Opinião

Nova Lei de Improbidade Administrativa e individualização da conduta

Autor

  • Valber Melo

    é advogado professor de Direito Penal e Processual Penal doutor em Ciências Jurídicas e Sociais especialista em Direito Penal e Processual Penal especialista em Direito Penal Econômico especialista em Direito Público autor de livros e artigos jurídicos e conselheiro nacional da Abracrim-MT.

18 de novembro de 2021, 11h09

Em que pese a individualização da conduta seja um pressuposto necessário para qualquer petição inicial, notadamente naquelas que imputam atos tidos como ímprobos, afeto ao arco do Direito Administrativo Sancionador, a antiga redação da Lei 8.429/92 não trazia qualquer previsão expressa nesse sentido.

Para os estudiosos do tema e para aqueles que atuam na área, não era incomum se deparar com a atribuição genérica pelo autor da ação de atos taxados como ímprobos, principalmente "em conluio", naquelas ações com extenso número de requeridos, sem a necessária indicação concreta de como os atos se realizaram e sem a necessária individualização da conduta.

Mesmo com a previsão dos ditames do artigo 41 do Código de Processo Penal [1], aplicado subsidiariamente ao rito das ações de improbidade do artigo 337, IV, do CPC [2], que tratam da matéria de inépcia, não era difícil se deparar com iniciais genéricas, sem individualização das condutas, que mais se aproximavam de imputações por presunção, flertando muitas vezes com a vedada responsabilização objetiva.

Também não era incomum, antes da vigência da novel lei, se arrastar gestores para o polo passivo da ação simplesmente por ocuparem cargo público relevante, sem qualquer individualização concreta de suas condutas, como se o gestor fosse responsável por todos os atos que ocorrem na Administração Pública, fazendo-se letra morta dos princípios da confiança e da segregação das funções.

Com efeito, visando a afastar esse tipo de imputação genérica e dar concretude ao devido processo legal, o legislador contemplou com a nova redação do artigo 1, §3°, da LIA, que "§3º. O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa".

Também com o escopo de desestimular ações temerárias, o legislador — por meio da nova redação do artigo 17, §6º, I, da Lei nº 14.230/2021 — inseriu expressamente no regime jurídico da Lei nº 8.429/1992 a necessidade de individualização das condutas na petição inicial, tendo em vista possibilitar as partes o exercício efetivo do contraditório: "§6º. A petição inicial observará o seguinte: I – deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada".

Como se vê, a novel lei trouxe expressamente a obrigatoriedade da exposição minuciosa dos fatos e individualização da conduta, tendo em mira que o demandado tem o direito de saber do que está sendo acusado e por quais os motivos integra o polo passivo da ação, bem como qual o fundamento da atribuição de sua responsabilidade, notadamente pela proibição, no campo do Direito Administrativo Sancionador, da odiosa responsabilização objetiva.

Desse modo, para que a ação de improbidade possa ser recebida, necessário que o autor especifique na exordial, as condutas praticadas e individualizadas por cada um dos que figuram no polo passivo, de forma semelhante ao que se dá com as denúncias penais, sob pena de inépcia da petição inicial (CPC, artigo 330, inciso I [3]) e rejeição liminar da demanda nos termos do artigo 17, §6º-B [4], com a novel redação da Lei 14.230/2021.

Mas não é só! O legislador exigiu também, além da descrição pormenorizada da conduta e os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos artigos 9, 10 e 11, que a petição inicial seja instruída "com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)".

Afinal, é exatamente a imputação pormenorizada de fatos, acompanhados de documentos ou justificações que contenham indícios suficientes de autoria das práticas dos atos descritos nos artigos 9, 10 e 11 da Lei 8.429/92, que possibilitam aos que sofrem esse tipo de demanda conhecerem as exatas razões da acusação e exercer de forma plena e efetiva o contraditório e a ampla defesa.

Por fim, foi nesse sentido, e justamente por não se poder admitir processo de improbidade com todos os graves ônus e constrangimentos nele encetados, que o legislador quis evitar a litigância irresponsável, inclusive tipificando como crime a representação por improbidade contra a parte que se sabe inocente (LIA, artigo 19 [5]) e impondo rigor redobrado na elaboração e instrução da petição inicial (LIA, artigo 17, §§6º e 6º-B [6]).


[1] "Artigo 41 — A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

[2] "Artigo 337 — Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: IV – inépcia da petição inicial".

[3] "Artigo 330 — A petição inicial será indeferida quando: I – for inepta".

[4] "§6º-B. A petição inicial será rejeitada nos casos do artigo 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado".

[5] "Artigo 19 — Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente. Pena: detenção de seis a dez meses e multa. Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado".

[6] "§6º-B. A petição inicial será rejeitada nos casos do artigo 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado".

Autores

  • é advogado criminalista, professor de Direito Penal e Processual Penal, doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, especialista em Direito Penal e Processual Penal, especialista em Direito Penal Econômico, especialista em Direito Público e conselheiro nacional da Abracrim-MT.

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