretende-se, em linhas gerais, fomentar a cultura de gestão das contratações públicas, composta pelos seguintes macroprocessos: planejamento, orçamento, monitoramento e avaliação (ex ante e ex post) permanentes, com foco nos resultados.

Em alusão a essas premissas, o governo do estado do Ceará, por meio do Decreto n° 32.216, de 8 de maio de 2017, regulamentou, sob a égide da Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, o modelo de gestão para resultados no âmbito do Poder Executivo, instituindo a gestão de projetos de investimentos públicos, composta pelas metodologias de planejamento e avaliação de projetos de investimentos do governo do estado e de monitoramento intensivo dos projetos estratégicos, assim rotulados por trazerem consigo iniciativas singulares e impulsionadoras ao desenvolvimento do estado.

Mais do que isso, o procedimento regulamentar lançado pelo Ceará, para longe de inédito, propicia oportunidade de devolver aos cidadãos a confiança no estado, contribuindo na ampliação do conceito de accountability, pela lógica da responsabilidade compartilhada pelos resultados. Paralelamente, permite aferir a eficiência das ações estatais e, pois, o comprometimento do gestor público aos fins constitucionais, ao mesmo tempo em que fortalece o incremento de metodologias de avaliação das consequências das escolhas públicas.

A formalização e execução das escolhas públicas nesses moldes é importante aliada na criação de regras de contenção, em paralelo ao controle dos custos diretos e indiretos incidentes na sociedade e no setor público. Em geral, essas medidas decorrem do feedback proporcionado pelo acompanhamento e controle sistemático dos programas públicos em ação.

Diante de um universo de interesses plurais que permeiam o dia a dia das sociedades pós-modernas, há urgência na consolidação da prática de análise e avaliação dos projetos estatais, tendentes a demonstrar que os resultados alcançados justificaram, de fato, a eleição de determinada linha de ação ou a reconfiguração de seus contornos, a partir do aprendizado institucional obtido. Tal contribuição tende ajudar a reduzir potencialmente as falhas públicas e, com ela, romper o clássico estigma da "infantilização da Administração Pública".

 

Referências bibliográficas
CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE CONSTRUÇÃO – CBIC. O labirinto das obras públicas. Disponível em <https://cbic.org.br/wp-content/uploads/2020/06/labirinto_CBIC.pdf>. Acesso em 22 de setembro de 2021.

MENDES, Flavine Meghy Metne. Processo Normativo das agências reguladoras: atributos específicos à governança regulatória. São Paulo: Giz Editorial.

VALLE, Vanice Regina Lírio do. Dever constitucional de enunciação de políticas públicas e autovinculação: caminhos possíveis de controle jurisdicional. Interesse Público, Belo Horizonte, ano 7, n.82, dez./2007.

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