Opinião

Os principais aspectos do open banking à luz do Código do Consumidor e da LGPD

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5 de setembro de 2021, 6h36

Inquestionáveis são as mudanças ocorridas nos últimos anos no sistema bancário brasileiro, motivadas principalmente pela disrupção tecnológica e pela ascensão das fintechs, que promoveram abertura e democratização dos serviços financeiros.

Nesse contexto, temos um fator determinante para esse avanço: o tratamento de dados.

Ocorre que o segmento bancário, ainda visto como tradicional, com exceção das bases de dados privadas e públicas, tais como SPC e Serasa, fica limitado aos dados financeiros de seus próprios clientes, impossibilitando-os de analisar o perfil de dados financeiros de outros consumidores e dificultando a entrada de novos players no mercado que careçam de dados para impulsionarem suas operações.

Diante disso e, seguindo uma tendência mundial, o Banco Central do Brasil deu um importante passo ao iniciar, em 2019, a implementação do open banking, que consiste, segundo definições da Resolução Conjunta nº 1/2020, no compartilhamento padronizado de dados e serviços por meio de abertura e integração de sistemas pelas instituições financeiras, instituições de pagamento e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB.

Essa iniciativa tem como objetivo permitir que os consumidores compartilhem seus dados com as mais diversas instituições financeiras, garantindo acesso a serviços bancários de forma mais dinâmica e eficiente, podendo optar por aquele que julgar mais benéfico. Na outra ponta temos as instituições bancárias, que poderão conhecer o perfil de outros clientes não façam parte sua carteira.

A partir do compartilhamento dessas informações, temos a formação de um ambiente que favorece a competitividade do mercado, uma vez que os bancos de menor expressão poderão ter acesso às mesmas bases de dados das instituições que lideram o segmento, reduzindo disparidade comercial. Apenas para contextualizar, atualmente os cinco maiores bancos do Brasil controlam mais de 80% do mercado.

Contudo, precisamos entender os desafios jurídicos que essa abertura apresenta do ponto de vista do direito do consumidor.

Nesse cenário, verifica-se a atenção da Resolução Conjunta nº 1/2020 aos principais preceitos da legislação consumerista no que concerne ao direito à informação, uma vez que prevê no I do artigo 4º [1] o dever transparência com o consumidor como princípio de destaque em seu rol, que permeia o regramento como um todo.

É impossível dissociar uma iniciativa que visa ao compartilhamento de dados da nossa célebre Lei Geral de Dados Pessoais (LGPD), sendo certo que o regimento cuidou de observá-la de forma categórica.

Como consequência lógica, a resolução do Banco Central contempla, nos mesmos termos, o rol de princípios indicados no artigo 6º da LGPD, ficando clara a importância da referida lei e o quão rápido ela se tornou referência para a inovação, seja tecnológica, seja legislativa.

À medida que seguimos com a análise da resolução fica nítida a correlação e sinergia da lei consumerista com a LGPD, uma vez que esta indica a necessidade de se apresentar informações claras e objetivas ao titular dos dados sobre como e quais informações estão sendo tratadas pelo controlador, conforme podemos extrair da leitura do artigo 9 [2] da lei de dados, que muito se aproxima do §1º artigo do artigo 43 [3] do CDC. Esses aspectos também podem ser identificados nos princípios da normativa bancária.

Contudo, um ponto muito sensível para o tratamento de dados reside na obtenção expressa do consentimento do titular dos dados e, nesse sentido, a redação do artigo 10 da Resolução Conjunta nº 1/2020 é digna de nota, uma vez que dispõe de forma clara e objetiva todos os cuidados que a instituição deve ter privilegiando, principalmente, a clareza na informação, a finalidade, as partes envolvidas na operação, os dados que estão sendo compartilhados e a vedação a determinadas formas de obtenção de consentimento [4].

Com essa breve exposição, fica claro o caráter inovador da iniciativa do Banco Central, que, se realizada observando os preceitos do CDC e da LGPD, trará benefícios que ainda não podem ser mensurados, tanto para o consumidor quanto para as instituições bancárias.

Tal como a adaptação da realidade das empresas para a LGPD é um desafio, a adoção do open banking pelos players seguirá a mesma lógica, pois, como se viu, o BC observou atentamente a recente norma em vigor e o aspecto da segurança da informação, sendo certo que investimentos nesse setor nunca foram tão necessários, considerando o aumento vertiginoso do compartilhamento de informações que esse serviço propiciará e a necessidade de adequação do segmento bancário às inovações que o mundo nos apresenta a cada dia.

 

Referências bibliográficas
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

BRASIL. Lei 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Resolução Conjunta nº 1, de 4 de maio de 2020. Dispõe sobre a implementação do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking).

5 maiores bancos concentram mais de 80% dos empréstimos no país, diz BC.  https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/06/07/5-maiores-bancos-concentram-mais-de-80-dos-emprestimos-no-pais-diz-bc.htm – Acessado em 18/08/2021

Aspectos essenciais do open insurance no Brasil. https://www.conjur.com.br/2021-ago-05/seguros-contemporaneos-aspectos-essenciais-open-insurance-brasil  – Acessado em 18/08/2021

 


[1] "Artigo 4º – As instituições de que trata o art. 1º, para fins do cumprimento dos objetivos de que trata o art. 3º, devem conduzir suas atividades com ética e responsabilidade, com observância da legislação e regulamentação em vigor, bem como dos seguintes princípios: I – transparência; II – segurança e privacidade de dados e de informações sobre serviços compartilhados no âmbito desta Resolução Conjunta; III – qualidade dos dados; IV – tratamento não discriminatório; V – reciprocidade".

[2] "Artigo 9º – O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso".

[3] "§1º. Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos".

[4] "§3º. É vedado obter o consentimento do cliente: I – por meio de contrato de adesão; II – por meio de formulário com opção de aceite previamente preenchida; ou III – de forma presumida, sem manifestação ativa pelo cliente".

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