Opinião

Liberdade de expressão e seus limites: a posição recente do STF

Autor

  • Gustavo Hasselmann

    é procurador do Município de Salvador (BA) advogado graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) licenciado em filosofia pela Faculdade Batista Brasileira especialista em Processo Civil e Direito Administrativo pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia membro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo e ex-juiz do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Baiana de Futebol.

16 de setembro de 2021, 16h07

Tem sido recorrente, nas mídias escrita e falada, a posição das hostes bolsonaristas segundo a qual o STF estaria atentando contra a liberdade de expressão e a democracia, quando, no bojo do inquérito das fake news, o relator ministro Alexandre de Moraes determinou, e está a determinar, investigações tendentes a apurar supostos crimes praticados por pessoas e grupos contra a honorabilidade e segurança dele, STF, e de seus ministros. O inquérito colima também desbaratar a circulação das fake news e eventuais financiamentos de tais atos, bem assim insultos e ataques às instituições republicanas, como o STF.

Dita posição, a meu ver, está absolutamente equivocada.

Com efeito, como nenhum direito é absoluto, calha a conclusão de que as liberdades de expressão e de reunião (artigos 5º, IV, IX e XVI, e 220 da CF), para serem exercidas, precisão sê-las com razoabilidade e comedimento, sob pena de desembocarem em abuso de direito (artigo 187, do nosso Código Cívil).

Efetivamente, com os olhos voltados para a dicção e inteligência do artigo 187 do Código Civil Brasileiro, podemos afirmar, sem medo de errar, que aquele que, no exercício de um direito, "excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa fé ou pelos bons custumes" comete ato ilícito (abuso de direito), cuja responsabilidade civil e penal emerge inconteste.

De seu turno, o artigo 13, 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos impõe restrições ao exercício da liberdade ao pontuar a necessidade, no exercício de um direito, de se assegurar: "a) o respeito aos direitos de reputação das demais pessoa ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral pública".

Na nossa CF também se extrai a conclusão de que os direitos, inclusive e principalmente os de liberdades públicas, tais como as liberdades de expressão e reunião, devem ser exercidos com foco no princípio da razoabilidadeproporcionalidade.

A liberdade de expressão foi consagrada no STF, entre outros julgados, na ADPF 130, relator ministro Carlos Britto.

Diante de todo esse contexto, se pode asseverar que a censura prévia é totalmente vedada, sendo certo dizer que, por outro lado, é assegurada a responsabilidade civil e penal daquele que abusa do seu direito de liberdade de expressão e reunião, à luz do princípio da razoabilidade.

A nossa Carta Política, em observância ao princípio da concordância prática, já estabelece algumas restrições à liberdade, tal como a prevista na CF, artigo 5º, V e IX.

No caso em tela, diante do que vem de ser exposto, é licito afirmar que as fake news e os insultos contra o Congresso e o Supremo, por ferirem, inclusive, a independência e autonomia do Judiciário e o Estado de Direito, devem sujeitar aqueles que lhes propalam à responsabilização civil e criminal. De fato, tais pessoas, a par de atentarem contra o Estado de Direito, a democracia e a República, excedem os limites impostos pelo artigo 187 do CCB, na sua parte final, e pela Constituição Federal.

Efetivamente, as suas vítimas, pessoas e instituições da República, podem responsabilizar os agentes protagonistas das fake news e insultos às instituições, notadamente o STF, enquadrando-os em diversos tipos penais, tais como crimes contra a honra, ameaça, dano ao patrimônio público, dano moral e material, organização criminosa, bem assim submetê-los, eles, agressores, às rudezas do Código Penal e da Lei de Segurança Nacional.

Por outro lado, o princípio da ponderação de bens ou interesses, levado a efeito em muitos julgados do STF, determina que — ao contrário das regras jurídicas, que devem ser aplicadas segundo a lógica do tudo ou nada — os princípios constitucionais, quando conflitantes, devem ser sopesados e ponderados, prevalecendo, no caso concreto, aquele de maior peso axiológico, segundo o princípio da proporcionalidade, nas suas três vertentes, a saber, necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

Assim, sem sombra de dúvidas, o princípio da liberdade de expressão, quando confrontado com o princípio republicano e democrático, deve, à luz do caso concreto, ceder espaço a este, que é estruturalmente fundante do nosso Estado democrático de Direito.

Não é demasiado relembrar que o referido inquérito foi julgado válido pela esmagadora maioria do Plenário do STF, com a adesão do MPF, não obstante eventual vício de iniciativa radicado na violação do princípio acusatório, segundo o qual a inciativa da persecução penal é do Ministério Público.

Sem embargo, o que não se pode perder de vista é que, na questão de fundo, o STF, em casos concretos, tem agido acertadamente ao repelir o abuso de direito e a violação aos princípios democrático e republicano, determinado a investigação e até mesmo a prisão daqueles que os violam (o princípio republicano e democrático).

De outra parte, importa assinalar que as decisões do Judiciário, notadamente do STF, não se discutem, mas, sim, devem ser cumpridas. Pode-se até criticá-las e delas recorrer; o que não se pode, nas democracias, é desobedecê-las (artigo 85, VII, da CF).

Cabe agora uma digressão final. Devemos, como cidadãos, tentar aprimorar as leis e normas eleitorais, melhorar a qualidade do voto, lutar para que sejam suprimidos muitos privilégios e benesses dos agentes públicos etc., mas nunca pedir a extinção e o fechamento de instituições democráticas como o Congresso e o STF. Num regime democrático como o nosso, o que poderíamos cogitar para colocar no lugar deles se fossem extintos? Absolutamente nada.

Autores

  • é procurador do Município de Salvador, licenciado em filosofia  pela Faculdade Batista Brasileira, especialista em Processo Civil e Direito Administrativo (ambos pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia), membro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.

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