Opinião

A importância da proteção patrimonial para a preservação da empresa

Autor

  • Raul Bergesch

    é advogado na área do Direito Empresarial especialista em proteção patrimonial sócio fundador do escritório Bergesch Martin Advogados membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS Subseção de Novo Hamburgo.

27 de outubro de 2021, 20h28

Apesar de uma parcela da população não enxergar empresários com bons olhos, há nessa figura uma importante — para não dizer essencial — função social. Sob a ótica socioeconômica, é inegável a relevância de conservar empreendimentos no território nacional havendo, inclusive, no nosso ordenamento jurídico, a aplicação do princípio da preservação da empresa.

Toda a sociedade é beneficiada pela atividade empresarial, podemos citar os próprios trabalhadores, já que as empresas são a principal fonte de geração de empregos, consumidores, o Fisco, entre outros atores em que a atuação empresarial reflete de forma vantajosa.

Assim, a importância da preservação da empresa não se limita apenas nos interesses dos empresários e, por isso, devem haver mecanismos legais que possibilitem a sustentabilidade jurídico-econômica do empreendimento. Em hipótese alguma defendemos meios ilícitos para alcançar tais resultados, como lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio, evasão de divisas, sonegação fiscal, fraude contra credores etc. Ao contrário, pretende-se mostrar que há alternativas lícitas para atingir esse objetivo.

Os institutos da blindagem patrimonial e da proteção patrimonial se valem do conhecimento de juristas qualificados para analisar e idealizar, dentro da lei, o melhor cenário protetivo para seu cliente, adotando medidas legalmente autorizadas para proteção do patrimônio pessoal dos sócios, com o objetivo da conservação máxima possível da autonomia patrimonial.

Falamos em aproximar-se ao máximo da proteção patrimonial, porque não há, particularmente no entendimento atual da jurisprudência (o qual abordaremos adiante), como garantir que determinadas proteções consigam, com toda certeza, impossibilitar eventuais execuções que atinjam o patrimônio pessoal dos sócios.

Há inúmeras condutas lícitas que podem ser adotadas com o objetivo de proteger a empresa de uma lide e, por conseguinte, resguardar o patrimônio da empresa e de seus sócios de eventuais execuções judiciais. Com isso, é importante que seja analisado também o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 50 do Código Civil de 2002 (CC/02) e no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Analisando o entendimento jurisprudencial, constata-se que houve a banalização da desconsideração da personalidade jurídica, pois ela tem sido reconhecida fora das hipóteses previstas na legislação. A dissonância entre a previsão legislativa e a jurisprudência tem consequência direta nos atos dos empresários, que, nesse cenário, acabam valendo-se de práticas ilícitas para proteger seu patrimônio.

Temos de reconhecer que os empresários, assim como qualquer outra pessoa, têm suas inquietações quanto ao seu patrimônio, principalmente quando este é responsável pelo sustento de sua família. Sendo assim, é natural e legítimo que busque formas para que, caso a sua atividade empresarial enfrente dificuldades financeiras, estas não reflitam na sua estrutura familiar.

Há interesse público na continuidade das atividades econômicas no território nacional e, para isso, é importante que tenhamos instrumentos legais que permitam garantir um ambiente com credibilidade para que investidores nacionais e internacionais tenham confiança para fazer investimentos aqui, o que vai ao encontro do princípio da livre iniciativa e seus benefícios sociais que tratamos no início do artigo. Recursos estes que não perpetuem a instabilidade patrimonial que atualmente assola o país, mas que também prevejam as circunstâncias exatas em que será possível o atingimento do patrimônio pessoal dos sócios, garantindo-lhes segurança jurídica.

Existem procedimentos a serem implementados que permitem a elaboração de um planejamento patrimonial lícito e seguro. É evidente que não há fórmulas mágicas que permitam economias surrealistas e proteções inabaláveis. Mas há planos que especificam as vias lícitas — e seus riscos — para um maior aproveitamento financeiro, pagando estritamente o que é devido, apontando incorreções na operação e/ou nas relações jurídicas das empresas e como corrigi-las e, claro, para uma proteção patrimonial satisfatória.

Após realizar um inventário de todas as relações jurídicas e do patrimônio do cliente e estudar as múltiplas possibilidades, inclusive com o auxílio de profissionais de outras áreas caso se faça necessário, o advogado fornecerá um relatório com problemas, ameaças, oportunidades e propostas. Em muitas situações, a estruturação da proteção patrimonial demanda a constituição de uma ou mais holdings.

Em suma, holding é uma sociedade que tem participação em outras sociedades (com cotas ou ações em seu capital social), em quantidade suficiente para administrar ou controlar outras empresas e, em alguns casos, resguardar a autonomia patrimonial. Conforme ensinam Carla Alessandra Branca Ramos Silva Aguiar e Elizama Alencar Rodrigues Santos [1]:

"As eventuais dívidas pessoais dos sócios podem vir a dilapidar o patrimônio da empresa, quando o próprio patrimônio pessoal dos sócios, devido a confusão patrimonial em torno desses dois tipos de patrimônio, caso haja má-fé ou ilegalidade. A constituição de holding visa, através do controle de ações ou cotas, manter esse patrimônio protegido, contra as possíveis contingências internas ou externas".

Entretanto, temos de ter em mente que uma holding é apenas uma empresa como qualquer outra, podendo constituir-se na forma de sociedade anônima, limitada ou empresa individual.

Tem previsão legal no artigo 2º, §3º, da Lei 6.404/76 e no artigo 49-A do Código Civil, in verbis:

"Artigo 2º — Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
(…)
§3º. A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.
Artigo 49-A — A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)".

Há diversos tipos de holding, as quais passaremos a apresentar as principais, com detalhamento de suas características:

1) Holding pura: é titular de cotas de ações de outras sociedades, não possui qualquer atividade operacional, tendo como objetivo exclusivo titularizar cotas para gerenciar e orientar as políticas dessas sociedades;

2) Holding mista: além de ser titular de cotas de ações de outras sociedades, como na holding pura, também possui atividades empresariais como, por exemplo, de prestação de serviços civis e comerciais. Por oferecer benefícios fiscais e administrativos, é o tipo de holding mais utilizado no Brasil.

3) Holding administrativa: é constituída com o objetivo precípuo de aprimorar o controle empresarial, razão pela qual substitui legalmente os sócios e torna-se a responsável pela gestão.

4) Holding patrimonial: também chamada de administradora de bens, é constituída quando se verifica um patrimônio diverso, que contempla não somente bens móveis e imóveis, como também aplicações financeiras, direito e créditos distintos, além de marcas, patentes e desenhos industriais (propriedade imaterial) que estão em nome de pessoas físicas, é indicado que seja constituído uma holding com a finalidade de que esta seja titular dos bens.

5) Holding de controle: tem a finalidade de garantir a gestão de sua própria empresa, mesmo que se tenha terceiros que participem do negócio, por meio da detenção do controle societário de uma ou mais sociedades. Ou seja, esse tipo de holding mantém o acionista majoritário com o poder de decisão.

6) Holding de participação: é constituída a partir da falta de interesse de um acionista minoritário em se envolver nas decisões da empresa. Assim, a holding de participação administra essas participações societárias minoritárias com a finalidade de centralizar a gestão de outras sociedades, definindo planos e metas para estas.

7) Holding familiar: é indicada quando a família possui uma quantidade expressiva de bens, de forma que torna-se interessante a constituição de uma holding para que sejam agrupados em uma única sociedade (que será constituída pelos membros desta família) o patrimônio de uma ou mais pessoas físicas que sejam da mesma família e possuam bens e participações societárias. Assim, ficam facilitadas a gestão eficaz e a perpetuação patrimonial pessoal como consequência de planejamento sucessório no caso de eventual falecimento de um membro da entidade familiar.

Como já exposto, extrai-se o entendimento de que a holding tem o objetivo de assumir efetivamente o comando das atividades das empresas do grupo. Isso permite com que os sócios da holding administrem com mais facilidades as demais atividades empresárias, pois tem o poder de determinar quem administrará cada uma delas em caso de eventual morte, acordar sobre a possibilidade de entrada de novos sócios etc.

Essa operação de proteção patrimonial é lícita quando, por exemplo, uma empresa já consolidada com diversos bens declarados, opta por concentrar o seu capital em uma ou mais holdings para que, com tudo devidamente declarado, a receita seja tributada em sua totalidade e com isso os sócios podem manejar para que, como resultante, tenham reduções no montante fiscal devido, tudo isso feito estritamente dentro dos ditames da lei vigente.

Há incontáveis conjunturas que se verificam no campo prático e para cada uma delas há uma solução mais adequada, ou seja, haverá um tipo societário que se melhor se amoldará aos interesses dos sócios e investidores.

 

Referências bibliográficas
AGUIAR, Carla; SANTOS, Elizama. Blindagem patrimonial utilizando a holding patrimonial. Disponível em: http://www.rdpc.com.br/index.php/rdpc/article/view/82. Acesso em: 14.set.2021.

ALBURQUERQUE, Alessandra; BARBOSA, Carolina; Henriques, Letícia. Nuances Entre a Blindagem e a Proteção Patrimonial: da Licitude à Ilicitude. Disponível em: https://amb itojuridico.com.br/cadernos/direito-comercial/nuances-entre-a-blindagem-e-a-proteca o-patrimonial-da-licitude-a-ilicitude/. Acesso em: 14.set.2021.

INACARATO, Flávio Henrique Azevedo. Entenda as principais diferenças entre organização patrimonial e blindagem patrimonial. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/346997/organizacao-patrimonial-vs-blindagem-patrimonial. Acesso em: 14.set.2021.

MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda. Blindagem patrimonial e planejamento jurídico. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

 


[1] AGUIAR, Carla; SANTOS, Elizama. Blindagem patrimonial utilizando a holding patrimonial. Disponível em: http://www.rdpc.com.br/index.php/rdpc/article/view/82. Acesso em: 14.set. 2021. p. 9.

Autores

  • é especialista em proteção patrimonial, membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS, e sócio-fundador do escritório Raul Bergesch Advogados.

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