Opinião

Venda de ativos na falência e preço vil

Autor

  • Maicon Natan Volpi

    é especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMPSP) e analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo.

2 de outubro de 2021, 15h12

Em recente alteração promovida pela Lei nº 14.112/20 na Lei nº 11.101/05, houve a inclusão de uma série de novos dispositivos no Capítulo V, mais especificamente na sua Seção X, que trata da realização dos ativos na falência, tudo com o fim de buscar uma solução mais célere do processo de falência, dispositivos estes que têm trazido alguma controvérsia, em especial em relação à questão de preço vil na aquisição de bem arrecadado na falência.

Com aludida alteração, passou a constar do artigo 142-A, §2º-A, inciso V, que a alienação dos ativos arrecadados na falência "não estará sujeita à aplicação do conceito de preço vil" [1].

Dispôs ainda o §3º-A do artigo 142-A da Lei nº 11.101/05 que a alienação por leilão eletrônico, presencial ou híbrido dar-se-á: "I  em primeira chamada, no mínimo pelo valor de avaliação do bem; II  em segunda chamada, dentro de 15 dias, contados da primeira chamada, por no mínimo 50% do valor de avaliação; e III  em terceira chamada, dentro de 15 (quinze) dias, contados da segunda chamada, por qualquer preço" (grifo do autor) [2].

Em tratamento diametralmente oposto, o Código de Processo Civil, no seu artigo 891, dispôs que "não será aceito lance que ofereça preço vil, sendo que se considera vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação" [3].

Apesar de vozes dissonantes na doutrina e na jurisprudência, entendemos que o legislador fez uma interessante escolha na presente distinção, em especial pelas seguintes razões: 1) por não se confundirem os fins da demanda executiva individual com os fins do processo de falência; e 2) além da necessidade de se conceder uma duração mais razoável ao processo de falência.

Cabe observar que a vedação à alienação por preço vil visa a atender e compatibilizar dois princípios no processo de execução individual, quais sejam: princípio da menor onerosidade do devedor e o princípio da máxima efetividade da execução. Nada mais representa o conceito de preço vil senão a ponderação desses dois princípios, que devem conviver de maneira harmônica no processo de execução ordinariamente concebido.

Contudo, no processo de falência, as circunstâncias fáticas envolvidas são diferentes, tendo em vista que a quebra pressupõe a impossibilidade de soerguimento da empresa. Desse modo, a liquidação é uma imposição para que a pessoa jurídica seja extinta com o pagamento do maior número de credores possível.

A extinção da empresa, pela liquidação de todo seu ativo arrecadado, é uma necessidade do mercado, destacado, inclusive, pelo legislador, o qual apontou que a falência visa a "permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de seus recursos na economia" (artigo 75, inciso II, da Lei nº 11.101/05, incluído pela Lei nº 14.112/20).

Vale ainda pontuar que nem sempre os bens arrecadados na falência são de fácil liquidez. Em se tratando de demanda executiva individual, havendo a penhora de bem de baixa liquidez, basta o exequente peticionar ao juízo da execução para requerer a substituição da penhora, nos termos da faculdade atribuída no artigo 848, inciso V, do CPC/15. Na falência, existindo a imposição legal de alienação de todo ativo arrecadado por preço não vil, nos termos do proposto pelo CPC/15, inclusive os de baixa liquidez, equivaleria a condenar o processo de falência à perpetuação, com prejuízo à própria economia nacional.

De fato, entendemos correta a posição do legislador, em especial quando comparados os fins da demanda executiva individual com aqueles do processo de falência: naquela visa-se à satisfação de crédito individual, com a menor oneração para o devedor, e em observância à garantia do mínimo existencial, decorrente do princípio fundamental da dignidade humana; ao passo que no processo de falência, mais do que a satisfação de crédito, visa-se a promover a liquidação da pessoa jurídica, para extingui-la, com a rápida realocação de seus recursos na economia, por não ser mais viável.

Deixa claro o legislador que, diante dos fins diversos, não é possível tomar de empréstimo o conceito de preço vil do CPC/15 para o processo de falência, apesar da possibilidade de fiscalização dos procedimentos de alienação pelos interessados, consoante se extrai do artigo 143 da Lei nº 11.101/05, não alterado pela Lei nº 14.112/20 [4].

Destacou ainda o legislador que a alienação dos bens da massa falida deve se dar independentemente da conjectura do mercado ser favorável ou não à venda do bem (artigo 142-A, §2º-A, inciso I). Nesse dispositivo deixou-se claro que o processo de falência objetiva a maximização do ativo, para satisfazer o maior número de credores. Contudo, o processo de falência é desprovido de caráter especulativo, na medida em que se deve buscar a duração razoável do processo para a liquidação e extinção da empresa.

Com o fim de minimizar eventuais prejuízos aos credores, com alienação do bem da massa por preço inferior ao seu valor de mercado, o legislador trouxe mecanismos de participação dos credores, durante a liquidação da empresa.

Assim, dispôs o §1º do artigo 143 que as "impugnações baseadas no valor de venda do bem somente serão recebidas se acompanhadas de oferta firme do impugnante ou de terceiro para a aquisição do bem, respeitados os termos do edital, por valor presente superior ao valor de venda, e de depósito caucionário equivalente a 10% do valor oferecido" [5].

No mesmo sentido, o artigo 144-A dispôs que "frustrada a tentativa de venda dos bens da massa falida e não havendo proposta concreta dos credores para assumi-los, os bens poderão ser considerados sem valor de mercado e destinados à doação" [6].

Assim, verifica-se que ao credor é dada a possibilidade de impugnar o valor da alienação, apresentando proposta de aquisição por valor superior à ofertada pelo arrematante, de modo a mitigar eventual prejuízo pela alienação do bem por preço abaixo daquele de avaliação. Admite-se ainda a própria adjudicação do bem arrecadado ao credor da falida, em compensação ao valor inscrito no quadro geral de credores, desde que observada a ordem legal de preferência.

Desse modo, diante das recentes alterações promovidas pela Lei nº 14.112/20 fica afastado do processo de falência a aplicação do conceito de preço vil, nos termos do proposto pelo CPC/15, quando da alienação dos bens arrecadados, na medida em que o processo de falência tem por finalidade, para além da satisfação dos credores, a liquidação da pessoa jurídica, com a posterior promoção da sua extinção, circunstância ponderada pelo legislador, que, para evitar maiores prejuízos aos credores, previu mecanismos de participação na alienação do ativo.


[4] "Artigo 143 – Em qualquer das modalidades de alienação referidas no art. 142 desta Lei, poderão ser apresentadas impugnações por quaisquer credores, pelo devedor ou pelo Ministério Público, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da arrematação, hipótese em que os autos serão conclusos ao juiz, que, no prazo de 5 (cinco) dias, decidirá sobre as impugnações e, julgando-as improcedentes, ordenará a entrega dos bens ao arrematante, respeitadas as condições estabelecidas no edital". Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acessado em 03/07/2021.

Autores

  • é especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMPSP), atuou em convênio com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, atualmente exerce o cargo de Analista Jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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