Ambiente jurídico

A responsabilidade jurídica dos consultores ambientais

Autor

  • Talden Farias

    é advogado professor associado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro da Comissão de Direito Ambiental do IAB.

30 de outubro de 2021, 8h00

Um dos importantes atores da Política Nacional do Meio Ambiente são os consultores ambientais, tendo em vista o papel que desempenham no licenciamento ambiental e nos demais processos administrativos ambientais, a exemplo de autorizações para a queima, autorizações para a supressão vegetal, concessões florestais e defesas de penalidades administrativas. Além de fazer o acompanhamento de tais feitos, o consultor é o profissional responsável pela realização dos estudos ambientais que acompanham tais processos e que deverão ajudar a fundamentar a decisão do órgão ambiental quanto à concessão ou não do que fora solicitado. Eles podem atuar individualmente ou por meio de pessoas jurídicas, que são empresas constituídas para a prestação de tais serviços.

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Quanto mais complexo o estudo maior e mais variado será o número de profissionais envolvidos, sendo muito comum que tais estudos sejam feitos por uma equipe multidisciplinar, a qual poderá contar com advogados, arquitetos, biólogos, ecólogos, economistas, engenheiros, geólogos, químicos, sociólogos etc. Não pode haver um único tipo de profissional a realizar tais trabalhos em função das peculiaridades de cada caso concreto e do caráter inter, multi e transdisciplinar exigido, o que acaba demandando um olhar mais abrangente a respeito dos impactos ambientais da atividade proposta.

O inciso III do artigo 1º da Resolução nº 237/1997 do Conama classifica estudos ambientais como "todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco". Existem outras avaliações de impacto ambiental que não foram elencadas pela resolução citada, mas que são exigidas pelos órgãos ambientais, a exemplo do estudo prévio e relatório de impacto ambiental [1], estudo de impacto de vizinhança, do relatório ambiental prévio, do relatório ambiental simplificado etc. O que define a modalidade do estudo a ser solicitada é o tipo do empreendimento, o grau poluidor, a localização da atividade e o seu entorno etc.

É claro que esses estudos devem ser analisados pelo órgão ambiental competente, que poderá pedir complementações, correções ou esclarecimentos, conforme estabelecem os § § 1º e 2º do artigo 14 da Lei Complementar nº 140/2011 e da citada resolução. A despeito disso, não se pode negar a relevância desses trabalhos no âmbito dos chamados processos administrativos ambientais, já que inegavelmente eles contribuem para orientar a Administração Pública, podendo induzir a uma tomada de decisão equivocada se feitos de maneira errada, com efeitos nocivos para o meio ambiente. Dito disso, resta perguntar qual a responsabilidade dos consultores ambientais em face de um estudo ambiental falso ou enganoso, que poderá concorrer para a ocorrência de danos efetivos ao meio ambiente.

É sabido que em matéria ambiental a responsabilização jurídica é tríplice, uma vez que cada irregularidade ambiental poderá ser punida de forma simultânea e independente nas esferas administrativa, cível e criminal, consoante dispõe o §3º do artigo 225 da Constituição Federal de 1988. Inclusive, esse dispositivo previu a possibilidade de enquadramento de pessoas jurídicas como autoras de crimes, o que demonstra o desiderato constitucional de busca pela maior efetividade possível no que diz respeito ao meio ambiente.

A Lei 9.605/1998 [2] reforçou esse tríplice responsabilização, ao determinar que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas envolvidas, e ao disciplinar a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica nessa seara [3]. Tudo isso decorre da importância do bem ambiental no ordenamento jurídico nacional e internacional, sendo considerado um direito fundamental, por ser valor indispensável à qualidade de vida, à saúde e à própria vida.

Em vista disso, faz-se necessário discutir acerca da responsabilidade jurídica dos consultores ambientais em face de estudos ambientais falsos ou enganosos. Essa discussão começou a vir à tona a partir do início da década de 2000, com a constatação do aumento do número de adaptações inadequadas e de comercializações irresponsáveis de estudos ambientais, práticas que geram lesões ao meio ambiente e que tendem a reduzir o processo administrativo ambiental a uma mera formalidade, além de contribuírem para o aumento da judicialização das demandas ambientais [4]. Foi por essa razão que a Lei nº 11.284/2006 alterou a Lei nº 9.605/1998 a fim de acrescentar um tipo penal específico sobre o assunto:

Art. 69-A — Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1º. Se o crime é culposo:

§ 2º. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.

O objeto jurídico é o meio ambiente, bem como a regularidade do licenciamento ambiental ou de qualquer outro processo administrativo ambiental, ao passo que o sujeito ativo é o consultor responsável pela realização do estudo, laudo ou relatório ambiental. O fato de a conduta estar criminalizada por si só já indicaria a relevância que o Direito atribui a ela, até porque a norma penal é a ultima ratio do Direito, mas vale a pena salientar que se cuida da maior pena da Lei nº 9.605/1998, admitindo ainda a modalidade culposa, o que ocorre na minoria dos tipos penais dessa lei. A responsabilização não necessariamente atingirá a todos que tenham assinado o estudo, mas somente aqueles que fizeram a parte falsa ou enganosa, uma vez que as condutas das pessoas físicas deverão ser individualizadas, sem prejuízo da responsabilização da pessoa jurídica.

Já a responsabilização administrativa foi disciplinada pelo Decreto nº 6.514/08, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações. Provavelmente influenciada pelo então novo tipo penal, essa norma instituiu um tipo administrativo específico para esse tipo de situação:

Artigo 82 — Elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, seja nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento, na concessão florestal ou em qualquer outro procedimento administrativo ambiental:

Multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Na definição da dosimetria da multa o órgão ambiental deverá levar em conta os critérios do artigo 6º da Lei nº 9.605/1998 [5], notadamente a condição econômica do autuado, cabendo ainda destacar que nesse caso a responsabilidade administrativa é subjetiva. Não se pode esquecer que o inciso V do artigo 5º da Lei Fundamental equipara as garantias do processo judicial às do processo administrativo.

Por fim, a responsabilidade civil é objetiva, conforme dispõe o §1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81, sendo necessário apenas demonstrar o nexo de causalidade entre o ato e o dano para que haja a responsabilização do agente causador do dano, independentemente de decorrer de ato lícito ou não. A responsabilidade é solidária, de modo que qualquer um dos que concorreram para o dano poderá ser demandado, inclusive os poluidores indiretos, figura prevista no inciso III do artigo 3º da Lei nº 6.938/1981.

Na hipótese de ocorrência de dano ambiental os consultores ambientais poderão ser considerados como poluidores indiretos, caso o seu estudo falso ou enganoso tenha concorrido para o desastre. Enquanto a responsabilidade criminal requer a comprovação do dolo ou da culpa e a responsabilidade administrativa requer a comprovação da culpa, a responsabilidade civil ambiental requer apenas a constatação do dano e o elo de ligação entre esse dano e a conduta omissiva ou comissiva dos consultores.

Isso implica dizer que os consultores ambientais, bem como a própria consultoria ambiental, poderão ser responsabilizados na esfera administrativa, cível e criminal na hipótese de constatação de um estudo ambiental falso ou enganoso. Entretanto, a responsabilidade civil tem um potencial lesivo muito maior nesse tipo de situação, mormente se o poluidor direto não tiver como arcar com as suas obrigações, pois ao contrário da responsabilidade administrativa não possui um valor máximo indenizatório e nem se rege pela culpa.

Fica patente a importância de o consultor ambiental ter cuidado com o que escreve nos estudos ambientais. De toda forma, cumpre esclarecer que o intuito dos dispositivos legais citados não é criminalizar a atividade de consultoria ambiental, mas garantir a punição daqueles que cometem erros grosseiros e que contribuem de maneira decisiva para a ocorrência de danos ambientais.


[1] O estudo prévio e o relatório de impactos ambientais são aplicados apenas em relação às atividades com maior potencial poluidor, que normalmente são as atividades econômicas de grande porte. É por isso que o inciso IV do §1º do artigo 225 da Lei Fundamental determina a exigência desse mecanismo apenas em relação às atividades causadoras de significativa degradação do meio ambiente.

[2] Ao invés de "Lei de Crimes Ambientais", como ficou conhecida, a terminologia mais adequada tecnicamente seria "Lei de Responsabilidades Ambientais", uma vez que a Lei 9.605/98 também dispõe sobre responsabilidade administrativa ambiental (artigos 70 a 76), responsabilidade civil ambiental (artigos 3º e 4º), termo de compromisso (artigo 79-A) e cooperação internacional ambiental (artigos 77 e 78).

[3] Vide os artigos 2º, 3º e 4º da Lei nº 9.605/1998.

[4] O Ministério Público do Estado de Minas Gerais chegou a afirmar que a citada empresa e a consultoria TÜV SÜD emitiram falsas declarações de condição de estabilidade (DCE) de barragens, o que teria concorrido decisivamente para a ocorrência do desastre ambiental do rompimento da barragem em Brumadinho (https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/01/21/brumadinho-mp-afirma-que-vale-e-tuv-sud-emitiam-declaracoes-falsas-de-estabilidade-de-barragens.ghtml).

[5] Artigo 6º — Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará: I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.

Autores

  • é doutor em Direito pela UERJ, doutor em Recursos Naturais pela UFCG, mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB, advogado e professor da UFPB e da UFPE.

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