Seguros Contemporâneos

Aspectos essenciais do open insurance no Brasil

Autores

  • Ilan Goldberg

    é advogado parecerista doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) professor da FGV Direito Rio e sócio de Chalfin Goldberg & Vainboim Advogados.

  • Guilherme Panisset Barreto Bernardes

    é advogado mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e sócio do escritório Chalfin Goldberg & Vainboim Advogados Associados.

5 de agosto de 2021, 14h19

No último dia 21, o Conselho Nacional de Seguros Privado (CNSP) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) publicaram, respectivamente, a Resolução nº 415 e a Circular nº 635, que regulam a implementação no país do sistema de seguros aberto, comumente designado como open insurance.

Spacca
O open insurance, tal como o open banking, é um sistema que permite o compartilhamento padronizado de alguns dados de clientes, nesse caso entre empresas do ramo de seguros, por meio de sistemas integrados, formando o que tem sido qualificado como open finance sistema financeiro aberto ampliado e que visa a beneficiar os consumidores, proporcionando um maior leque de opções, experiências customizadas, inovação e produtos sob medida.

O sistema, que já vem sendo implementado no âmbito do Banco Central do Brasil [1], bem como em diversos outros países, fixa o cliente no centro das operações financeiras, oferecendo a ele a possibilidade de compartilhar seus dados com diversas empresas de um mesmo setor por uma plataforma simples e unificada.

Ao consentir expressamente em dispor os seus dados e, assim, participar do open finance, o consumidor terá acesso a contas correntes, planos de previdência, capitalização e seguros, tudo em um mesmo lugar. Enquanto o compartilhamento dos dados se destina a permitir o recebimento de ofertas mais vantajosas e adequadas à sua demanda específica, a unificação de informações e disponibilização da lista fornecedores visa a facilitar a comparação entre os produtos oferecidos.

As matrizes legais que inspiraram as referidas normas CNSP e Susep são, essencialmente, a Lei nº 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica), o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e, como não poderia deixar de ser, a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), considerando que a funcionalidade do open insurance está diretamente calcada no consentimento expresso por parte do usuário do sistema (artigo 5º, §2°, da Resolução CNSP nº 415/2021).

Em esclarecimentos ao mercado prestados em webinar realizado em 4 de maio, a Susep esclareceu que o cliente/titular dos dados pessoais poderá escolher quais informações desejará compartilhar, cedendo-as, parcial ou integralmente, tendo sido destacado que os dados sensíveis dos consumidores não poderão ser compartilhados [2]. O titular dos dados terá, ainda, um controle posterior à divulgação, podendo gerir seus consentimentos e para quem eles serão disponibilizados [3].

Isso significa dizer que caberá ao cliente disponibilizar mais ou menos dados, a mais ou menos players, tendo em mente que um maior compartilhamento poderá propiciar, ao final, um produto mais adequado e eficiente e possivelmente mais barato, diante da concorrência gerada , enquanto o inverso poderá conduzir a um produto genérico, como, salvo exceções, ocorre atualmente.

Para as empresas, o sistema permitirá uma integração aprimorada de plataformas de pagamentos, seguros, contabilidade e empréstimos, propiciando um gerenciamento interno de dados, valores e força de trabalho mais eficiente, o que conduzirá a um maior controle do fluxo de caixa e gestão de riscos.

O objetivo da Susep é encontrar o equilíbrio entre a segurança do consumidor, a evolução do mercado e a adaptação dos produtos oferecidos aos desejos do cliente, alinhando proteção de dados, seguro e concorrência, sem descurar-se da inovação.

O caminho a ser percorrido pela Susep na implementação do open insurance é apenas a fase 4 da regulação do open banking operada pelo Banco Central, de acordo com Resolução Conjunta nº 01/2020, na qual há previsão para que produtos de seguros e previdência sejam distribuídos pelo canal bancário.

Trata-se, como se vê, de um louvável esforço de implementação de tecnologia da informação a um setor ainda consideravelmente burocrático. Com a implementação do open insurance, a Susep dá mais um passo rumo à inserção do Brasil no mercado internacional de seguros, já que sistemas similares têm sido implementados em mercados em crescimento, como no México, na Austrália, na Índia, na Nova Zelândia e em Singapura.

Na União Europeia, o tema já é discutido com profundidade pelo menos desde o início do ano, quando a Eiopa (Autoridade Europeia de Seguros e Pensões) publicou um paper tratando do open insurance. No material da autoridade, que exerceu influência no cenário brasileiro [4], é reconhecida a importância desse movimento de inovação baseada em dados, principalmente no que tange à sua adequada proteção [5]. A partir do relatório elaborado pela entidade europeia, é possível prever algumas consequências que surgirão no futuro do mercado segurador nacional.

Para os clientes, o futuro reserva um maior controle de seus dados, que virá acompanhado de uma grande necessidade de campanhas de conscientização do compartilhamento de informações e maturidade quanto à posição do titular. O mau uso dessas ferramentas poderá ocasionar consequências indesejáveis, como incidentes de segurança e fraude, além da exposição a ataques de hackers. Nesse ponto, será interessante acompanhar como a autarquia brasileira irá se portar.

Para as empresas do setor, o futuro desenha uma maior importância dos controles internos e das práticas de compliance, uma vez que a má gestão de dados poderá lhes causar graves danos reputacionais, além, naturalmente, de demandas de ordem regulatória, tanto sob a batuta da Susep quanto da autoridade nacional de proteção de dados (ANPD).

Com a entrada em vigor das normas no domingo (1º/8), o mercado se volta agora para a implementação do sistema sem compreender integralmente suas fronteiras e sem ver preenchidas algumas lacunas, preocupado, principalmente, com a baixa semelhança entre as operações financeiras/bancárias e securitárias, apesar de o open insurance estar sendo implementado na esteira do open banking.

Não se pode perder de vista, nesse particular, que algumas críticas foram feitas ao open insurance, principalmente pelas seguradoras mais tradicionais, como: 1) a ausência de um debate aprofundado e mais extenso entre poder público e as seguradoras; 2) a incógnita que paira sobre o futuro da participação dos intermediários nas operações (v.g., corretores, estipulantes e representantes de seguros); e 3) o curto prazo para implementação por parte das seguradoras, considerando que a Susep propõe, ao mesmo tempo, a implementação do Sistema de Registro de Operações (SRO) e introduz na estrutura a figura das sociedades iniciadoras de pagamentos [6].

Considerando que a primeira etapa deverá estar concluída até dia 15 de dezembro, provavelmente veremos, em breve, alguns desenvolvimentos interessantes na implementação do sistema.

Postos em revista os principais aspectos do open insurance, será essencial acompanhar como o mercado se comportará e, na medida do possível, contribuir na modulação do sistema para que de fato ele gere efeitos positivos aos segurados, seguradores e à sociedade como um todo.

 


[1] Trata-se da Resolução Conjunta nº 01/2020, do Banco Central, publicada no Diário Oficial da União em 05/05/2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-conjunta-n-1-de-4-de-maio-de-2020-255165055.

[2] O artigo 5, inc. II, da LGPD define o dado pessoal sensível como: “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”. Sobre o tema, confira, ainda, o artigo 5º, § 3°, inciso I, “a” da Resolução CNSP nº 415/2021.

[3] Com a publicação dos normativos, sabemos também que as designadas “sociedades iniciadoras de serviços” deverão obter o consentimento dos clientes a cada novo serviço, cf. o artigo 2º, inc. IX, da Resolução CNSP nº 415, de 20.07.2021. Artigo 2º. “[…] IX – sociedade iniciadora de serviço de seguro: sociedade anônima, credenciada pela Susep como participante do Open Insurance, que provê serviço de agregação de dados, painéis de informação e controle (dashboards) ou, como representante do cliente, com consentimento dado por ele, presta serviços de iniciação de movimentação, sem deter em momento algum os recursos pagos pelo cliente, à exceção de eventual remuneração pelo serviço, ou por ele recebidos”.

[4] Conforme se nota da exposição de motivos das normas sobre Open Insurance no Brasil, na qual é feita menção expressa ao documento. Disponível em http://www.susep.gov.br/setores-susep/seger/copy_of_normas-em-consulta-publica/Exp_Mot_Open%20-1.pdf.

[5] A autoridade europeia analisa as vantagens do Open Insurance por três diferentes perspectivas, destacando que: 1) para as empresas, ele oferece inovação, eficiência e colaboração; 2) para os consumidores, proporciona uma visão holística das políticas, facilitando a mutabilidade de serviços e oferecendo produtos customizados; e 3) para os supervisores, traz acesso em tempo real aos dados com capacidade de supervisão efetiva e tecnologia que facilita a regulação. Para mais detalhes, consulte-se: https://www.eiopa.europa.eu/sites/default/files/publications/consultations/open-insurance-discussion-paper-28-01-2021.pdf.

[6] Cf. Resolução CNSP nº 383, de 20/3/2020; e artigo 2º, inc. IX, da Resolução CNSP n 415, de 20/7/2021.

Autores

  • é advogado e parecerista, doutor em Direito Civil pela Uerj, mestre em Regulação e Concorrência pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), pós-Graduado em Direito Empresarial LLM pelo IBMEC, professor convidado da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e da Escola Nacional de Seguros (ENS-Funenseg), membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC), e sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados.

  • é advogado do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados e mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).

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