Opinião

O fundamento para reconhecimento da prescrição intercorrente na nova LIA

Autor

  • Tiago do Carmo Martins

    é juiz federal do TRF-4 doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2016) diretor da Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina (Esmafesc) professor do curso regular da Esmafesc na disciplina de Direito Administrativo e autor dos livros "Anotações à Lei de Improbidade Administrativa" (Editora Verbo Jurídico 2012 e 2017) e "Improbidade Administrativa: Análise da Lei 8.429/92 à luz da doutrina e da jurisprudência atualizada segundo a Lei 14.230/2021" (Editora Alteridade 2022).

15 de novembro de 2021, 11h18

Entre as muitas mudanças operadas pela Lei 14.230/2021 no regime de proteção à moralidade administrativa, destaca-se o estabelecimento de prescrição intercorrente na ação por improbidade.

Nessa esteira, além do prazo para exercício da pretensão condenatória por ato de improbidade, fixado em oito anos a contar do fato (artigo 23 da Lei 8.429/92), a nova lei cria marcos temporais para fases processuais especificadas: ajuizamento da ação até sentença condenatória, desta até a publicação de decisão ou acórdão do TJ ou TRF que a confirma ou da inicial até o acórdão que reforma a sentença absolutória, e assim por diante (artigo 23, §4º).

Nessas fases, o prazo da prescrição intercorrente é de 4 anos, pois é contado "pela metade do prazo previsto no caput deste artigo" (artigo 23, §5º).

É de se indagar, então, se a prescrição intercorrente deve ser decretada sempre que o mencionado prazo de quatro anos for superado, de modo automático; ou, se ao contrário, há razões que obstam o reconhecimento da prescrição intercorrente na ação de improbidade.

Para tanto, é de se rememorar a finalidade do instituto. A doutrina processualista — e a ação de improbidade é uma ação civil, regida, na essência, pelo CPC (artigo 17 da Lei de Improbidade) — tem bem definido, na interpretação do artigo 921 do diploma processual, que a prescrição intercorrente só se dá diante da inércia do credor [1] e não ocorre quando o "exequente exerce uma postura ativa no processo, envidando esforços para obter a satisfação da pretensão" [2].

Embora o processo deva se desenvolver por impulso oficial, "a lei impõe diversos ônus às partes no decorrer do iter processual, sendo que, de sua inércia, pode resultar suspensão ou arquivamento do processo (…) com a decretação da prescrição intercorrente", sendo um ônus permanente sobre o autor, que deve ser diligente na promoção do andamento regular do processo, de modo que sanciona a negligência do autor e não decorre da "simples demora na tramitação da ação" [3].

Assume, assim, a missão de tutelar a segurança jurídica diante da desídia da parte, harmonizando a passagem do tempo com a necessidade de soluções tempestivas, de modo que "funciona como elemento conformador do direito — e da própria Justiça" [4].

Essa mesma compreensão é consolidada na jurisprudência. O STJ dá relevância fundamental à inércia do titular do direito para reconhecer a prescrição intercorrente [5].

Nem mesmo a demora atribuível ao serviço judiciário pode obstaculizar o direito do autor [6]: "Somente a inércia injustificada do credor caracteriza a prescrição intercorrente na execução, o que não se verifica no caso concreto, já que a demora no andamento do feito se deu por motivos inerentes ao próprio mecanismo judiciário" [7].

Se isso é tão claro para execução de dívidas, com maior razão essa doutrina é aplicável à ação por improbidade administrativa, na medida em que esta veicula valores da mais alta envergadura constitucional, como o princípio republicano e o império do Estado de Direito.

A aplicação automática da prescrição intercorrente na ação por improbidade administrativa, sem atentar para a inércia do autor em promover os atos que lhe são exigíveis, não atende a nenhum ideal de justiça, nem promove segurança jurídica. Serve apenas para agravar o já ineficiente controle estatal sobre atos de corrupção e para aprofundar as raízes do patrimonialismo que emperram a concretização dos ideais do Estado brasileiro.


[1] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 19ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 1941. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 19ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 751.

[2] SCALABRIN, Felipe. A prescrição intercorrente na execução civil após a lei n.º 14.195/21: impressões iniciais. Disponível em: https://www.academia.edu/51158228/A_PRESCRI%C3%87%C3%83O_INTERCORRENTE_NA_EXECU%C3%87%C3%83O_CIVIL_AP%C3%93S_A_LEI_N_o_14_195_21. Acesso em: 12/11/2021.

[3] BIZARRIA, Juliana Carolina Frutuoso. Prescrição Intercorrente no CPC/2015. In reflexões sobre os cinco anos de vigência do CPC/2015. São Paulo: OAB/ESA, 2020, p. 607 e 610.

[4] ADAMY, Pedro. Prescrição e Segurança Jurídica: considerações iniciais. In FYET JUNIOR, Ney (Coord.). Prescrição Penal. Temas atuais e controvertidos. Vol. 04. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 58-59.

[5] STJ, Resp. 1.522.092—MS. rel. min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 13/10/2015; AgInt no AREsp 1307690/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 4ª TURMA, DJe 19/12/2018.

[6] Súmula 106, STJ: "Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência".

[7] STJ, AgInt no AREsp 1.169.279/RS, rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 23/5/2018.

Autores

  • é juiz federal, doutorando, mestre em Ciência Jurídica pela Univali (Universidade do Vale do Itajaí), diretor e professor de Direito Administrativo da Esmafesc (Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina).

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