Opinião

A Lei do Superendividamento sob a ótica do credor

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6 de outubro de 2021, 20h37

A Lei n° 14.181/2021, também conhecida como Lei do Superendividamento, alterou alguns artigos do Código do Consumidor e do Estatuto do Idoso, inserindo dispositivos que buscam aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor, dispondo sobre prevenção e tratamento do devedor superendividado.

É possível dizer que se trata de um instituto correlato à recuperação judicial, aplicável a pessoas físicas, já que se prevê procedimentos para conciliação, processo de repactuação de dívidas, plano de pagamentos, entre outros.

Para além dos benefícios mais evidentes trazidos pela novidade legislativa, principalmente para as pessoas superendividadas, a lei também traz diretrizes importantes de repactuação das dívidas e de recuperação de créditos que beneficiam credores que se viam com pouca probabilidade de se reerguer financeiramente, honrando com as obrigações previamente assumidas.

Fato é que o mercado há muito precisava de uma solução institucionalizada para enfrentar situações de inadimplência bastante comuns, em especial em momentos de crise econômica, como a atualmente vivida e potencializada pelas consequências da pandemia da Covid-19.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o mês de julho deste ano teve o maior percentual de famílias endividadas no Brasil desde 2010, de modo que se mostra muito bem-vinda esse tipo de solução.

Nessa senda, a lei conceitua superendividamento como a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial.

Importante perceber que, a fim de evitar abusos por parte do devedor, a lei expressamente exclui de seu âmbito de aplicação as dívidas contraídas dolosamente, mediante fraude ou má-fé ou que sejam decorrentes de contratos que tenham por objeto produtos e serviços de luxo e de alto valor.

O processo de repactuação de dívidas ocorre a requerimento do consumidor, sendo instaurada pelo juiz que designa audiência de conciliação, a qual deverá contar com a presença de todos os credores. Nessa audiência, o devedor deverá apresentar proposta de pagamento aos credores, no prazo máximo de cinco anos, preservando as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Essa audiência merece especial atenção dos credores, já que o não comparecimento injustificado do credor (ou de um procurador com poderes especiais e plenos para transigir em seu nome) acarretará suspensão da exigibilidade do débito, interrupção dos encargos de mora (multas moratórias) e sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido for certo e conhecido pelo consumidor

Ainda, caso a conciliação não seja exitosa, o juiz poderá determinar a repactuação de dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório que deverá assegurar ao credor ao menos: 1) o valor principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço; 2) liquidação total da dívida após a quitação do plano de pagamento consensual, em prazo máximo de cinco anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 dias, contado da homologação judicial e o restante do saldo será devido em parcelas mensais, iguais e sucessivas.

Vê-se, assim, que a nova legislação traz grandes benefícios para o consumidor/devedor de boa-fé que, agora, tem a possibilidade institucionalizada de negociar com todos os seus devedores em condições predeterminadas, sem ter seu nome negativado e sem ficar em situação de miserabilidade. O credor também poderá se beneficiar, pois poderá negociar com o devedor um plano consistente de pagamento. Porém, as vantagens poderiam ser maiores se aos credores também fosse dada a prerrogativa de requerer a instauração desse tipo de procedimento desde que preenchidos determinados requisitos.

Nesse contexto, considerando que a iniciativa de repactuação deverá sempre partir do devedor, será necessário aguardar e verificar se haverá efetiva adesão por parte dos consumidores ou mesmo incentivos governamentais e de órgãos de proteção do consumidor na aplicação dos institutos trazidos pela Lei do Superendividamento.

Fato é que atualmente os credores já enfrentam inúmeras dificuldades judiciais quando buscam o adimplemento de dívidas, de modo que é possível que mesmo diante da novidade legislativa, o consumidor não dê início a um processo de repactuação de dívidas, seja por entender que a lei não lhe beneficia no caso concreto, seja pela falta de conhecimento das vantagens que a lei lhe traz.

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