Opinião

Cessão de direitos hereditários é uma saída para o inventário estagnado

Autores

  • Ana Vogado

    é diretora executiva e sócia do escritório Malta Advogados mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) professora assistente de disciplina de Anticorrupção e Compliance da Faculdade de Direito da UNB diretora da Alumni FD-UnB (Associação de Ex-alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília) e membro da Comissão de Compliance Governança Corporativa da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal;

  • Pedro Bittencourt

    é sócio do escritório Malta Advogados e mestrando e bacharel em Direito pela UnB (Universidade de Brasília).

  • Maria Eduarda Amaral

    é advogada especializada em Direito Digital graduada em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara pós-graduada em propriedade intelectual e especialista em gestão jurídica e proteção de dados pessoais pelo Ibmec-BH.

30 de outubro de 2021, 11h12

Quando se trata do procedimento judicial de inventário, há vários entraves que podem obstar seu bom andamento. A falta de consenso entre os herdeiros, o bloqueio do patrimônio do espólio por credores ou a falta de liquidez dos bens podem fazer com que um processo já caracterizado pelo rigor procedimental se prolongue ainda mais no tempo.

A cessão de direitos hereditários pode ser um belo instrumento para abrir a porta de saída de um inventário estagnado, dar liquidez ao patrimônio, superar conflitos puramente familiares e/ou dar mais eficiência ao patrimônio deixado.

Os direitos hereditários nada mais são do que o direito do herdeiro ao recebimento do quinhão que lhe cabe da herança deixada por um sucessor. Esses direitos são de natureza patrimonial e dizem respeito a todas as relações jurídicas patrimoniais, ativas ou passivas, que o de cujus possuía no momento da morte.

A partir da sucessão, os direitos hereditários tornam-se negociáveis por meio do instrumento de cessão de direitos hereditários. Esse tipo de cessão de direitos é um negócio jurídico bilateral pelo qual se transfere, de forma onerosa ou gratuita, a propriedade dos direitos hereditários adquiridos a partir da morte de uma pessoa pelos seus herdeiros, estando regulada principalmente nos artigos 1.793 a 1.795 do Código Civil [1], mas também em alguns dispositivos esparsos.

Importante ressaltar que a referida cessão versa a respeito dos direitos sobre um quinhão da herança, ou seja, uma fração ideal de todo o patrimônio do espólio, considerando os seus respectivos ativos e passivos. Não é possível, por outro lado, que qualquer dos herdeiros, sem autorização dos demais interessados e do juízo do inventário, comercialize bens individualizados do patrimônio do espólio. Isso porque a herança é uma universalidade de direito, isto é, um complexo de relações jurídicas, de modo que cada bem é possuído por todos os herdeiros de forma una e indivisível até a efetivação da partilha.

A relevância e utilidade desse tipo de negócio jurídico se evidencia na possibilidade de prover, para o cedente, a liquidez de um patrimônio imobilizado e, para o cessionário, a aquisição de direitos sobre bens por um preço menor que o seu verdadeiro valor ao assumir mais riscos.

Para ser segura, válida e eficaz, a cessão de direitos hereditários deve cumprir os requisitos disciplinados na legislação civil. A cessão somente pode ser celebrada no período entre a abertura da sucessão (evento morte) e a partilha deve ser formalizada por meio de escritura pública e o cedente deve ser civilmente capaz. Se casado, o cedente deve, ainda, possuir o consentimento do cônjuge independentemente do regime de comunhão de bens. Se incapaz, por sua vez, deverá obter autorização judicial prévia e consentimento do Ministério Público. As disposições da cessão de direitos hereditários, por fim, devem se restringir aos quinhões do cedente, não podendo versar sobre bens de forma específica e individualizada.

Além disso, para a realização do negócio, deve-se ter em mente que os demais herdeiros possuem direito de preferência em relação a terceiros para a aquisição dos direitos hereditários nas mesmas condições oferecidas ao terceiro interessado. Desse modo, a cessão a terceiro somente será eficaz e oponível a terceiros caso seja oportunizado o exercício desse direito e os herdeiros manifestem seu desinteresse em exercê-lo.

Do ponto de vista comercial, o interessado em adquirir direitos hereditários deve, idealmente, realizar uma verdadeira investigação sobre todas as relações jurídicas patrimoniais das quais o espólio é parte (due diligence) para ser capaz de quantificar os riscos assumidos. Isso porque o cessionário subrogar-se-á nos direitos e obrigações do cedente.

Nesse sentido, na análise prévia do complexo de relações jurídicas do espólio:

— Examinam-se os processos judiciais em curso nos quais o espólio é parte, avaliando perspectivas de perdas ou ganhos financeiros e, com isso, a possibilidade de se constituírem novos créditos ou débitos além dos já conhecidos;

— Verifica-se a existência de ônus ou gravames sobre bens imóveis que integram o patrimônio inventariado;

— Avalia-se a fase processual em que o inventário se encontra; e

— Qual é a perspectiva para sua solução definitiva, o que implica observar qual é a relação entre os herdeiros, como está a atuação do inventariante, quais etapas processuais ainda estão pendentes.

Em momento posterior à concretização do negócio, por sua vez, o cessionário deve estar bem auxiliado para assumir a fração adquirida das relações jurídicas do espólio, ou seja, habilitar-se nos processos judiciais e fiscalizar a atuação de figuras como o inventariante e o testamentário.

Do outro lado do negócio jurídico, os cedentes precisam se certificar de que estão realizando uma transação segura e com preço justo e estão cientes de todos os seus efeitos práticos. Muitas vezes, ainda pode ser necessária uma intermediação profissional com os co-herdeiros, que nem sempre irão concordar ou colaborar com a "venda da herança".

É oportuno, também, que as partes regulem e formalizem suas vontades em relação ao direito de acrescer, isso é, estabeleçam de forma expressa se o cessionário está adquirindo, além do patrimônio conhecido, qualquer outro bem que venha a ser conhecido posteriormente à cessão ou, ainda, um possível aumento do quinhão comercializado, que poderá acontecer no caso de renúncia à herança por outros herdeiros, por exemplo.

Diante dos pontos elencados, de um lado, o cedente deve estar ciente de todas as consequências derivadas da cessão de seus direitos, o que significa, basicamente, a venda dos seus direitos e obrigações patrimoniais enquanto herdeiro, a fim de estar bem orientado para decidir sobre a vantajosidade da operação do ponto de vista econômico e emocional. Por outro lado, o cessionário deverá avaliar com a devida profundidade e tecnicidade todas as relações jurídicas patrimoniais das quais o espólio é parte para verificar se o potencial benefício econômico supera os riscos assumidos.

Não obstante os cuidados necessários para avaliar os detalhes da transação e garantir que essa ocorra de maneira segura, a cessão de direitos hereditários é negócio jurídico de extrema relevância no contexto de inventários judiciais, podendo servir o propósito de proporcionar bons negócios aos herdeiros cedentes, que buscarão obter ativos de maior liquidez em contrapartida pela venda de seu quinhão hereditário, e também aos cessionários, que buscarão adquirir os bens e direitos do inventário por valores inferiores àqueles geralmente praticados no mercado.

 


[1] "Artigo 1.793 – O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§1º. Os direitos, conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§2º. É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§3º. Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

Artigo 1.794 – O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.
Artigo 1.795 – O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão.
Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias".

Autores

  • é diretora executiva e sócia do escritório Malta Advogados, mestranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), assistente de docência em Direito Administrativo Sancionador na Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduada na Escola Superior de Direito.

  • é assistente jurídico no escritório Malta Advogados e bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília.

  • é assistente jurídica no escritório Malta Advogados e bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília.

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