Opinião

As escolhas do legislador para a desestatização da Eletrobras

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10 de novembro de 2021, 17h06

Infelizmente, ainda persiste grande vulnerabilidade informacional entre os agentes do setor elétrico brasileiro (SEB) e os consumidores finais, que muitas vezes desconhecem da dinâmica do SEB, tornando-se acessível a propagação de falsos discursos sobre as hidrelétricas, em especial as autorizadas até 50 MW, o que inclui centrais geradoras hidrelétricas (CGHs) e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).

É nesse contexto que visões contrárias à privatização da Eletrobras via MP 1.031/2021, que foi convertida na Lei 14.182/2021 pelo Congresso Nacional, insistem em manifestar sua irresignação à lei sob diversos discursos, entre eles o de que seriam "jabutis" as emendas adicionadas à MP relacionadas à meta de contratação nos Leilões A-5 e A-6 de, no mínimo, 50% da demanda declarada das distribuidoras, de centrais hidrelétricas até 50 MW até o atingimento de 2 mil MW de capacidade instalada e à prorrogação dos contratos do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas (Proinfa).

Faz-se necessário rebater discursos enviesados e sem respaldo técnico, jurídico e regulatório, esclarecendo a todos acerca das reais características das hidrelétricas de menor porte.

A começar, depreende-se do julgamento da ADI 5127/DF que "jabutis" são aquelas emendas de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória, ou seja, sem pertinência temática, o que notoriamente não ocorreu no caso.

Veja-se que a lei não dispõe simplesmente da contratação de PCHs até 50 MW nos leilões de energia nova e da prorrogação dos contratos do Proinfa. Em realidade, tal contratação e prorrogação contratuais são duas das inúmeras condições para o cumprimento do objetivo da lei: desestatização da Eletrobras. Isso, por si, afasta-se absolutamente o discurso de que tais disposições da lei são provenientes de emendas "jabutis", que, frise-se, são aquelas que não guardam pertinência com o conteúdo da lei.

Por derradeiro, o condicionamento da desestatização da Eletrobras a tais requisitos representa as escolhas do legislador quanto ao cenário setorial que se entende ideal para viabilizar a desestatização da Eletrobras, naturalmente pautadas em análise técnica, jurídica e regulatória.

Sobre a necessidade de contratação de hidrelétricas até 50 MW nos leilões de energia nova para viabilização da desestatização da Eletrobras, vale lembrar que as CGHs e PCHs, diferentemente do que citam, não possuem viabilidade limitada, pois, supostamente, o seu potencial para exploração seria limitado à Amazônia. Em realidade, uma das grandes vantagens é que essas usinas e o seu potencial existente, estão situados de forma distribuída em todo o território nacional, sem considerar a Amazônia, e muito próximos dos centros de carga, otimizando o sistema de transmissão e reduzindo perdas e riscos ao SIN.

Não só isso. Conforme estudos elaborados pela respeitada A.T. Kearney [1], as CGhs e PCHs geram até cinco vezes mais empregos diretos e indiretos do que outras fontes renováveis. Além da baixa emissão de CO2, PCHs agregam na construção e na constituição de APPs no seu entorno; são revertidas para união após o fim das outorgas, continuando a operar por mais de cem anos, o que somente é possível devido à longa vida útil da fonte; são a fonte de energia renovável que mais gera receita ao país, chegando entre 18% a 53% a mais do que as outras fontes de energia renovável; e são a fonte de energia renovável que mais contribui com a arrecadação de impostos, chegando entre 51% a 189% a mais do que as demais fontes renováveis. Vale lembrar, ainda, que pesquisas [2] apontam a melhoria dos indicadores socioeconômicos em municípios com PCHs de forma significativa.

Veja-se, portanto, que os geradores hidrelétricos até 50 MW, ao mesmo tempo em que contribuem para o suprimento energético da população, contribuem com a geração de receita, geração de impostos, geração de empregos, desenvolvimento de municípios, sustentabilidade e meio ambiente.

Logo, a escolha do legislador em estabelecer uma política pública para a contratação de centrais hidrelétricas até 50 MW é respaldada nos diversos atributos da fonte.

Quanto à prorrogação dos contratos do Proinfa, importa frisar que a Eletrobras é a administradora do programa, fazendo-se imperioso, para segurança jurídica e regulatória, que a lei que dispõe sobre a desestatização da companhia (Lei 14.182/2021) disponha também sobre os contratos por ela geridos.

Nesse caso, o legislador exerceu a escolha de prorrogar os contratos do programa para, principalmente, garantir a modicidade tarifária aos consumidores. Isso porque, na tramitação da MP 1.031/2021, evidenciou-se que a prorrogação dos contratos do Proinfa, adicionalmente a outras medidas, resultaria na diminuição da tarifa de energia elétrica. Simulações detalhadas, apresentadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) ao Senado nacional, demonstraram ser possível a incorporação de um deflator de até 2,65% da tarifa média nacional [3].

Ademais, necessariamente há benefício tarifário específico derivado da prorrogação dos contratos Proinfa para o consumidor, eis que: o agente gerador perderá parte dos benefícios dos descontos tarifários do uso dos sistemas; deve ser aplicada a substituição do IGPM, de 2020 para 2021, para o IPCA, o que implicará em uma redução de cerca de 30% nos custos do Proinfa imediatamente; e a troca do indexador dos contratos de IGPM para IPCA, entrega ao consumidor, um ganho provável de 0,78% ao ano até o final dos atuais contratos, considerando o spread entre estes, lastreados em IGPM e IPCA na B3, para o período de cinco a 25 anos.

Pelo exposto, então, é imprescindível filtrar as informações disseminadas acerca da MP 1.031, convertida na Lei 14.182/2021, especialmente no que toca às falsas alegações de que seriam "jabutis" as emendas adicionadas à MP relacionadas à contratação de centrais hidrelétricas até 50 MW nos leilões de energia nova e à prorrogação dos contratos do Proinfa, que, em realidade, apresentam benefícios ao consumidor de energia.


[1] Fonte: Estudo de condições para maior inserção das PCHs/CGHs na matriz elétrica brasileira, A.T.Kearney, fevereiro, 2020;

[2] Social and Economic Benefits of Small Hydropower Plants – The Brazilian Study-case, 2016.

[3] Parecer nº 134, de 2021 – Plen. da comissão mista da Medida Provisória nº 1031, de 2021, sobre a Medida Provisória nº 1031, de 2021, que dispõe sobre a desestatização da empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras) e altera a Lei nº 5.899, de 5 de julho de 1973, a Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, e a Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002.

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