Opinião

O processo penal fascista e a ordem constitucional

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

15 de setembro de 2021, 6h03

A radicalização do poder do Estado é um dos sintomas mais fortes do fascismo. Outra característica desse sistema opressor é a restrição aos direitos fundamentais do cidadão. O processo penal deve ser o dispositivo tendente a limitar o poder do Estado, mas tem sido manejado justamente para o contrário, ou seja, para aumenta-lo. É o que eu chamo de processo penal fascista ou fascismo processual penal.

Vivemos tempos tenebrosos naquilo que diz respeito à autoridade do Direito, especialmente a do processo penal. Se fizemos um pacto político-jurídico-social com nossos códigos e com a ordem constitucional, eles devem ser preservados. A ordem jurídica deve ser respeitada em sua integralidade. Doa a quem doer.

A engenharia criada pela Constituição Federal foi determinante para a elaboração de um sistema de núcleo duro em relação aos direitos e garantias fundamentais. A nossa Carta Constitucional optou pela defesa intransigente da dignidade da pessoa humana.

Noutro giro, o nosso Código de Processo Penal, claramente inspirado no Código Rocco da Itália (1930), originário da era fascista, escolheu um modelo inquisitorial de aplicação da lei processual. Vale dizer, as práticas autoritárias foram importadas e replicadas em nosso país.

As nossas escolhas sempre nos custam algo. E o preço pela adoção desse sistema autoritário foi muito caro. Apesar de toda essa arquitetura punitivista construída no Brasil, ainda somos conhecidos no cenário internacional como o país da impunidade. Temos uma população carcerária gigantesca e em muitos lugares sem a mínima estrutura prisional para mantê-la. Valeu a pena punir desse modo?

O poder de punir é o mecanismo mais antigo do ser humano. Punir ou não punir? Essa foi a questão mais primitiva das sociedades humanas. No iluminismo houve uma virada interrogativa: por que punir? Infelizmente, nosso sistema punitivo adota outra pergunta: quem punir? Em outras palavras, o nosso modelo punitivo é marcado pela seletividade.

A seletividade opera sob uma lógica binária. Pune muito. E pune mal. Basta visualizar os nossos estabelecimentos penais. Servem como depósitos de vidas negras, marginalizadas, excluídas e pobres. São os gulags modernos do capitalismo liberal punitivista.

Os saberes penais, quais sejam, a criminologia, a política criminal, o Direito Penal, o processo penal e o Direito de execução penal devem funcionar como órgãos de um mesmo sistema, e não como esferas independentes sem nenhuma preocupação com os resultados. Certamente essas disciplinas são autônomas, mas elas devem atuar em conjunto.

Retornando ao processo penal fascista, ou seja, aquele que abandona os mandamentos constitucionais e se ocupa apenas de um punitivismo extremado, esse não deve ser aceito no terreno jurídico brasileiro, pois não é compatível com o Estado democrático de Direito e com a nova ordem constitucional inaugurada pela carta política de 1988.

Não podemos admitir esse autoritarismo no campo processual penal. Como tratado antes, nossa ordem constitucional adotou um eficiente modelo de garantias e nosso Código Penal traz em seus dispositivos uma carga inquisitorial muito grande. Como resolver esse impasse? Simples. Devemos interpretar a lei processual penal conforme o filtro da constituição. Caso contrário, não estaremos sob a orientação de um processo penal constitucional, mas, sim, de um processo penal de índole fascista.

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