Opinião

Sobre os 'causos': afinal, para que serve a prerrogativa de requisição?

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22 de novembro de 2021, 15h06

A bela iniciativa promovida pela sociedade civil organizada  e mesmo a desorganizada , associações e movimentos, além de profissionais do meio jurídico, em prestígio às prerrogativas da Defensoria Pública, realizada em decorrência da malfadada iniciativa da Procuradoria-Geral da República que foi autuada sob nº 6.852 (ADI), fez-me revisitar, metaforicamente, cartas, postais e fotografias do passado.

Ou dizendo com mais precisão: motivou-me a ir a meus arquivos verificar em quais hipóteses, no exercício da atividade de defensor público, requisitei informações a autoridades públicas. Ao fazê-lo, animei-me a relatar alguns episódios, como forma de ilustrar, concretamente, a importância do dito instrumental.

Na Serra Gaúcha, em dada oportunidade, ali por 2013, foram requisitadas informações à Secretaria do Meio Ambiente local em razão da notícia, trazida por pessoa assistida, de que os restos mortais de sua filha, falecida com poucos meses de vida, seriam cremados, a despeito da autorização da família, como espécie de medida de gestão do território do cemitério local.

A resposta ofertada pela municipalidade foi determinante para o ajuizamento de ação judicial que resultou na suspensão da providência  o que talvez não teria se dado tempestivamente caso fosse necessário aforar previamente pleito de exibição de documentos ou outra medida jurisdicional de natureza cautelar.

No sul do Estado, na região do Pampa, a referida prerrogativa foi utilizada para assegurar que pessoas transgênero pudessem exercer, de forma extrajudicial, o direito ao ajuste de sua documentação civil. Em que pese, naquele momento, já houvesse orientação segura por parte do Conselho Nacional de Justiça a esse respeito, fato é que a determinação não era, pragmaticamente, seguida pelo ofício local.

No mesmo contexto  registral , foi a enfocada prerrogativa essencial para a conclusão de que havia indevida situação de nepotismo em um dos ofícios cartorários, o que, ademais da ilegalidade em si, trazia prejuízo aos direitos das pessoas assistidas ante a habitual recalcitrância do agente designado em assegurar a gratuidade dos procedimentos patrocinados pela Defensoria Pública.

Já no âmbito criminal ou de execução penal, foi também a partir de requisições que se pôde concluir que, a "pretexto" de ausência de estrutura física, os presos de determinado estabelecimento não gozavam de banho de sol, em evidente descumprimento da legislação e das diretrizes extraídas dos julgados do Supremo Tribunal Federal que reconhecem o estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro.

Por meio das mesmas requisições é que, cotidianamente, em incontáveis casos, pôde-se obter documentos acautelados por órgãos de proteção, como o Conselho Tutelar, e promover com a celeridade e presteza necessária pedidos de guarda ou buscas e apreensões de criança ou adolescentes em situação de risco.

Ainda na região da campanha gaúcha, a prerrogativa examinada viabilizou não só o direito de pessoas. Certa feita, dois cidadãos procuraram a Defensoria por terem tido seus cavalos apreendidos quando transitavam  pessoas e cavalos  pelas ruas do município. O procedimento era, efetivamente, inexistente. Nada muito além do que um bilhete de que os cavalos tinham sido perdidos. Os animais acabaram, de pronto, restituídos após requisição de informações à Procuradoria do município.

Esses breves apontamentos são feitos sobretudo para contextualizar que a prerrogativa de requisição é destinada diuturnamente à preservação de direitos individuais ou coletivos nos âmbitos civil, administrativo ou criminal. Qualquer restrição, seja a pretendida pelo Ministério Público, seja a desejada por aqueles que, a esta altura, antevendo a força do movimento que se criou, buscam não mais aniquilá-la, mas estrategicamente estreitá-la, trará prejuízos ao acesso à Justiça dos milhões de assistidos pela Defensoria Pública. Tudo isso na contramão dos fundamentos da República e dos objetivos que a legitimam, segundo a Constituição de 1988.

Autores

  • é defensor público no Rio Grande do Sul, doutor em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), com estágio de investigação na Universidade de Coimbra, e diretor de Ensino da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do RS.

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