Opinião

As virtudes e os desvirtuamentos do Novo Código Eleitoral

Autor

  • Marcelo Aith

    é advogado latin legum magister (LLM) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa (IDP) especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca mestrando em Direito Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.

4 de setembro de 2021, 13h11

Tramita no Congresso Nacional o projeto do novo Código Eleitoral, com mais de 900 artigos. A extensão e o nível de detalhamento desse projeto de lei justificam-se pelo escopo de consolidar todos as normas eleitorais em um único texto.

Na contramão do que se exige de processo legislativo de tamanha envergadura, a Câmara dos Deputados aprovou na noite do último dia 31 o regime de urgência na tramitação do novo código, o que prejudicará sensivelmente a análise e a deliberação sobre pontos relevantes trazidos no texto-base. O açodamento na tramitação tem uma explicação: possibilitar que a aprovação ocorra antes do início de outubro e, assim, seja aplicada nas eleições de 2022.

Entre as inúmeras alterações, cabe destacar duas de grande relevância para as eleições de 2022: a) a alteração do início do prazo de inelegibilidade para os condenados criminalmente, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos (artigo 181, V, projeto do novo Código Eleitoral); b) institui a quarentena de cinco anos, contados do afastamento definitivo, para integrantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e das carreiras militares.

Com relação ao início do prazo para contagem do prazo de inelegibilidade (impedimento de concorrer, como regra, a qualquer cargo), a alteração afigura-se correta. Para o político condenado por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado pela prática dos crimes elencados no inciso I, "e", da Lei Complementar 64/90, que regula as inelegibilidades atualmente, o prazo de oito anos tem início após o cumprimento da pena imposta.

Dessa forma, o prazo de oito anos não se inicia no momento inicial da inelegibilidade, ou seja, com a condenação transitada em julgado ou por decisão de órgão colegiado (TJ ou TRF), mas com o cumprimento da pena; assim, por exemplo, um prefeito municipal, que tem foro por prerrogativa de funções no Tribunal de Justiça, é condenado a quatro anos por peculato. O prazo de inelegibilidade não será de oito anos, mas de 12 anos, gerando uma odiosa desigualdade entre pessoas em uma mesma situação jurídica, uma vez que para um condenado por improbidade administrativa o impedimento para concorrer às eleições se inicia com a decisão judicial, e não com o esgotamento das sanções impostas pela Lei de Improbidade.

O novo Código Eleitoral vem superar essa desigualdade, na medida em que a inelegibilidade passa a ter seu termo inicial no mesmo momento em que a lei impõe o impedimento de concorrer, e não em data futura (extinção da pena pelo seu cumprimento). Não se está a criar um favorecimento aos "ficha sujas" nesse ponto, conforme aventado pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, mas, sim, adequar e igualar situações desiguais.

Cumpre destacar, por oportuno, que o ministro Kássio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, já havia enfrentado essa questão ao analisar a medida cautelar na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.630, proposta pelo PDT, concedendo liminar para suspender a expressão "após o cumprimento da pena", que consta no artigo 1º, inciso I, alínea "e", da Lei Complementar 64/90. Não há dúvida da correção da decisão do ministro Nunes Marques, uma vez que o mencionado dispositivo estabelece um prazo de inelegibilidade absolutamente desproporcional e desarrazoado.

A nova versão do Código Eleitoral determina que são inelegíveis servidores integrantes das guardas municipais, das Polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal, policiais civis, magistrados e membros do Ministério Público que não tenham se afastado definitivamente de seus cargos e funções até cinco anos antes do pleito.

Walber Agra, professor livre-docente da USP e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), destacou em entrevista para o jornal O Estado de São Paulo que o prazo de vedação para as candidaturas é razoável. Segundo o professor, "é uma forma de garantir uma neutralidade não apenas fictícia, mas pragmática ao Poder Judiciário. Com o prazo de cinco anos para poder disputar as eleições, magistrados e membros do Ministério Público irão refletir de forma mais abalizada se devem entrar na luta política ou não. Isto porque a sociedade perde quando há uma politização do Judiciário e ele começa a se imiscuir em questões políticas".

Para Fernando Neisser, sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados, membro da Abradep e do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (Ipade), a ideia da quarentena é positiva, uma vez que há "cargos do Estado cuja capacidade de desequilibrar o pleito é tamanha que não basta o afastamento apenas nos meses que antecedem as eleições, sendo necessário um período maior. Isso evita que sua atuação, inclusive nos anos próximos da eleição, possa ter repercussão na legitimidade e normalidade do processo eleitoral, bem como na igualdade de condições de disputa entre os candidatos".

Nas eleições de 2018, na onda bolsonarista, muitos policiais militares, delegados de polícia e policiais federais foram eleitos, o que evidencia a correção dos argumentos trazidos pelo professor Walber Agra e pelo advogado Fernando Neisser, mas uma questão cabe ser levantada: essa alteração legislativa está em consonância com a Constituição da República?

A Constituição estabelece limitações constitucionais aos militares nos seguintes termos: "§8º. O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições: I – se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; II – se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade". São essas as limitações constitucionais para os militares concorrem. Para que se possa estabelecer quarentena de cinco anos, há necessidade de alteração do texto constitucional anteriormente à aprovação do novo Código Eleitoral. Do contrário, ele estará eivado de inconstitucionalidade.

Assim, há pontos positivos e outros negativos no projeto do novo Código Eleitoral, que demandam uma discussão exaustiva, não podendo ter uma tramitação açodada, para que não haja a introdução no ordenamento jurídico brasileiro de alguns "jabutis".

Autores

  • é advogado, latin legum magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa (IDP), especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca e professor convidado da Escola Paulista de Direito.

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