Opinião

Julgamento antecipado parcial de mérito representa avanço para o processo civil

Autor

  • Guilherme Vinicius Justino Rodrigues

    é advogada mestrando em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDSP-USP) e especialista em Direito Processual Civil pela Ponticífia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

31 de outubro de 2021, 17h22

Quando se fala em fracionamento do julgamento de mérito, alguns pontos positivos e negativos sobressaem. Será mesmo que os pontos positivos superam os negativos?

É forte a convicção de que o julgamento parcial de mérito oferece agilidade na entrega jurisdicional e confere, por essa razão, efetividade prática ao processo, porque pode possibilitar de antemão a autoridade da coisa julgada.

A fragmentação desse julgamento incide sobretudo sobre as pretensões, ou seja, sobre o bem da vida perseguido e onde recai a atividade cognitiva.

O julgamento antecipado parcial de mérito (CPC, artigo 356) difere do julgamento antecipado do mérito (CPC, artigo 355), pois, enquanto o primeiro não encerra a resolução de todas as pretensões deduzidas, mas ao menos de uma delas, o segundo representa o desfecho da demanda e a extinção do processo.

Nesse contexto, a resolução parcial de mérito também é diferente da mera tutela provisória (CPC, artigo 294), porque a cognação de uma é provisória e a outra é exauriente, com a particularidade de não se abranger todo o processo, no tocante ao julgamento parcial de mérito, mas sim alguma pretensão. A principal característica é o juízo de certeza, que se confere a sentença parcial, e a solução definitiva que ela proporciona a ao menos um dos pedidos formulados.

O julgamento parcial de mérito ocorre quando houver mais de um pedido e esse ato de cisão do ato decisória constitui avanço para uma resolução imediata, especialmente em questões que não dependem de outras provas. Essa cindibilidade também se aplica ao meritum causae, quando se trata de pretensão divisível, ou pretensão baseada em várias causas de pedir.

Aliás, cada uma das causas de pedir, que são usadas como fundamentos da pretensão, pode merecer julgamento próprio, é como se, em última análise, cada causa de pedir encerrasse um fundamento específico para um mesmo pedido.

Essa dinâmica também é aplicável em se tratando de colitigante (litisconsórcio não unitário), porque o julgamento para cada um deles pode ser diferente, o que forma uma pretensão divisível, a ensejar o possível julgamento parcial de mérito próprio com análise peculiar de litisconsorte.

Em hipótese de ampliação objetiva do processo, com a reconvenção, é possível também falar-se em julgamento parcial de mérito, especialmente porque a cognação exauriente não precisa ser conjunta com a demanda originária.

Da mesma forma no chamamento ao processo (CPC, artigo 130), em que o demandado leva ao feito os demais corresponsáveis pelo débito, é possível a fragmentação de julgamento de cada um dos chamados.

O julgamento parcial de mérito tem a seu favor a possibilidade de transitar em julgado e ostentar a autoridade da coisa julgada (CPC, artigo 975), como referi antes, especialmente porque não tem dependência com a sorte de outros pedidos. É de se defender que a coisa julgada se forma tão logo exaure-se a possibilidade de recurso.

Por esse motivo também que a decisão parcial de mérito não pode ser alterada, depois de proferida, ainda que tenha sido combatida por agravo de instrumento, motivo pelo que é inaplicável o artigo 1.018, §2º, do CPC, e pode ser atacada por ação rescisória.

A resolução parcial de mérito também é aplicável nos tribunais, ainda que não seja o objeto delimitado no recurso, porque embora o efeito devolutivo represente obstáculo pelo capítulo impugnado, pode haver um efeito expansivo quando a causa estiver madura e for possível a resolução de mérito.

Com o trânsito em julgado da decisão de mérito, e sem nenhuma relação com as demais pretensões, o cumprimento de sentença é definitivo e independe de caução (CPC, artigo 356, § 2º) para seu respectivo aparelhamento, a única ressalva é em relação a ato expropriatório (CPC, artigo 520, IX).

Por outro lado, em potencial crítica ou ponto negativo ao julgamento antecipado parcial de mérito, é possível ressaltar a própria crítica terminológica, porque ao se referir "julgamento antecipado parcial" pode transmitir uma ideia de deslocamento do momento "normal".

Ocorre que o momento adequado é aquele em que, ultrapassadas as garantias constitucionais e as probatórias para formação do juízo de certeza, pode-se conferir uma cognação exauriente a pretensão veiculada. Por isso, ao invés de "julgamento antecipado", poderia falar-se em "julgamento imediato".

Outra crítica e, talvez, ponto negativo, é a inexistência de possibilidade de se compelir o julgamento parcial de mérito, especialmente pela dúvida se é um poder-dever ou uma faculdade/discricionaridade do juiz.

Embora seja possível uma interpretação sistemática do diploma processual para concluir pela preferência sempre do julgamento de mérito (CPC, artigo 4), isso por si só não torna a disposição cogente.

Além disso, ao contrário da apelação, o recurso de agravo de instrumento contra decisão parcial de mérito não carrega consigo o efeito suspensivo ope legis.

Por seu turno, a técnica do recurso adesivo também não comporta igualmente aplicação quando se trata de agravo de instrumento interposto contra a resolução parcial de mérito.

A falta do recurso adesivo pode estimular o recurso até mesmo do vencedor, beneficiário do julgamento imediato, porque sempre que seu pedido for em parte procedente — como exemplo em indenização que se pediu dez, mas se concedeu cinco — restaria a possibilidade de recurso, e não reforço da pretensão com o adesivo.

Ainda, também não se verifica no CPC menção alguma à sustentação oral nesse recurso, quando se ataca o mérito, a única ressalva feita é para o caso de decisão interlocutória que verse sobre tutela provisória. Essa falta poderia representar cerceamento de defesa? Eu tenho plena convicção de que sim, além de caracterizar assimetria no direito dos demandantes.

Embora não se trate de situação específica de procedimento especial, ainda se tem dúvida sobre a aplicabilidade dessa técnica de julgamento parcial de mérito no Juizado Especial Cível.

Em conclusão, acredito que a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito, mesmo com os pontos negativos, representa um avanço para um processo civil de resultados e de efetividade prática, por meio do qual se confere a celeridade esperada.

 

Referências bibliográficas
ARAUJO, Luciano Vianna. O julgamento antecipado parcial sem ou com resolução do mérito no cpc/2015. In: Revistas de Processo. Vol. 286. 2018

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THEODORO JR., Humberto Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

SCALABRIN, Felipe. Técnicas de aceleração do julgamento no Novo Código de Processo Civil: julgamento liminar do pedido e julgamento antecipado do mérito. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 15, nº 1278, 02 de outubro de 2015.

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