Opinião

O crime ambiental e a responsabilidade empresarial

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1 de novembro de 2021, 13h11

Em um ambiente corporativo, há várias razões para que existam funções previamente determinadas e distribuídas entre administradores e colaboradores. A possibilidade de responsabilização criminal é mais uma dessas, especialmente em atividades usualmente associadas a riscos ambientais maiores, como é o caso, entre outras, de mineração, construção civil ou de determinados empreendimentos industriais.    

Os crimes ambientais são os únicos entre os ilícitos de natureza penal que podem ter as empresas como autoras e responsáveis. Na letra da lei (artigo 3º da Lei 9.605/98), a empresa poderá ser criminalmente responsável nas hipóteses em que o crime tenha sido cometido "por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade".     

A responsabilidade penal das empresas por crimes ambientais, porém, não exclui a responsabilidade individual da pessoa física que tiver contribuído individualmente com o crime. Houve um tempo, aliás, em que para a responsabilização de uma empresa deveria haver, necessariamente, também a de um indivíduo. Essa regra, porém, construída por nossos tribunais superiores, deixou de ser aplicada já há algum tempo. Hoje, o que vigora é que tanto indivíduos quanto empresas poderão ser responsabilizados por crimes ambientais em conjunto ou isoladamente.

E qual é a regra para que se determine a responsabilização penal de um indivíduo na hipótese de a empresa ser a agente de um crime ambiental? Em tese, deveriam ser responsabilizados aqueles que: 1) por intenção exclusiva ou por erro indesculpável   neste último caso apenas se o crime for punível a título de culpa  tomaram ações determinantes à ocorrência do resultado criminoso; ou 2) sejam os responsáveis por essas ações, sabiam ou deveriam saber do potencial resultado criminoso, e nada fizeram para evitá-lo.

Contudo, decisões dos tribunais superiores têm caminhado em outro sentido e admitindo o processamento de administradores ainda que ausentes provas robustas de sua participação pelo simples fato de ser administrador e não haver uma prévia e clara distribuição de funções na empresa. Por exemplo, no julgamento do Habeas Corpus nº 128435/TO, o STF considerou que mesmo que a acusação não tenha descrito as condutas de cada um dos processados, a denúncia é considerada válida e o processo deve seguir seu curso. O HC 128435 foi julgado pela 1ª Turma.

Em outro caso (RHC 38929/RS), o gerente de uma empresa que transportou produtos nocivos à saúde (crime ambiental) teve seu processamento em conjunto com o da empresa confirmado em julgamento pelo STJ. Para a corte, "consta ele como gerente da empresa e, pois, era quem sabia de tudo o quanto acontecia".

Nas pequenas e médias empresas, a questão se agrava e o raciocínio da responsabilidade criminal por qualquer delito praticado pela corporação vem se dando em prejuízo do administrador, independentemente de sua participação específica nos fatos. Segundo tese recorrentemente citada no âmbito do STJ, em eventos de crimes ambientais no âmbito de pequenas e médias empresas, "não sendo o caso de grande pessoa jurídica, onde variados agentes poderiam praticar a conduta criminosa em favor da empresa, mas sim de pessoa jurídica de pequeno porte, onde as decisões são unificadas no gestor e vem o crime da pessoa jurídica em seu favor, pode então admitir-se o nexo causal entre o resultado da conduta constatado pela atividade da empresa e a responsabilidade pessoal e por culpa subjetiva de seu gestor". O entendimento foi fixado no RHC 71.019/PA.

Neste mesmo caso, o STJ chancelou o entendimento do Tribunal de Justiça do Pará (Processo nº 0000835-65.2012.8.14.0401), segundo o qual o sócio administrador da empresa "deveria ser conhecedor das atribuições que são conferidas aos seus funcionários" e "deve ter o cuidado de saber como e onde são despejados os entulhos da empresa". Ou seja, ao gestor destas pequenas e médias empresas, o vínculo que o aproxima da responsabilização criminosa poderá, na falta de prova em contrário, ser presumido.

Na prática, o que se tem percebido é que uma empresa que não tenha um organograma de funções muito bem definido contribuirá para que a confusão autorizada pelos tribunais superiores acarrete o processamento e/ou responsabilize por crimes ambientais administradores e colaboradores que podem, sequer, estar intimamente relacionados com as decisões e atos vinculados à infração. 

Por todas as incertezas fundadas nas teses judiciais que têm prevalecido nos tribunais quanto aos crimes ambientais com responsabilidade potencialmente concorrente de empresas e gestores, observa-se que é cada vez mais relevante que as responsabilidades e funções estejam bem definidas dentro da corporação.

Em razão disso, algumas empresas têm adotado medidas para identificar com clareza as responsabilidades de seus administradores e colaboradores tanto nos documentos societários quanto em outros materiais de organização interna. Troca-se, por exemplo, a figura genérica do "diretor sem designação específica" para uma indicação precisa das atribuições de cada uma das diretorias, gerências ou coordenações. Com essa iniciativa, se mitiga os riscos de responsabilização de administradores apenas porque algum agente público entende que ele, por seu cargo, sabia ou deveria saber e determinou ou consentiu com o fato criminoso.

Além de se tratar de uma importante mecanismo de controle de risco pessoal para os administradores, a atribuição clara de responsabilidades entre os membros de uma organização torna todos mais cientes dos riscos pessoais e da potencial repercussão de seus atos, de tal sorte que esse novo patamar de consciência tende a aumentar a prevenção e mitigar os danos ambientais.

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